Richard Zenith, um "pessoano munido de uma lupa"
(reportagem do Expresso de hoje), leu a minha biografia de Fernando
Pessoa, O Super-Camões. Durante o tempo que roubou ao sono, dedicado a
ler o meu livro, encontrou, segundo se queixou ao Expresso, 11 ou 12
erros factuais. Que Richard Zenith, Prémio Pessoa e finalista do Prémio
Pulitzer, só tenha encontrado uma dúzia de "erros factuais" (como chamar
Clara Alves Claudino à governanta de Pessoa, de nome Claudina), num livro com
quase mil páginas (959), só poderia ser, para mim, motivo de regozijo.
Mas Zenith não fez só isso. Incomodado
porque a minha biografia saiu no mesmo ano que a sua, e talvez vendo o elevado
número de exemplares que O Super-Camões já vendeu, foi lamentar-se ao Expresso,
que lhe fez o frete.
Segundo ele, há algumas semelhanças
entre a biografia dele e a minha. Percebe-se: desde os tempos da antiga Assírio
& Alvim, quando ficou com o monopólio sobre os direitos de publicação da
obra de Pessoa, Zenith considera-se detentor de privilégios exclusivos sobre a
obra do poeta de O Guardador de Rebanhos.
Antes de reproduzir o
"inquérito" a que o Expresso me submeteu, a autora da
reportagem diz a certa altura que "A biografia de Zenith apenas consta,
genericamente, da bibliografia listada no fim do livro, e só na versão
portuguesa".
Isto é manifestamente falso. Logo no
início do livro, no primeiro capítulo (p. 20, nota de rodapé 9) digo: "Richard
Zenith, em Pessoa. Uma Biografia (Lisboa, Quetzal, 2022), não refere
esta possibilidade, o que poderá indicar que se trata de um rumor sem
fundamento" (referência à informação de que a mãe de Fernando Pessoa teria
supostamente beneficiado das lições dos preceptores dos príncipes reais D.
Carlos e D. Afonso, filhos do rei D. Luís e da rainha D. Maria Pia).
De
resto, há várias referências aos trabalhos de Zenith ao longo da minha
biografia (o nome e os
textos de Zenith aparecem citados mais de 30 vezes!).
Por exemplo, na página 880: "Richard Zenith, em Pessoa.
Uma Biografia, fala em 47 heterónimos"; na página 114, explico que "(...) Horace James Faber, o autor
das Detective Stories, posteriormente reintituladas Tales of a
Reasoner, tendo como personagem principal — ou "raciocinador infalível"
— o ex-Sargeant William Byng (muito provavelmente inspirado, segundo Richard
Zenith, no protagonista das histórias policiais de Herbert Flowerdew, que tinha
esse nome)"; p. 406: "Como afirma Richard Zenith, 'se é certo
que Pessoa e Sá-Carneiro realmente gostavam da poesia de Ângelo de Lima, o
facto de ser um louco certificado, residente no Manicómio Miguel Bombarda desde
1902, só podia valorizá-lo'".
Mais
um exemplo, na página 612: “Há toda uma discussão em torno do suposto
budismo-zen d'O Guardador de Rebanhos, como poderão verificar em Richard
Zenith, "Alberto Caeiro as Zen Heteronym”, Portuguese Literary and
Cultural Studies, n.º 3, 1999, pp. 101-109; Paulo Borges, "As coisas
são coisas? Alberto Caeiro e o Zen", Pessoa Plural, n.º 9, Primavera
de 2016, pp. 107-127”.
Vejamos agora as respostas que dei a Luciana Leiderfarb, do
Expresso.
Respostas ao “inquérito” do Expresso
1. Como é que chegou à ideia
de fazer uma biografia de Fernando Pessoa? Foi um convite da editora ou uma proposta
sua?
R: Foi um convite feito há vários anos por Francisco Camacho,
editor do Grupo Leya. Um convite, já agora, para fazer uma "biografia
popular", não académica, acessível a todos. Pessoa merece-o.
2. Quanto demorou a escrevê-la, quanto tempo de preparação e
recolha o trabalho requereu?
R: Pouco mais de dois anos.
