quinta-feira, 18 de junho de 2015




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 6 - CAB CALLOWAY

 

 
Na autobiografia de Cab Calloway há também aquele inevitável momento de matizes bíblicos em que das docas de Nova Jérsia contempla pela primeira vez a silhueta evanescente de Nova Iorque recortada à contraluz do pôr-do-sol, enquanto aguarda o ferry que o transportasse, mais aos seus Alabamians. Aliciados por Chick Webb iam avassalar a Terra Prometida apresentando-se no soberbo Savoy Ballroom.
Porém, a confiança que traziam desbaratou-se logo nas primeiras núpcias. Coubera à banda de Calloway – radioso no seu smoking branco, dirigindo-a com uma batuta ainda mais branca – alternar com a de Cecil Scott. Se em Chicago os pés dos noctívagos jubilavam nas delícias do previsível dixieland dos Alabamians, em Nova Iorque esse estilo musical esvaziava a pista de dança do Savoy, ampla o suficiente para os quase cem pares que saltitavam à roda do swing de Scott. O fiasco foi coroado pela notificação da gerência, emitida na própria noite de estreia: cumprir-se-ia o contrato de 15 dias, de modo que não houvesse lugar a indemnização, mas depois que fossem à vida.  
Bem avisara Cab Calloway os parceiros que os tempos mudam com os lugares e que em Nova Iorque o jazz ganhara outro figurino, talhado por Fletcher Henderson e cerzido por Duke Ellington – o swing. Não o quiseram ouvir e constrangeram-no a uma música chata e provinciana; pois regressassem a penates a Chicago; ele ficava, ciente das oportunidades de oiro que a época lhe oferecia. Estava-se em Novembro de 1929, um mês depois do histórico craque da bolsa. Das janelas dos escritórios de Wall Street projectavam-se os capitalistas mais honrados ou envergonhados, penhorando a falência com a vida e nas ruas a proporção de desempregados ia suplantando a de assalariados. Em resumo, o tempo era mais do que nunca propício ao jazz, pois é um dado histórico insofismável que nas crises fertilizam, como em nenhuma outra conjuntura, o entretenimento e a diversão.
Bastaria não mais do que um ano de aplicação e progresso para que Cab Calloway fosse convidado a preencher, com a sua nova orquestra, a vacatura de Duke Ellington no selectíssimo Cotton Club, enquanto este ia em digressão. A seguir, em 1931 escreve a composição que haveria de o amarrar até ao fim: “Minnie the Moucher”. Em 1934, decidido a não ceder a primazia que gozava entre as orquestras mais populares, Calloway segregou do swing um subgénero que o vocativo popular apodou de jive e na rádio se afidalgou com a graça de jitterburg. Ou seja, enquanto a América ameaçava desmoronar nas suas bases económicas, Cab Calloway ascendeu da obscuridade à consagração no hiato de cinco anos.
 
 
This Is Hep
2008
Proper - 141
Cab Calloway (maestro, voz), Doc Cheatham (trompete), Wendell Culley (trompete), Lammar Wright, Jr. (trompete), Jerry Blake (clarinet), Garvin Bushell (clarinete), Earl Hardy (trombone), Chu Berry (saxofone tenor), Al Gibson (saxofone tenor), Ben Webster (saxophone tenor), Ike Quebec (saxophone tenor), Milt Hinton (contrabaixo), Cozy Cole (bateria), etc.
 
A letra de “Minnie the Moucher” seria um caso de polícia, não estivessem as autoridades, à época, tão distraídas ou relaxadas (o que viria a acabar, por exemplo no cinema, com o Código Hays de 1930), ou incapazes de penetrar o significado de um calão em que “cockey”, tal como é descrita a personagem de Smokey na canção, significava consumidor de cocaína e em que “kicking the gong around" queria dizer fumador de ópio. Por outro lado os versos de “Scat Song” são de um absurdo surrealizante, com um scat de sílabas meramente eufónicas: “sing this silly language / whithout any reason or rhyme.” Para interpretar estes “disparates” Cab Calloway extrapolava do “jungle style” de Ellington um registo histriónico e literalmente descabelado, a resvalar para o grotesco, exagerando os tremolos e as guturalizações.
À tepidez da normatividade social contemporânea a pose e o teor de Cab Calloway e da sua música fariam escândalo. Um negro a desenvolver e devolver a ilustração do selvagem, temerariamente a brincar aos macacos, descomedindo-se em referências rascas num consumado e eufórico mau-gosto, vexando a sua música com um carnaval de efeitos “malucos” a puxar à gargalhada, tudo isto nos dias politicamente correctos de hoje seria reprovável senão ofensivo. Apesar desta difícil digestão, Cab Calloway transitou para o foro da cultura – quantas vezes um pudim que empastela e nivela a arte – pelo tubo da história, recolhido como peça de museu insólita e anacrónica. Será talvez mais admirado do que estimado, mas seria uma pena que por credo ou preconceito fosse subestimado o fulgor da sua música descomedida e desconformada, sem medo do ridículo nem do espalhafato – é só experimentá-la.
 
 
 
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 
 

2 comentários:

  1. Não gosto de jazz de orquestra.
    Por isso não tenho nenhum deste.
    Vou entretanto colocar uma pequena surpresa, onde ele está de tabela.

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  2. Um filme:Cotton Club.Pois ,mas começou assim em orquestra.

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