Quando
o livro As Raças Humanas, de Louis Figuier, foi editado em Lisboa, em
1881, já tinha conhecido quatro edições em França. É obra profusamente
ilustrada, com elevada qualidade gráfica, o tema das raças estava no auge, as
doutrinas evolucionistas, o pensamento filosófico positivista, os ideais republicanos
laicos tinham entrado em colisão, daí a pergunta o que é o homem, de onde vem,
se tinha ou não o papel de centro único da criação, como se tinham processado
ao longo da História as migrações dos povos, etc. Figuier concluirá que a
ciência não pode explicar a diferença existente entre os principais tipos da
espécie humana, dirá mesmo que os homens são todos irmãos pelo sangue, que as
diferentes raças eram derivadas de uma espécie única pelas modificações que o
clima imprimiu no tipo positivo, competia à antropologia classificar as raças e
Figuier acha que tal classificação se baseia na cor da pele, é uma apreciação
de um valor secundário mas com ele pode formar-se um quadro exato e metódico
dos povos habitantes da Terra. E dá um sentido à sua análise com apreciações
que são hoje completamente dadas como erróneas: as medidas antropométricas
constituíam a chave esclarecedora para distinguir o que essencialmente
diferencia a raça branca da raça amarela, a raça amarela da raça parda, a raça
parda da raça vermelha e a raça vermelha da raça negra.
E
vamos viajar a partir da raça branca, um tal ramo europeu onde destacam as
famílias teutónica, latina, eslava (do Norte do Sul), fino-húngara, grega;
passa-se para o ramo aramaico e o leitor permitir-me-á que avance para a raça
negra. Escreve Figuier: “A raça negra distingue-se pelos seus cabelos pouco
compridos e lanosos, pelo nariz achatado, pela maxila saliente, pelos lábios
grossos, pelas pernas arqueadas, pela cor preta ou cinzenta carregada. Estes
povos vivem nas regiões centrais e meridionais da África, nas partes
meridionais da Ásia e da Oceânia.
Os
habitantes da Guiné e do Congo são muito pretos, mas os Cafres são apenas
cinzentos-escuros e parecem-se com os Abissínios. Os Hotentotes e os
Bosquímanos são amarelados comos os chineses, posto que tenham as feições e a
fisionomia dos negros.” Figuier enuncia os Cafres e os Hotentotes e assim
chegamos aos negros:
“Os
negros ocupam uma grande parte da África Central e Meridional, a Senegâmbia, a
Guiné, uma parte do Sudão Ocidental, a Costa do Congo, assim como a extensa
região que ainda há pouco quase completamente desconhecida entre a Costa do
Congo a Oeste e a Este da Costa de Moçambique e do Zanzibar, são os lugares
habitados pelos negros propriamente ditos.
A
Guiné e o Congo são as terras clássicas dos negros. É ali que vivem os
representantes desta raça com as feições mais características e repelentes.
Julga-se que a invasão na África dos povos asiáticos e europeus, tendo-se
sempre feitos pelo istmo do Suez e pelo Mar Vermelho, os negros foram
empurrados para o Oeste do continente africano. Os habitantes da Guiné e do
Congo serão, pois, os descendentes e os representantes contemporâneos dos
negros primitivos.
(…)
A fisionomia do negro é de tal modo característica que é impossível o não
reconhecer à primeira vista, mesmo quando o indivíduo tivesse a pele branca. Os
seus lábios proeminentes, a fronte curta, os dedos salientes, os cabelos
lanosos, a pouca barba, o nariz largo e achatado, o queixo retraído, os olhos
redondos dão-lhe um aspeto particular entre todas as demais raças humanas.
Muitos têm as pernas arqueadas, quase todos pouca barriga de perna, os joelhos
flexionados, o corpo inclinado e o andar preguiçoso. Podemos acrescentar que
nesta raça o tronco tem menos largura que nas outras raças, que os braços são
proporcionalmente um pouco mais compridos, que as pernas têm uma curvatura
assaz sensível e que a barriga das pernas é um pouco achatada. A cavidade óssea
da bacia é muito mais estreita no negro do que no europeu, mas é mais larga no
sentido do osso sacro, o que torna para as negras fáceis os partos. Segundo
medidas exatas, a bacia superior é 1/4 mais larga no europeu do que no negro.