3. Tendo saído alguns meses após a versão portuguesa da
biografia de Richard Zenith, e mais de um ano após a versão inglesa original,
como aproveitou esse material? Leu-o? Inspirou-se nele?
R: Claro que li, mas na versão original, em inglês, como procurei
ler o muito que tem sido publicado sobre Fernando Pessoa ao longo de décadas.
Ninguém é dono de Pessoa (e Pessoa, já agora, é sempre muito maior do que os
seus comentadores e biógrafos).
4. Admite
que possa ter sido influenciado pela biografia de Richard Zenith em certas
passagens — como a descrição do primeiro encontro de Maria Madalena com João
Miguel Rosa?
R: Estranho seria que não fosse influenciado por tudo o que li, e
que cito na bibliografia final. Nem percebo, aliás, porque isola essa passagem,
pois basta os leitores compararem o que Zenith escreveu (p. 28, da edição
original, em inglês) e o que eu escrevi (pp. 38-39), para verem que são
completamente diferentes. E que a minha versão desse encontro é, sem falsa
modéstia, muito mais completa e criativa do que a de Zenith.
As
passagens falam por si:
Richard Zenith
(p. 28): "In that same month of January, while running errands, she
boarded one of the open-air, horse-drawn americanos that crisscrossed
Lisbon. Imported from the United States, these streetcars traveled
faster and more smoothly than carriages pulled over uneven,
stone-paved roads. (Motorized streetcars, also imported from America, would
not begin circulating until 1901.) Seated on one of the car's wooden
benches, Maria Madalena watched the storefronts and motley pedestrians slowly
slip past. The genteel classes—whose gloves and stylish hats, including
plumes for women, were indicators of social status—mixed freely on the streets
with the plainly dressed, occasionally barefoot poor. At a certain point
she realized that a man sitting across from her on the americano
was watching her, discreetly but not too: he wanted her to notice
that she was being noticed. She eyed him quickly, veered her
gaze, then eyed him again. He had a broad forehead and full cheeks, a ruddy
complexion, blue eyes, and an English-style moustache, with long whiskers
pulled to each side. He must have made a casual remark to start a conversation,
soon revealing that he was a ship's captain who had sailed all over the world
for the Portuguese navy. How unlike her late husband! She no doubt explained
why she was dressed in black, and he responded with the usual condolences. She
liked the sound of his voice and his polite yet self-confident manners".
João
Pedro George (pp.
38-39): "Em Janeiro de 1894, duas ou três semanas depois de Jorge ter sido
transportado para o cemitério dentro do seu minúsculo caixão, a mãe de Pessoa
conheceu um capitão da Marinha de Guerra, de nome completo João Miguel dos
Santos Rosa. Nascido em Lisboa em 1857, João Miguel Rosa estava na Marinha
Portuguesa desde os 14 anos e já viajara por todo mundo, em comissões de
serviço que o tinham levado a Macau, Angola, Guiné-Bissau, América do Sul, etc.
As fotografias do futuro padrasto de Pessoa dão a entender que seria um homem
imponente e entroncado, com um rosto quadrado, onde sobressaía o bigode de
pontas eriçadas, como o de Guilherme II (o último imperador alemão e Rei da
Prússia, que começara o seu reinado no ano em que nasceu Fernando Pessoa, em
1888, e teria de abdicar no final da I Grande Guerra, em 1918), e mãos grandes,
de dedos compridos e grossos, que inspiravam confiança.
Maria
Madalena conheceu este cavalheiro distinto numa viagem de carro americano (ou
apenas americano), o nome com que em Lisboa, na segunda metade do século XIX,
era conhecido o meio de transporte colectivo, movido por tracção animal sobre
carris, que levava os passageiros de um ponto da cidade a outro (o americano
seria substituído, no século XX, pelo eléctrico).
Começou
por reparar no cavalheiro que, sentado mesmo em frente, olhava para ela, viu
que os olhos dele a seguiam e se mantinham, por vezes, fixos
nela. Durante alguns minutos, estabeleceu-se a dialéctica entre o homem
que espia e a mulher que exibe. Provavelmente, João Rosa queria que aquela
mulher bonita e elegante como uma
escultura de Rodin percebesse que estava a ser observada. 'Quantos dias da minha vida daria para possuir aquela mulher',
seria talvez uma das suas fantasiosas elaborações.
