A Manuela S. é mesmo uma condessa
descalça. Os seus pés já palmilharam muitos litorais do seu amado Alentejo, na
companhia de um cão. É uma espécie de versão trekking das viagens com o Charlie, de saborosa
memória (quem não leu, não sabe o que perdeu). A Manuela voltou há tempos ao seu
país, visitei-a em Ravenna o ano passado, em jantar memorável e exquis no melhor restaurante da cidade (grazie). Este ano foi complicado para
todos, para a Manuela em especial, com a Matilde a viver em Milão, grande
aflição. Tudo se compôs, como sempre acontece às pessoas genuinamente boas. E
prosseguiu a tara, dela e minha, pelos elefantes. Da Manuela tenho recebido
imagens e histórias de elefantes e rinocerontes dos sítios mais incríveis e
recônditos de Itália inteira, sítios a que nunca fui – e acreditem que,
modéstia à parte, é terra que conheço como poucas.
Agora reciproco, a partir de
Corfu.
A Igreja de Antivouniotissa (melhor
dito, a Igreja de Santa Mãe de Deus de Antivouniotissa), belíssima, alberga hoje
um assombroso museu de ícones, o melhor da ilha (há outro, na Fortaleza Velha,
mas é mais pequeno e inexpressivo). Tudo doação de quatro famílias,
os Mylonopoulos, os Alamanos,
os Rizikaris e os Skarpas, que se desfizeram dos tesouros
pós-bizantinos que tinham em suas casas para usufruto público, obrigado. Não há
espaço nem tempo nem paciência vossa para falar aqui dos ícones fulgurantes,
até porque o tema é paquidermes. Directo ao assunto: no interior do templo,
sumptuoso, com vista para a baía, vi-me rodeado de elefantes, ainda que
escondidos pela penumbra do lugar e pelo negrume das telas, circunspectas e
austeras.
(esta foi tirada da Net) |
O
catálogo da igreja-museu, portentoso e opulento, da autoria de Stamatios T.
Chondrogiannis (Tessalónica, 2010), informa que são cenas do Antigo Testamento,
pintadas em 1699 por Konstantinos Kontarinis. Os painéis, de grande dimensão
(164 cm X 133 cm), estão assinados e datados, aliás. E não é preciso grande
ciência para perceber que os elefantes surgem na tela alusiva à criação do mundo
e episódios subsequentes de Adão e Eva e expulsão do paraíso e por aí fora.
Estive muito tempo a contemplar aquilo, embriagado pela figura de Eva,
originalíssima, musculada e masculinizada. Além de elefantes há outros bichos
raros, pois claro, como leões, ursos, cobras e camelos (estes, dentro e fora da tela).
Ficam,
portanto, os elefantes de Antivouniotissa à vossa guarda, mas, atenção!, são todinhos inteirinhos de e para a Manuela S., em recordação
de 2020, the year of living dangerously, como diz o filme, ou o
ano em que estivemos em parte nenhuma, como reza o livro.
Para
Manuela S.
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