impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 25 - BUD
POWELL
Fotografia de Robert James
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O jazz como genuína tragédia? Bud Powell
é o exemplo perfeito. Para se apresentar em estúdio no dia 23 de Fevereiro de
1949, o pianista implorou ao hospital psiquiátrico onde há 15 meses fora internado
contra-vontade, que lhe dessem um dia de soltura, com a promessa de estar de
volta à hora do jantar. Semanas antes haviam-lhe concedido autorização para
ensaiar no desafinado piano da enfermaria, na condição de dar um recital de
beneficência.
O resultado da gravação – com Ray Brown
no contrabaixo e Max Roach na bateria, melhores companheiros não poderia haver
– é apropriadamente considerado de histórico. Sabendo das trevas emocionais
donde aflorou, o tema “Celia”, por exemplo, nas suas oscilações entre
melancolia e urgência, na inquieta e precária alegria que desprende, ganha uma
doutro modo velada qualidade comovente.
Duas
vezes Bud Powell se envolvera, embriagado, em brigas, duas vezes fora atingido
na cabeça e em ambas de tal modo estrebuchou contra a polícia, que esta achou
melhor acalmá-lo com internamento psiquiátrico. Nos escassíssimos registos
clínicos que se conhecem, os médicos não hesitaram em diagnosticar como mania
da perseguição os protestos de Powell contra o racismo a que o sujeitavam. O álcool,
isto sabia-se, endiabrava-lhe o juízo, mais do que o vulgar. Mas – e agora
ver-se-á melhor dando dois passos atrás – singrava para o final a sofrida
década de 40, Bud Powell era negro e insubmisso, uma conjunção alarmante para o
siso da época, e a confraria do bebop, com a qual ele afinava, salientava-se
como uma notória súcia de intoxicados. A terapia recomendada para o surto de
instabilidades mentais nesse pós-guerra (faltariam umas décadas para se
“descobrir” o stress traumático) era curta e grossa: uma descarga eléctrica
aplicada nas têmporas operava milagres no comportamento dos pacientes. Deste
tratamento Powell nunca recuperaria e degradou-lhe a existência até ao fim,
resumida a 41 anos.
Jazz
Giant
1956 (2004)
Verve - UCCV-9165
Bud Powell (piano), Ray Brown, Curley Russell
(contrabaixo), Max Roach (bateria)
Quando Powell apareceu no Minton’s o
banco do piano parecia já ocupado por Thelonious Monk. Mas a influência do
Grande Taciturno era bem maior do que a sua efectiva participação no bebop e,
em abono dos factos, refira-se ter sido ele mesmo quem convidou Powell a
integrar-se no género. A intuição de Monk provou-o, mais uma vez, como genial,
se ele rendilhava puzzles harmónicos que deixavam os músicos a coçar a cabeça
de estupefacção, preferindo, por isso, isolar-se ao fim da noite, depois de
terem terminado os sets, a experimentar umas linhas que só ele sabia que
destino seguiam, já Bud Powell mostrava o condão de transitar, no espaço de um
par de compassos, de umas trevas de lua nova para uma sucessão de acordes
solares como alguém que se vê subitamente livre. Isto, e uma técnica formidável
– um dos raros capazes de acelerar sobre a partitura de “Cherokee” dir-se-ia
que até próximo da barreira do som – garantiram-lhe acolhimento e estatuto no
selectoclube dos pioneiros do bebop.
A memória de Bud Powell é hoje quase tão
precária como foi a sua vida. No início dos anos 90, no dealbar do CD, cada
editora por onde ele passou (Verve, Blue Note e RCA) lançou caixas com as
gravações completas. Encontrá-las agora, sobretudo na Europa, não é evidente.
Imperecível continua “Jazz Giant”, obra que lhe deu vulto, precisamente a que
proveio da sessão do dia 23 de Fevereiro de 1949. É pena que nela não conste o
tema emblemático (inclusive pelo título) de Powell, “Un Poco Loco” – não se
pode ter tudo...
José Navarro de Andrade
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