A
escassos centímetros da sua perplexidade, Maria Madalena mudava de posição na
cadeira (sinal de que não pôde evitar certa perturbação em face daquele olhar
masculino), tentando dar a impressão de ser uma mulher orgulhosa, completamente
auto-suficiente no seu mundo interior – o chapéu que levava na cabeça abrigava
toda a mágoa de uma alma já muito experimentada pelo sofrimento –, e terá
intuído aquilo em que ele estava a pensar, inferindo o seu estado de ânimo e
intenções. De repente, sentiu-se de novo a ganhar vida e importância, sentiu-se
uma mulher apetecida, desejada pelo desejo de outro, o que lhe terá causado uma
satisfação evidente.
Gozador
dos efeitos que as palavras gentis (e os seus olhos azuis) produziam nas
mulheres que queria conquistar, João Rosa entabulou conversa com Maria
Madalena, a qual sentiu, de imediato, o rubor subindo-lhe pelas maçãs do rosto.
Ele
disse-lhe que era capitão de um navio — o Liberal, assim se chamava a
embarcação onde trabalhava, pertencente à frota portuguesa da África Oriental —
que atracara em Lisboa em 24 de Dezembro de 1893, vindo de Moçambique, para os
tripulantes gozarem um ano de férias na metrópole. Ela, deixando-se cativar,
explicou-lhe vagarosamente que era viúva e estava de luto, por isso trajava de
negro. No final, combinaram que voltariam a encontrar-se.
Ao
contrário do intelectual Joaquim Seabra Pessoa, seu falecido marido, João Rosa era forte, extrovertido e jovial, um macho possante e
robusto, com aquelas cores de romã que são sinal de saúde."
5. Admite
que o modo como aborda certas passagens é semelhante ao utilizado por Richard
Zenith na sua biografia? Exemplos: Marcos Alves “entra em pânico só de
imaginar uma vagina à sua frente”/ Zenith: “Marcos Alves e o Duque
de Parma, para os quais o simples pensamento de uma vagina causa pânico”.
Ou: “Cabo das Agulhas, onde o Atlântico acaba e o índico começa”. /
Zenith: “(...) Cabo das Agulhas, onde oficialmente o Atlântico termina e o
Índico começa.”
R:
Não. Basta
comparar a escrita e o contexto das mesmas (p. 313/pp. 209-210; p. 61/pp. 52-53). Dizer que “o Cabo das
Agulhas é onde o Atlântico acaba e o Índico começa” é uma verdade de Wikipédia,
uma constatação geográfica banal. "Where the Atlantic officially
ends and the Indian Ocean begins", a mesmíssima frase de Zenith
já tinha sido usada num livro sobre submarinos no Índico, de Lawrence Paterson
(U-Boats in the Indian Ocean, de 2017). Isso faz de Zenith
um plagiador? Que ridículo.
Outro exemplo, para que se perceba
melhor: Na Nova História de Portugal (1999), António do
Carmo Reis diz assim: "Diogo Cão atingiu a foz do rio Zaire e
Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas, no extremo Sul da África onde
o Atlântico termina e o Oceano Índico começa". Repito: Isso faz de Zenith um plagiador? Que ridículo.
Igualmente
ridículo seria fazer este exercício: Zenith diz na sua biografia que
Salazar "era paciente e tenaz", mas Marcello Caetano, antes dele, já
dizia que Salazar "era paciente, cortês e tenaz". Portanto, por esta
ordem de ideias, Zenith está a inspirar-se em Marcello Caetano, no livro Minhas
Memórias de Salazar, de 1977 (obra que Zenith, aliás, não cita na
bibliografia). Será um plagiador, por ter usado as expressões “paciente” e
“tenaz”?
