impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 16 - ART
TATUM
Mãos? Quais mãos… Asas!, pois eram como
penas os dedos de Art Tatum a roçagarem o marfim do piano. E assim desde
sempre, pelo menos desde a noite de 1926 ou 27 em que Fletcher Henderson o
ouviu num clube manhoso de Toledo, Ohio.
Emulada pelo triunfo de Louis Armstrong
na telefonia nacional, na década de 20 do século passado a nova classe média
negra de operários do rustbelt do
Nordeste americano blasonava o jazz com orgulho e recognição. Não havia urbe ou
localidade sem a sua ruela de bares nocturnos com música ao vivo, não havia
clube sem o seu artista residente, cada qual acalentando o sonho de ser
descoberto e dar o pulo para as ribaltas de Chicago ou Nova Iorque. Art Tatum
haveria de pertencer ao punhado de rapazes que cumpriria o seu destino musical:
um ouvido quase perfeito e uma impressionante destreza suplantaram qualquer
inconveniente causado pela trágica cegueira e pela obstinada modéstia.
De Art Tatum proliferaram anedotas; um
amigo exaltava o apuro do seu ouvido asseverando que ele era capaz de
distinguir em que clave soava um autoclismo a descarregar; Charlie Parker
confessou que se meteu a aprendiz de cozinha num bar em que Tatum actuava para
absorver as suas excursões harmónicas; Coleman Hawkins reconheceu dever-lhe a
consolidação do seu estilo no saxofone; e correu que uma noite Fats Waller
(ninguém menos que Fats Waller!) interrompeu um concerto em que maravilhava o
público ao ver Art Tatum, exclamando: “God is in the house tonigh!”
Pouco dado à composição e ainda menos à
melodia, Art Tatum extrapolava de um standard, por exemplo, uma cascata
vertiginosa de formas e fórmulas, torcendo o tema original como se quisesse
enxugar-lhe todas as possibilidades harmónicas. As suas interpretações evoluíam
por paráfrases: o conjunto de compassos que vinham a seguir laboravam sobre as
pontas soltas dos compassos anteriores. Ninguém se queixou de Art Tatum ter
abandonado o swing em tudo que tocava, só assim não se pode acusá-lo de
desenvolver uma música ornamental e maneirista.
Mas como todos os mitos têm um lado
contrário, ao qual se costuma chamar de “realidade”, Art Tatum foi sobretudo um
músico de músicos, por eles venerado (outra lenda reza que o pianista clássico
Horowitz o escutava com atenção), porém o seu acolhimento junto do público era bastante
inferior a tal estatuto. É habitual que entre os leigos o génio seja admirado
mais do que amado, dado que há nele qualquer coisa de inacessível a dificultar
a identificação. Ao erguer a sua torre de marfim à margem das tendências do
jazz por que passou, resulta natural que também a popularidade não tenha
acompanhado Art Tatum.
Tatum
Group Masterpieces, Volume Eight
1954 (2006)
Jvc Victor - 41668
Art Tatum (piano), Ben Webster (saxophone alto), Red
Callender (contrabaixo), Bill Douglass (bateria).
Perto do inesperado final da vida do
pianista o produtor Norman Granz propôs-lhe duas maratonas de gravações em que
dialogaria à vez com eminências do jazz, talvez os únicos músicos
suficientemente destemidos para lhe retorquirem criativamente.
Alguns destes encontros foram cerimoniosos
(por exemplo com Roy Eldridge) como se estivessem a tirar as medidas ou não se
quisessem ofender, mas outros ocasionam um equilíbrio cristalino entre as duas
vozes desinibidas e férteis, por exemplo com o saxofonista tenor Ben Webster.
Os dois magistrais entenderam-se pelo contraste. Pertence à grandeza do jazz
conseguir proceder, por vezes, sem necessidade de conclusões ou vitórias de uma
parte sobre a outra – concordar que se discorda é também uma boa forma de
conversar. Lá vai, então, Tatum a discorrer e divagar em volteios harmónicos,
ao passo que Webster distende as linhas melódicas à sua maneira lírica e
rigorosa. Um ilumina o outro, obriga-o à clareza do fraseado, organiza-lhe os
argumentos estilísticos, atitude só ao alcance de gente muito segura de si.
À época as sessões foram editadas
desirmanadamente pela Verve, depois da morte de Tatum em 1956. Só nos anos 70
Normam Granz readquiriu os direitos e reeditou tudo num conjunto de oito discos
a que deu o título de “The Tatum Group Masterpieces”. Da obra que Art Tatum
produzira esta terá sido a sua mais perdurável herança.
José Navarro de Andrade
Tenho algumas coisas dele, incluindo o disco aqui mostrado.
ResponderEliminarVou colocar um duplo, para quem não o conhece apanha logo com uma dose suficiente para querer continuar a conhecer.
Dose dupla nem é demais. Obrigado.
EliminarInfelizmente só tenho um dos oito mas vou seguramente tentar arranjar os outros sete.O episódio com o Horowitz eu julgava com o Arthur Rubistein.Se calhar os dois.
ResponderEliminarLi-o no texto que Gary Giddins lhe dedica em "Visions of Jazz". Ele deu-se ao trabalho de telefonar ao agente de Horowitz a perguntar se confirmava a lenda de que haviam tocado juntos, donde lhe responderam, em comunicado: "Mr. Horowitz says he didn't really know Mr. Tatum, but had great respect for him."
EliminarValeu.Afinal tenho o sétimo desta série .
ResponderEliminar