Também as coxas dos negros diferem das dos brancos: no primeiro são
sensivelmente achatadas. O pé participa desta fieldade das formas. O vício de
conformação que entre nós isenta do serviço militar, o pé chato, não só para o
negro não é uma deformação, mas é também um caráter constante.
(…)
A cor da pele tira à fisionomia do negro toda a beleza. O que dá graça à cara
do europeu é cada parte do rosto ter o seu colorido próprio. As maçãs do rosto,
o nariz, a fronte, o queixo, têm, no branco, tons particulares. Na fisionomia
do negro tudo é negro. As sobrancelhas, negras como o rosto, perdem-se na cor
geral. Apenas há um tom diferente na linha de contacto dos lábios. A pele dos
negros é muito porosa e tanto que os poros se apresentam de modo visível. Nem
todos os negros têm a pele dura, pelo contrário, pelo contrário, alguns têm-na
macia e acetinada. O que há de desagradável na pele do negro é o cheiro
nauseabundo que exala suando. Estas emanações são tão difíceis de suportar como
as que são exaladas de certos animais.
A
natureza apropria o negro às regiões em que vive. Em geral, o seu temperamento
é linfático. O seu andar vagaroso, a sua preguiça invencível, impacientam o
europeu, que não pode compreender tanta indolência. Os negros são menos
sensíveis que os europeus à influência de excitantes. A aguardente, a mais
forte, o rum, a pimenta, os mais irritantes condimentos francamente excitam a
inércia do seu palato.”
Chegámos
agora à contundente questão da inteligência e da inferioridade racial.
Socorrendo-se de argumentos antropomórficos hoje dados como anacrónicos,
Figuier refere o ângulo facial, a fronte muito inclinada para trás, as maxilas
muito proeminentes e classifica: “Aproximava-se do macaco, cujo ângulo facial,
nos macacos antropomorfos, tais como o orangotango e o gorila, é de 50º. Esta
fraqueza relativa de inteligência que nos é revelada pela pequenez do ângulo
facial dos negros vai ser confirmada por nós, examinando-lhe o cérebro. (…) A
inferioridade intelectual do negro é evidente na sua fisionomia sem expressão
nem mobilidade. O negro é uma criança e como uma criança é impressionável,
inquieto, sensível ao bom tratamento suscetível de dedicações, mas, em certos
casos, sabendo também odiar e vingar-se. Os povos da raça negra que existem no
interior de África, os estados de liberdade mostram-nos pelos seus hábitos e
pelo estado do seu espírito que não podem passar de além da vida de tribo. Além
disso, em muitas colónias custa tanto tirar bom resultado da educação dos
negros, a tutela dos europeus é-lhe de tal modo indispensável para lhe manter
os benefícios da civilização, que a inferioridade da sua inteligência,
comparada com a do resto da humanidade, é um facto incontestável.”
Instituiu-se
assim a inferioridade do negro, a plena dependência do civilizado, a fatalidade
da sua anatomia, a sua indolência masculina pondo a mulher a trabalhar como
escrava, as suas crendices em divindade secundárias, a crença no poder do
acaso. E, de repente, Figuier descobre que os negros possuem muitas vezes uma
extraordinária memória, uma extrema facilidade para aprender as línguas, o seu
enorme talento nas imitações. Os negros, enfatiza Figuier, são rebeldes às
artes plásticas, mas são muito sensíveis à música e à poesia. E conclui dizendo
que a família negra tem menos inteligência que qualquer outra família humana e
que é preciso dar muito tempo aos negros libertos para viverem numa igualdade
com outras raças.
Era
esta a doutrina que alimentava o pensamento colonialista e que efetivamente só
se começou a desmoronar no fim da Segunda Guerra Mundial. O racismo mudou de
figura, está associado a uma religião eleita, a certos fundamentalismos
monoteístas, à emergência do nacionalismo de base racial e ao terror das
migrações que assolam a Europa e a América do Norte; mas não sejamos ingénuos,
os chineses não querem contaminações com outros grupos populacionais… O racismo
diminuiu, tem uma face muito obscura, mas está muito longe de se ter
extinguido.
Mário
Beja Santos
Excelente e bem oportuno nestes sinistro temps!
ResponderEliminarExcelente. Obrigada
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