Mas vejamos as
passagens das duas biografias de Pessoa, cuja avaliação deixo ao cuidado dos
leitores:
Pânico
da Vagina
Richard Zenith:
"Pessoa was not pedantic, like some of the café habitués he disparaged in
his writings, but he was pedagogical, as these magazines projects from
1911 demonstrate. He wanted to teach politicians how to behave,
intellectuals what to think, and the Portuguese in general why it was
important to be patriotic. And as a young man he also aspired to be a
sexual moralizer - for motives that arouse suspicion. On the one hand,
Jean Seul takes too much delight in narrating the kinky sexual practices that
his satires are ostensibly condemning. On the other, the tormented
chastity of characters like Marcos Alves and the Duke of Parma, in whom
the mere thought of a vagina strikes panic, makes us wonder whether Pessoa was
using his moral campaign to avoid dealing, in his own life, with sex and
sexuality."
João Pedro George: "Marcos Alves, por sua
vez, descreve os sentimentos e opiniões de uma pobre alma possuída pela
'agoniada tristeza de não ter feito nada´. Romance 'sobre o que sentiria o
Marcos Alves' (como revelou Pessoa num dos seus textos), é um 'cavaqueador
brilhante', 'triunfador das atenções', com 'reputação de blagueur, de
artista', além de virgem e de sentir um medo patológico de mulheres, entrando
em pânico só de imaginar uma vagina à sua frente.
Numa
das chamadas Cartas de Marcos Alves, é o próprio quem nos diz que (...). Mas os dois grandes projectos da empresa
Íbis talvez fossem os dois seguintes jornais antimonárquicos e anticlericais,
com periodicidade quinzenal: O Iconoclasta e O Fósforo. A
intenção destas duas publicações militantes era informar e esclarecer os
militantes republicanos, contribuindo, ao mesmo tempo, para "provocar uma
revolução aqui" (para Pessoa, toda a ordem estabelecida é incapaz
de perdurar se algo ou alguém, paradoxalmente, a não vem perturbar)."
Cabo Agulhas
Richard Zenith:
"The ship passed other rocky promontories before reaching the southernmost
Cape Agulhas, where the Atlantic officially ends and the Indian Ocean
begins".
João
Pedro George:
"Continuando para sul, rodearam o Cabo da Boa Esperança, assim baptizado
por Bartolomeu Dias, o primeiro a conseguir contornar (1488) sem incorrer num
dos habituais naufrágios, que vitimaram centenas ou mesmo milhares de
marinheiros. Mais tarde, em homenagem a este navegador português, Pessoa
escreveria na Mensagem (...). Seguiu-se o Cabo Agulhas, onde o Atlântico acaba e o Índico
começa, com as suas praias de areia fina, depois Porto Elizabeth e East
London".
Bloco de Notas:
Richard Zenith:
"In November 1911, after drawing up an updated list of
old debts and new expenditures in a memo book, he scribbled in large letters,
in English: “Cut & run for clear intellectual life! December to reconstruct life.”
João Pedro George: "Note-se
que, num bloco-notas de Novembro de 1911, depois de fazer uma lista com as
dívidas ainda por saldar (que incluíam empréstimos de dinheiro pedidos a amigos
e conhecidos), Pessoa apontou em maiúsculas e em inglês: 'Cortar e correr para
a vida intelectual clara! Dezembro para reconstruir a vida'".
6. Há alguma razão por
que, tendo citado uma carta de maio de 1911 que Pessoa dirigiu à mãe, não tenha
referido que essa carta faz parte da Coleção de Cartas da Família Pessoa,
atualmente na posse de Richard Zenith, e que só através da biografia dele é que
podia ter dela conhecimento?
R: A descrição dos problemas de dinheiro depois de Pessoa
ter desbaratado a herança da avó Dionísia foi-me relatada por Manuela Nogueira.
A sua filha, Isabel Murteira França, em Fernando Pessoa na Intimidade,
refere que a mãe de Pessoa escrevia semanalmente ao filho e quando não recebia
resposta ficava preocupada e apreensiva. Sobre as cartas familiares há também
várias referências em Manuela Parreira da Silva, Silva, Realidade e
Ficção. Para uma biografia epistolar de Fernando Pessoa, Lisboa, Assírio
& Alvim, 2004.
