quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Iconografia Beethoven.

 







Preparava-me para apreciar lado a lado o Beethoven-action-man que me saiu ao caminho numa montra de um lugarejo remoto (boneco 1), e a mais icónica representação do compositor (boneco 2), quando com dou de caras com a extraordinária história deste último retrato – a história do artefacto, mais do que a da pintura.

 




Por extraordinário que seja o retrato e a sua história – se me é ainda permitido o à parte –, não obsta a que continue a ser bem-vindo aquele refrescamento da representação de Beethoven mais condizente com o século 21. A série de 4 gravuras que Andy Warhol extraíra em 1987 (boneco 3), qual lata de sopa Campbell, da pintura de 1820, resulta já, convenhamos, um nadinha século 20. Seja como for, nem o Beethov-man nem o Beethov-série apoucam um pedacinho sequer da obra, incluindo a sinfónica.

 

Em duas pinceladas, eis parte da história do artefacto -- ainda que a pintura, da autoria de Joseph Karl Stieler, tenha também ela que se lhe diga. Consta ser este o único retrato para que Beethoven acedeu posar em vida. Antoine Brentano, um dos membros do casal que patrocinou a obra, teria inspirado a Beethoven uma fervorosa paixão e, pelos vistos, uma inusitada paciência.

 

Mesmo assim, o arrebatado retratado não aguentou mais do que 4 sessões de pose, distribuídas ao longo de três meses. As mãos que na pintura seguram o manuscrito da Missa Solene já não são as que a compuseram, mas as que saíram da memória do pintor. Já aqui se aludiu à quase cómica intolerância do músico perante o que o aborrecia. De maneira que no retrato tanto podemos imaginar, como muitos, desprender-se do fundo florestal a força da natureza que ele próprio encarnava – ou do fundo de plantas o amor que lhes tinha –, como a impetuosa vontade de mandar tudo aquilo às malvas e voltar quanto antes para o piano, subito.

 

Mas seria bem mais atribulada a história do artefacto material, pelo menos a partir do momento em que entrou na posse de Henri Hinrichsen, um respeitado membro da comunidade judaica de Leipzig, e se tornou um alvo de eleição da gigantesca apropriação Nazi de obras de arte. O quadro foi um dos objetos do saque nazi na Noite de Cristal, a que se seguiria o confisco e arianização da editora musical de que Hinrichsen era proprietário, acabando na morte do próprio nas câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau.

 

Finda a guerra, e após novo confisco – desta feita pelo Exército Vermelho – o retrato foi reavido pelo filho Hinrichsen, em Nova Iorque, através de intensa negociação.

 

E voltaria agora a atravessar o Atlântico para aterrar na casa onde Beethoven nasceu, em Bona, onde se encontra exposto.

 

Manuela Ivone Cunha







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