Uma
História de Extremos – Do colapso da Idade do Bronze aos quase acidentes
nucleares, por Dan Carlin, Temas e Debates – Círculo de Leitores,
2022, é um ensaio com uma abordagem peculiar sobre mentalidades, o poder das
armas, o que ainda pouco se sabe sobre colapsos de civilizações, até ao nosso
tempo em que pontifica o termonuclear, quem o usar desencadeará o Armagedão,
que não subsistam dúvidas.
Mesmo
vivendo em tempos que assentam em evidências científicas e rigor
historiográfico, continuam a existir perguntas irrespondíveis. Cada degrau em
que evoluíram as civilizações corresponderam a saltos tecnológicos, foi assim
com o sílex (pedreneira), os metais, os sucessivos armamentos bélicos até se
chegar ao equilíbrio pelo terror – etapas cada vez mais velozes, há 20 anos
ninguém falava na inteligência artificial e em 1970 era impensável a
digitalização. O poder das armas foi marcado pela subjugação de povos,
aniquilamentos, destruição de património construído. Também não se pode
acompanhar as etapas da civilização sem o processo cultural concomitante.
“Bater nas crianças foi uma forma comum de disciplina desde os primeiros dias
da história da humanidade até tempos relativamente recentes.” A literatura está
pejada de exemplos de castigos corporais, chicotes, palmatórias, tudo o mais
que se sabe. “Uma prática comum durante muita da história da humanidade era dar
às crianças aguardente ou ópio para aliviar a dor de dentes ou as ajudar a
dormir. Ainda na década de 1960, não era invulgar que um médico prescrevesse
medicação para as crianças dormirem, ou que os pais esfregassem uísque nas suas
gengivas.” Como no passado era a coisa mais natural do mundo os pais levarem as
crianças às execuções públicas. O que nos leva a refletir sobre aquilo que
chamamos progresso, e é neste quadro de interpelações que o autor nos põe a
refletir sobre o colapso da Idade do Bronze, uma transformação comparável à queda
do Império Romano do Ocidente. Por que se deu o colapso é mistério insondável,
os investigadores especulam se ouve fomes, alterações da natureza, pestes,
invasões. E podemos transferir este enigma do porquê do colapso para as
civilizações do Crescente Fértil ou o fim da civilização egípcia. É facto que
se falava no Crescente Fértil onde hoje estão desertos, mas podemos extrapolar
para os celeiros do Norte de África hoje transformados em campos de areia ou
terras infecundas. É aliciante o modo como Dan Carlin põe todos estes suspeitos
alinhados, a verdade é que não há documentos como aqueles que ficaram para dar
uma explicação elucidativa da queda do Império Romano do Ocidente.
O
autor veio um pouco atrás nesta Antiguidade Oriental, nas civilizações banhadas
pelo Mediterrâneo, fala no declínio da Assíria e a destruição da Babilónia,
sabe-se no caso da Assíria que os elamitas (que ocupavam o que é agora o Irão
Ocidental) organizaram uma força que atacou Assíria, fizeram um tipo de
coligação como as que existem hoje e destruíram Nínive. Inevitavelmente, o
autor dirige a sua atenção para Roma e estabelece uma ponte para os séculos
seguintes, com a chegada dos merovíngios e dos francos até Carlos Magno que um
Papa sagrou no dia de Natal de 800, renascia a ideia de império com o Sacro
Império Romano do Ocidente, lançava-se o pilar da civilização medieval
associada ao cristianismo.
Mas
há fatores espúrios que fazem vergar as civilizações, recorda-se a Peste Negra,
que dizimou aos milhões. Roma parecia um poder absoluto até que foi contestada,
grassava a corrupção, o clero desmanda-se em abusos e em excessos, assim nasce
o protestantismo, recrudescem as intolerâncias no campo religioso, mas o autor
regressa às pestes e epidemias para nos dizer aquilo que já confirmámos em
2020: não estamos a salvo de uma inesperada pandemia, ela poderá percorrer o
mundo inteiro mesmo antes dos especialistas perceberem que existe um problema e
que precisa de um antídoto.
Duas
bombas atómicas lançadas no Japão, em agosto de 1945, abriram as portas à era
nuclear, a partir daí passou-se a falar na bomba de hidrogénio, na bomba de
neutrões e o arsenal termonuclear hoje existente, a ser usado, fragmentará em
pedacinhos este planeta. Dan Carlin vai fazendo referência à evolução das armas
mortíferas, como aquelas que ceifaram vidas nos combates da Primeira Guerra
Mundial. Qualquer relato das pessoas que escaparam às bombas de Hiroxima e
Nagasaki põe-nos os cabelos de pé, desde seres vivos a soltar-se-lhe a pele
àqueles que vão sufocando na atmosfera tóxica dentro do alcatrão derretido. É
verdade que temos estado quase à beira de entrar numa guerra termonuclear,
basta pensar na crise dos mísseis em Cuba, em 1962, isto para já não falar no
bloqueio de Berlin, em 1949, em que apenas os norte-americanos podiam ter usado
armas atómicas. Hoje o clube nuclear tem tendência a aumentar, não está
circunscrito aos EUA, Rússia e China, França e Reino Unido, alargou-se à Índia
e ao Paquistão, Israel e Coreia do Norte.
Vivemos,
pois, num equilíbrio de terror e o mais irónico de tudo é que pessoas que
preparam o caminho para esta realidade esperavam que os seus esforços
conduzissem a melhores desfechos. O autor recorda Alfred Nobel, negociante de
armas e inventor da dinamite, que acreditava que “no dia em que dois corpos
militares se conseguirem aniquilar mutuamente num segundo, todas as nações
civilizadas por certo recuarão de horror e desmobilizarão as suas tropas”. E há
depois a contabilidade sobre o lançamento das bombas atómicas sobre o Japão que
custaram mais de 200 mil vidas japonesas, mas que, alega-se, salvaram
potencialmente as vidas de 1 milhão de soldados que podiam ter perecido, se
tivesse sido necessária uma invasão terrestre do Japão. As regras do jogo
bélico são complexas e mesmo contraditórias. O que é ponto assente é que pelos
nossos padrões atuais a ética da Guerra Total não tem qualquer viabilidade,
isto a despeito de alguma gritaria que se ouve a dirigentes de Moscovo.
Uma
das virtualidades do nosso tempo é termos de viver com várias espécies de
ameaças à humanidade e, por ironia, até se pode encontrar utilidade numa dessas
bombas desenvolvidas para matar milhões, se, hipótese de ficção científica, um
asteroide que estivesse talvez em milhões de anos em rota para colidir com a
Terra e matar toda a civilização acabasse por ser desviado do seu curso no
último minuto por uso oportuno de uma arma nuclear.
Há
perguntas irrespondíveis, mas Dan Carlin formula-as com enorme pertinência
nesta curiosíssima narrativa que dá pelo nome de Uma História de Extremos,
onde se deixa bem claro que este planeta, provado está, sempre esteve à beira
da condenação. Uma narrativa de qualidade cuja leitura se recomenda.
Mário Beja Santos
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