Em relação a essa carta em concreto, não só nem sequer a
transcrevo como nem sabia que era propriedade de Richard Zenith.
7. A dada altura (págs. 460-463) cita profusamente
cartas de Pessoa, datadas de setembro de 1915. Mas não revela a fonte destas
cartas. Porquê? Quais são?
R: As cartas de Pessoa estão profusamente
editadas em diferentes livros, muitos dos quais cito na minha bibliografia. A
partir do momento em que a citação respeita escrupulosamente o original, e
sendo referidos o dia, o mês e o ano em que as cartas foram escritas, qualquer
leitor pode ir às Cartas a Fernando Pessoa, vol. II, Edições Ática,
1959; a Mário de Sá-Carneiro. Correspondência com Fernando Pessoa:
Agosto 1914-Abril 1916, organizada em 2003, por Teresa Sobral Cunha;
a Correspondência: 1905-1922 (edição de Manuela Parreira da
Silva), Lisboa, Assírio & Alvim, 1999; às Cartas de Mário de
Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, edição de Manuela Parreira da Silva, em
2001. Inclusive, quase todas estas cartas ou excertos das mesmas estão
publicados na Internet. Depois da publicação da minha biografia,
disseram-me que cito duas cartas de Fernando Pessoa que são fictícias e que
foram inventadas por Pedro Eiras. Erradamente, quando as encontrei na Internet
(aqui: https://phala.wordpress.com/2018/03/06/como-se-escrevem-cartas-de-fernando-pessoa/),
tomei-as por verdadeiras. Se me tivesse apercebido disso, naturalmente não as
teria citado. Note-se, ainda, que no site referido antes, as cartas inventadas
por Pedro Eiras são intercaladas com cartas verdadeiras, daí a confusão.
8. Em que sentido é que a biografia que escreveu difere das já
existentes? O que pensa que traz de novo?
R: Procuro levar Pessoa aos leitores comuns, que doutra forma talvez
não tivessem conhecimento da sua biografia. Aquilo em que este livro difere e o
que traz de novo vem do contacto da minha subjectividade com os textos de
Fernando Pessoa. E na forma como me recuso a embarcar em especulações sobre a
sexualidade ou o racismo de Fernando Pessoa. A suposta homossexualidade de
Pessoa é uma questão bizarra, que já foi amplamente discutida e, até, rejeitada
pela família. Há cartas de Pessoa para Ofélia reveladora do desejo sexual do
poeta pela namorada. João Gaspar Simões, Jorge de Sena, José Carlos Barcellos, Mario
Cesar Lugarinho, Fernando Arenas, Susan Quinlan e outros dedicaram-se a
especular sobre a homossexualidade de Pessoa e nenhum trouxe nada de novo
quanto a isso. Também José Paulo Cavalcanti insiste nesta ideia, considerando
que Fernando Pessoa escondia a sua homossexualidade. Vai inclusive ao ponto de
afirmar que Antonio Botto teria contado a Jorge de Sena que Fernando Pessoa
"olhava de certa maneira para os rapazinhos". Isto é, apenas,
ridículo.
9. Depois da publicação de O Super-Camões, descobriu
erros que pretenda ver corrigidos no futuro?
R: O livro tem certamente alguns erros
e gralhas, como todos os trabalhos que envolvem uma gigantesca massa de
informação. Um erro que me foi apontado por Miguel Freitas da Costa, familiar
de Fernando Pessoa, foi numa página ter chamado Mário Freitas da Costa e não
Mário Nogueira de Freitas ao primo direito de Pessoa. Felizmente, isso acontece
apenas uma vez. Descobri também que, por lapso, já cometido por outros, quando, numa das vezes em que me refiro a José Pacheco, autor da capa do nº 1 da Orfeu, cito-o como José Coelho Pacheco. Mas isso, também felizmente, só acontece uma vez, nas outras cito-o correctamente.
10. Está prevista uma nova
edição de “O Super-Camões”? Se sim, para quando?
R: Não faço ideia. Terá de perguntar à
editora. Mas, pelo que sei, a biografia está a chegar a muita gente, cumprindo
o seu objectivo de democratizar Pessoa e de mostrar que Pessoa não é nem tem de
ser uma coutada de académicos ou eruditos nas suas torres de marfim.
