«apesar da vossa arte e
o vosso artesanato me fascinarem, a forma através da qual os apreendo mantém-se
inevitavelmente exterior: não nasci nem fui criado entre estas obras-primas; e,
em relação a estes objectos de uso técnico ou doméstico, foi apenas já tarde
que me foi dado conhecer o seu lugar na cultura e observar o seu manuseamento.»
–– assim começou, com desarmante humildade, Claude Lévi-Strauss uma conferência
em Quioto, publicada no livro A Outra Face
da Lua. Escritos sobre o Japão.
Este livro, mais uns quantos que vamos
lendo – de Ruth Benedict ou Ian Buruma – permitem-nos uma aproximação cautelosa
à alma japonesa; na certeza de que, na
sua essência, ela sempre será para nós misteriosa e imperscrutável. É nesse
jogo entre proximidade e distância que reside o seu fascínio. Há muito de
ocidental na manga, mas no Ocidente
nada de existe comparável aos burakumin,
uma casta impura. Os japoneses suicidam-se, como qualquer povo do mundo, menos
do que na Gronelândia, onde uma em cada cinco pessoas já tentou matar-se pelo
menos uma vez ao longo da sua vida. Mas no Japão há um lugar predilecto para os
suicídios, a floresta de Aokigahara, no sopé do Monte Fuji. Todos os anos,
cerca de 100 corpos são lá encontrados, como se mostra neste filme terrível,
terrível.
Os japoneses são capazes de tudo, da
crueldade extrema à beleza mais paciente e pura. No MUDE – Museu do Design e da Moda, em Lisboa, está patente uma
exposição extraordinária. Ou, melhor, duas exposições. Uma, dedicada ao boro, que literalmente significa
«farrapo». Tecidos remendados e cerzidos, sendo o conjunto posteriormente
tingido com índigo – uma técnica usada até meados do século XX. A par dela,
outra exposição, Puras Formas/Naked Shapes.
Objectos vários, feitos em alumínio. Um desenho simples e delicado, o toque
suavíssimo. Superfícies polidas, à espera de enegrecerem pela usura do tempo,
como Junichiro Tanizaki disse ser uma das características da alma
japonesa, nesse livro deslumbrante que é Elogio
da Sombra. Nos objectos de uso doméstico – secadores de cabelo, brinquedos,
aspiradores do pó, material de escritório – que encontramos no MUDE não se
notam ainda vestígios do negrume dos dias. O que achamos é, quando muito, uma
«luz cansada», uma «claridade ténue», para usar palavras de Tanizaki. O fabrico
destes produtos remonta aos alvores do século XX, mas o uso do alumínio
intensificou-se após a 2ª Guerra. Alumínio recuperado das carcaças de aviões,
ao início, e convertido em utensílios de extrema subtileza, em total contenção
formal. Os designers são anónimos e os objectos de alumínio, ao que parece, não
foram concebidos como peças de «arte». Foram pacientemente reunidos pelo
designer industrial Seiji Onishi e pelo artista e galerista Keiichi Sumi.
Agora, estão em exibição na Rua Augusta, em Lisboa. Apresse-se, termina a 8 de Fevereiro. Não é uma exposição, é um
privilégio.
António Araújo
Quito ou Kioto?
ResponderEliminarJá corrigi, obrigado, Alexis.
EliminarCordialmente,
António Araújo