impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 67 - McCOY TYNER
Fotografia de Francis Wolff
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Mãos
de basquetebolista, percute o piano com o ânimo de um ferreiro, não fosse ele
recalcitrar. Miles Davis embirrava – “I don’t like all that bangin’, you know?”
– mas era injusto, McCoy Tyner fazia o que era preciso para não abandonar John
Coltrane ao largo, sem a bússola rítmica e o astrolábio harmónico que lhe
competia fornecer, missão que se foi dificultando na fase em que o saxofonista,
ao cabo de um punhado de compassos, dava em ir-se embora para um éter musical
só dele.
McCoy
Tyner associou-se a Coltrane em 1959, um ano depois de se cruzarem em
Filadélfia, ainda antes do denominado “Classic Quartet” que também vinculou Jimmy
Garrison no contrabaixo e Elvin Jones na bateria, este a concorrer em elã com o
pianista, fustigando as peles ao estilo de Muhammad Ali no acto de despachar
Sonny Liston. Foram sete anos de prémio pretendido, tão diferentes dos de Jacob
sem a merecida Raquel, mas, no final de 1965, Tyner – e com ele Jones: já não
se conseguiam ouvir, alegaram – desligou-se de John Coltrane, quando a
influência, para muitos deletéria, de Alice Coltrane e de Pharoah Sanders
ganhou um peso terminante na sua trajectória musical, deslocando-a da posição
convergente de um sol, com o seu campo gravitacional, para a inescrutável
elipse de um cometa que só passa tangencialmente por aqui.
É
de uniões de facto entre “consenting adults” que descende o jazz; donde não haver
divórcios na hora da separação. Para mais, enquanto perdurou na órbita de
Coltrane, McCoy Tyner foi fazendo a mão na Impulse! – ficava tudo em casa… –
quantas vezes combinado com Garrison e Elvin Jones, também eles, de vez em
quando, assinando obras na mesma etiqueta. Não se entenda esta domiciliação
como um plano editorial de produção em série ou como um ajuste meramente
comodista por parte dos músicos, mas sobretudo como uma afinidade musical e até
política – houve quem dissesse que grupal – que a Impulse! tanto fomentou e
tanto cunho lhe deu.
The Real McCoy
1967
(2008)
Blue
Note / EMI Music Distribution - 7120
McCoy Tyner (piano), Joe Henderson
(saxofone tenor), Ron Carter (contrabaixo), Elvin Jones (bateria).
Com
realce dado na capa a um título rico de sentidos, nenhum deles leviano, “The
Real McCoy” não é, portanto, um grito do Ipiranga porque liberdade nunca faltou
a Tyner para apontar ao norte que demandava – mas agora podia soltar-se. Refinará
a audição do disco se a sua música for contrastada com a de Coltrane num concerto
dado dois dias depois, cuja gravação seria publicada em 2001 sob o nome “The
Olantuji Concert”. Da comparação retira-se a justa medida da distância que os separava,
mas também, com alguma boa-vontade, se percebe que Tyner não renegara nada,
antes retrocedera a um momento anterior, eventualmente coetâneo de “A Love
Supreme”, para nele encontrar outras rotas por onde prosseguir – “um passo
atrás e dois em frente”, máxima leninista que poderia muito bem ter-lhe sido sugerida
por Jarvis Tyner, o seu irmão mais novo, membro do Comité Central do Partido
Comunista dos EUA.
Ter
sido acolhido na Blue Note conferiu a “The Real McCoy” um ar de família. Com
dois pulsares tão energéticos como Tyner e Jones, a escolha para completar a
secção rítmica recaiu no contrabaixista Ron Carter, o “metrónomo” do Segundo
Grande Quinteto de Miles Davis, renomado por não conhecer limites de
velocidade, por sempre encontrar a agulha do ritmo no palheiro do contraponto,
ademais, por estar habituado a bateristas estentóricos como Tony Williams.
Tal
como Carter, também o saxofonista tenor Joe Henderson dir-se-ia que por esta
altura era avençado da Blue Note, tantas as obras nela editadas em que
participa. Todavia, no caso de “The Real McCoy” mal seria se a comparência de
Henderson fosse simplesmente contratual ou por conveniência; no seu debute como
cabeça de cartaz, no disco apropriadamente crismado de “Page One”, contara com
os préstimos de McCoy Tyner e a eles se juntara Elvin Jones nas sessões de
Abril e Novembro de 1964 que deram origem a “In’n Out” – o ex libris de
Henderson – e “Inner Urge”. Isto estava tudo ligado…
Pondo
a má-língua de Miles de lado, entenda-se McCoy Tyner como uma versão vitaminada
de Thelonious Monk, também ele pouco dado a subtilezas no afago das teclas. E a
verdade é que o seu modo, tal como se afirma eloquentemente em “The Real McCoy”,
inspirou e influiu o piano de jazz nas décadas porvindouras.
José Navarro de Andrade
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