segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Açores, 1836.

 
 
 
Charles Darwin (1809-1882)

 
A passagem de Charles Darwin pelos Açores em 1836, a bordo do Beagle, é bem conhecida e tem sido amplamente estudada, assim como a correspondência mantida com o cientista português Francisco de Arruda Furtado (1854-1887). O diário que Darwin escreveu no Beagle já foi publicado entre nós, existindo mesmo um livrinho, profusamente anotado, com o título Darwin nos Açores. Diário pessoal com comentários, organizado por José Nuno G. Pereira e Verónica Neves, igualmente autores da tradução que a seguir se transcreve, tendo sido selecionados apenas alguns trechos.
 
O H.M.S. Beagle
 

De manhã estávamos ao largo da ponta Este da ilha Terceira, e ao início da tarde alcançámos a cidade de Angra.
A ilha é moderadamente elevada e possui um contorno arredondado, com colinas cónicas dispersas, de evidente origem vulcânica. A terra está bem cultivada e dividida em campos rectangulares separados por paredes de pedra, que se estendem da beira-mar até bem alto nas colinas centrais.
Há poucas ou nenhumas árvores, e nesta altura do ano a terra amarelada pelo restolho dá um aspecto queimado e desagradável a este cenário. Encontram-se pequenas povoações e casas caiadas isoladas dispersas por toda a parte.
À tarde alguns de nós foram a terra; achámos a pequena cidade muito cuidada, com perto de 10.000 habitantes, cerca de um quarto total da ilha.
Não existem lojas e são poucos os sinais de actividade, com excepção do intolerável ranger de um ocasional carro-de-bois.
As igrejas são muito respeitáveis e existiam antigamente muitos conventos, mas Dom Pedro destruiu vários; mandou arrasar três conventos de freiras e concedeu permissão às freiras para se casarem, o que, exceptuando algumas das mais velhas, foi aceite com agrado.
Angra foi inicialmente a capital de todo o Arquipélago, mas actualmente possui apenas uma divisão de ilhas sob seu governo, e a sua glória desapareceu.
A cidade é defendida por um forte castelo e uma linha de canhões que circunda a base do Monte Brasil: um vulcão extinto com flancos inclinados, com vista para a cidade.
(…)
No dia seguinte, o Cônsul cedeu-me gentilmente o seu cavalo e forneceu-me guias para nos deslocarmos a um local, no centro da ilha, que era descrito como uma cratera activa.
(…)
Gostei do passeio do dia, apesar de não ter visto muitas coisas que valham a pena: foi agradável conhecer um tão grande número de camponeses encantadores; não me lembro de ter estado perante um grupo de homens mais elegantes, com tantas expressões agradáveis e bem-humoradas.
Os homens e os rapazes estavam todos vestidos com casacos e calças simples, sem sapatos nem meias; as suas cabeças parcialmente cobertas por uma pequena carapuça de pano azul com duas orelhas e uma bordadura vermelha, que levantavam da forma mais cortês à passagem de cada estranho.
As suas roupas, apesar de muito esfarrapadas, estavam particularmente limpas, assim como as suas pessoas; foi-me dito que, em quase todas as casas de campo, um visitante dorme em lençóis brancos e janta com um guardanapo limpo.
Cada homem traz na sua mão um bordão de cerca de 6 pés de altura [2 metros]; colocando uma faca comprida em cada extremidade, podem transformá-lo numa arma formidável.
O seu aspecto rosado, olhos brilhantes e postura erecta, dava-lhes uma imagem de elegantes camponeses; quão diferentes dos portugueses do Brasil.
Grande parte dos que hoje conhecemos trabalha nas montanhas, recolhendo lenha.
Uma família inteira, do pai ao rapaz mais novo, pode ser vista carregando o seu molho à cabeça para vender na cidade. Os seus fardos eram muito pesados; este trabalho árduo e o aspecto esfarrapado das suas roupas sugeriam claramente pobreza. Contudo, disseram-me que não é pela necessidade de comida, mas de todos os luxos, um caso paralelo ao do Chile.
Por este motivo, apesar da terra não estar toda cultivada, muitos estão a emigrar para o Brasil, onde o contrato a que estão sujeitos difere pouco da escravatura.
É de lamentar que uma população tão encantadora deva sentir-se compelida a deixar uma terra de abundância, onde todo o tipo de alimento – carne, vegetais e fruta – é extremamente barato e muito abundante; mas o trabalhador apercebe-se que o seu trabalho é proporcionalmente pouco valorizado.
(…)
A ilha de São Miguel é consideravelmente maior e três vezes mais populosa, gozando de um sistema de trocas mais extenso que a Terceira.
A principal exportação é a fruta, para a qual chega anualmente uma frota de navios; apesar de várias centenas de navios estarem carregados com laranjas, em nenhuma das ilhas estas árvores aparecem em grandes números. Ninguém adivinharia que seria este o grande mercado [produtor] das inúmeras laranjas importadas por Inglaterra.
São Miguel tem muito o mesmo aspecto de campos abertos semi-verdes e retalhados de cultivos que a Terceira. A cidade é mais dispersa; as casas e igrejas, ali e ao longo dos campos, estão caiadas de branco, e à distância parecem arrumadas e bonitas.
A terra por detrás da cidade é menos elevada que na Terceira, mas mesmo assim eleva-se consideravelmente; é espessamente salpicada, ou mais exactamente, composta por pequenos montes mamiformes, cada qual um vulcão activo em tempos idos.
No espaço de uma hora, o barco regressou sem cartas; então colocámo-nos bem ao largo de terra, e rumámos, graças a Deus, directamente a Inglaterra.

 

 


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