terça-feira, 7 de maio de 2024

Carta de Bruxelas - 12.

 

Para assinalar sete meses passados sobre o dia 7 de Outubro de 2023.

 



No seu romance de 1793, A loja Invisível, Jean Paul deixou escrito que a recordação é o único Paraíso de que não podemos ser expulsos. A transfiguração que o tempo impõe tanto aos bons como aos maus momentos é sempre indício de uma reconciliação com a vida. E, no entanto, quando os judeus, expulsos, se punham a caminho, em cada passo, em cada mala, em cada olhar para trás, a recordação suscitada não tinha imagem, não se demorava em algo concreto. Havia o pressentimento de uma repetição, a repetição de algo já feito por antepassados desconhecidos, sujeitos ao mesmo destino abstracto e absurdo: não um Paraíso mas um martirológio irracional que se acrescenta com o tempo. O fardo da recordação haveria de ser alijado. Desde 14 de Maio de 1948, os passos dados nesta Terra já não evocam as expulsões nem as fugas de antanho. Mas, a partir do dia 7 de Outubro de 2023, os contornos do passado esbateram-se. Ressurgiu, em parte, a atmosfera amaldiçoada das recordações antigas. Agora há para onde ir. Por enquanto. 

 

                                                                João Tiago Proença






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