quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Can't stop the music.

 
 
 

 
 
 
Chamem-lhes foleiros ou apatetados, tudo o que quiserem, mas a verdade verdadeira é que ninguém resiste a pular ao som dos Village People. O grupo foi criado em 1977 e representa o pior do piorio que os anos 70 e 80 produziram. E, atenção, foram duas belíssimas décadas, grotescas de más, que produziram coisas pavorosas, a que hoje chamam vintage   
 
A fachada dos Village People, de esfuziante alegria, esconde tragédias várias. O grupo foi criado por dois compositores e produtores musicais franceses, Jacques Morali e Henri Belolo, que começaram a recrutar rapaziada para integrar a banda. Entre eles, dos primeiros a entrar na pandilha, Alexander “Alex” Briley, de que já falaremos.
 
Alex Briley
 
 
 
 
         Jacques Morali, a alma dos Village People, era um homem perverso, martirizado pelo facto de a sua mãe ter desejado uma rapariga. Nasceu ele, Jacques, rapaz gay. Quando soube que estava infectado pelo vírus da SIDA dizem que se envolveu com o amante da mãe apenas para que a senhora não ficasse com a sua herança. Um ano depois, o amante de Morali, também flagelado pela SIDA, suicidar-se-ia, lançando-se do quinto andar da clínica de Paris onde o compositor e mestre do disco sound estava em tratamento. Morali, o génio criador dos Village People, morreria pouco depois, tendo planeado meticulosamente o seu funeral, e com pompa pimba. As exéquias foram Village People em estado puro, completamente vintage. Enquanto o caixão descia à terra, era tocada uma das músicas mais célebres da banda: “Young man! There’s no need to feel down!”

 
         O grupo passou de moda, entrou em irrevogável declínio. Todos os direitos autorais dos Village People pertencem ao sócio de Morali, Henri Belolo. Nenhum dos membros da banda pode tocar uma só música sem a autorização de Belolo. Nem sequer podem fazer um tour sem o seu consentimento; ou gravar um disco, fazer um filme ou mesmo um vídeo, nada de nada.

 
         E agora falemos de Alex Briley, um dos rapazes da banda. Filho de um pastor protestante, Alexander nasceu no Harlem, em 1947. Abreviando a história, que é íntima e escabrosa, acabou a cantar nos Village People, vestido de soldado ou de marujo (este, no fantástico In the Navy).

 
         Alex Briley, hoje um bocadito decrépito, era irmão de Jonathan Briley. Assim dito, este nome diz pouco. Mas talvez diga algo mais se soubermos que Jonathan Briley trabalhava nas Torres Gémeas como engenheiro de som. Mais precisamente, era ele que tratava da música e dos eventos no restaurante Windows of the World, situado no topo da Torre Norte do World Trade Center. Na manhã de 11 de Setembro de 2001, quando um grupo de islâmicos radicais trouxe o terror ao mundo, Jonathan Briley estava a trabalhar no Windows of the World. Nenhum funcionário do restaurante sobreviveu aos ataques suicidas. Aliás, na Torre Norte do World Trade Center não sobreviveu ninguém nos andares situados acima do ponto de impacto do Voo 11 da American Airlines, uma colisão que fez a temperatura subir no interior do edifício a cerca de 1000 graus centígrados. Muitos caíram do alto, outros decidiram saltar. Entre 100 ou 200, pelo menos.
 
Richard Drew, The Falling Man, 2001
 
 
          Das várias fotografias que existem desses momentos trágicos, há uma que se destaca pela sua singular beleza. Foi captada por Richard Drew, da Associated Press. Chama-se The Falling Man. Um ensaio famoso do escritor Tom Junod publicado na revista Esquire, já lido por mais de 20 milhões de pessoas, assume como possível que The Falling Man seja Jonathan Briley. O engenheiro de som que trabalhava no restaurante Windows of the World, onde ninguém sobreviveu aos ataques terroristas que mataram quase 3000 pessoas. Jonathan Briley, o irmão de Alex, o soldado-cantor dos Village People. Enquanto caía a uma velocidade de 240 quilómetros à hora, durante os cerca de dez segundos que lhe restaram antes do embate fatal no cimento, Jonathan pode ter-se lembrado de muita coisa, até da música que o seu irmão cantava. Da música que abrilhantou o funeral de Jacques Morali, o criador dos Village People: “Young man! There’s no need to feel down!”  
 
         Prefiro julgar que não. Prefiro pensar que Jonathan Briley recordou outra música dos Village People. Um hino eterno, magnífico, ainda que muito foleiro, maravilhosamente foleiro. You Can’t Stop the Music. O refrão diz tudo: You can't stop the music, nobody can stop the music.

 
         É isso que devemos cantar, com a esfuziante alegria dos Village People, com todo o seu estrondoso foleirismo, aos canalhas que ontem irromperam na redacção do Charlie Hebdo e mataram doze seres humanos. A sangue frio.

 
You can't stop the music, nobody can stop the music. Erudita ou popular, de Brahms ou dos Village People, de Mozart ou dos Abba, a música é nossa, é a nossa. Ninguém a pode parar. A música somos nós, o nosso modo de viver livremente, no delírio dos sentimentos e na grandeza das paixões. A música, a nossa, é o humor corrosivo do Charlie Hebdo, o sexo hetero ou homo, as catedrais góticas e as torres gémeas, o kitsch risível de Alex e o salto mortal do seu irmão Jonathan. Uma coisa tenhamos por certa,  inequívoca: no Islão radical um grupo como os Village People nunca veria a luz do dia. E jamais um telescópio como o Hubble nos mostraria os Pilares da Criação e toda a espantosa beleza do Universo.
 
 
Os Pilares da Criação
 
 
 
 
Aos que querem calar a música e impor-nos o silêncio da barbárie, sufocar a festa e o riso, só temos de dizer uma coisa muito simples. Sem temor nem medo, apenas isto: you can’t stop the music.

 
António Araújo

 
 



 
 
 

5 comentários:

  1. Muito bonito!!!!Emocionante!!!Village people mesmo. Os franceses ,sim eram franceses, nas próximas eleições vão votar na Marina ate aposto, para assegurar a democracia.Disse alguém e eu subscrevo:Quando a democracia esta em perigo o que é preciso é mais democracia...Veremos.

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  2. muito bom, antónio, muito bom. obrigada porn dar voz aos meus sentimentos.

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  3. Pois foi sempre em nome de uma fé qualquer uma que se cometeram as piores ignominias.Não acreditem nos (hoje todos)que choram as mortes dos jornalistas franceses.Aqui nem haveria lugar para o jornal aposto.Bastava que se metessem com Fatima uma vez e seus tesoureiros viriam ás claras ou não exigir o seu encerramento.Querem apostar?

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