Conclusão
Em
1935, Fernando Pessoa foi acusado de plagiar uma quadra de António Correia de
Oliveira. Tratava-se, nada mais, nada menos, de dois dos versos mais conhecidos
de Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal | São lágrimas de Portugal!”.
Estes versos, como todos sabem, pertencem ao livro de poemas Mensagem,
de 1934.
Em
1902, no seu livro Cantigas, Correia de Oliveira escrevera: “Ó ondas do
mar salgado,/D’onde vos vem tanto sal?/Vem das lágrimas choradas/Nas praias de
Portugal.”
Por
causa disto, Pessoa foi acusado de plágio nas páginas do jornal Fradique
(onde Pessoa colaborara), dirigido por Tomás Ribeiro Colaço, com quem o poeta
da Mensagem trocara antes correspondência.
Depois
de ter sido acusado de plágio, nas suas notas, Pessoa descreveu Tomás Ribeiro Colaço
como um homem “de vaidade patológica” e um "invejoso". Segundo José
Barreto, em "Mar Salgado: Fernando Pessoa perante uma acusação de
plágio" (Pessoa Plural, n.º 3, 2013), "Pessoa falava da inveja
de Colaço em relação com o impacto junto do grande público que o artigo
'Associações Secretas' alcançara, algo que o director do Fradique,
embora esforçando-se muito, nunca teria conseguido".
Ainda
segundo Barreto, Pessoa estava talvez convencido de que "a denúncia de
plágio divulgada no Fradique tinha uma motivação política, na sequência
do seu artigo 'Associações Secretas', publicado no Diário de Lisboa de 4
de Fevereiro desse ano, que causou sensação pela sua defesa da Maçonaria e
desencadeou reacções escandalizadas nos arraiais dos apoiantes do regime de
Salazar".
Deixo
aos leitores a avaliação sobre as semelhanças entre esta história e o frete que
o jornal Expresso fez a Richard Zenith. Exponho apenas uma dúvida: se
fosse vivo em 1935, qual a posição de Zenith sobre este suposto plágio de
Fernando Pessoa?
João Pedro George
P.S. – só um pormenor,
entre muitos, que demonstra a diferença entre o trabalho de Zenith e o meu e,
mais ainda, que a sua biografia de Pessoa, com pretensões a “esmagadora” e
“definitiva”, não está isenta de errros, falhas, omissões.
Diz Zenith sobre a existência de um telefone em casa de Fernando
Pessoa: "Nem nunca o instalou na casa da Rua Coelho da Rocha, como se
defende algumas páginas à frente".
Digo eu: "No apartamento do lado
esquerdo viviam duas senhoras da família Sena Pereira, sempre vestidas de
preto, que já tinham telefone em casa (aparelho que o poeta utilizava para
fazer e atender telefonemas, pois as Sena Pereira não se importavam que o
vizinho se servisse dele). (...) Preferia os telefonemas, que lhe ocupavam
menos tempo, tanto que, no ano seguinte, mandou instalar um telefone na casa da
Rua Coelho da Rocha (antes, Pessoa usava as cabines telefónicas e o aparelho
das vizinhas do lado)".
Ora, esta informação foi-me
transmitida pela sobrinha de Pessoa, Manuela Nogueira, em Novembro de 2021,
como se pode verificar por este excerto da entrevista que lhe fiz:
"P- E o resto do prédio?
MN-
No 1.º esquerdo, ao nosso lado, viviam umas senhoras que eram da família Sena
Pereira. Estou a vê-las vestidas de preto. Deviam ser muito mais novas do que
eu sou agora, mas como eu era muito pequena, pareciam-me muito velhas.
P-
E o Pessoa dava-se com elas?
MN-
Elas tiveram telefone mais cedo que na nossa casa, então nós servíamo-nos do
telefone das Sena Pereira. Isso eu lembro-me, íamos lá.
P-
O Pessoa também ia lá falar ao telefone?
MN-
Sim, sim. Depois, entretanto, tivemos telefone também."
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