Há exactamente 450 anos, neste mesmo
dia, morreu Damião de Góis em Alenquer. Ou então morreu há 452 anos, também a
30 de Janeiro, numa cela do Mosteiro da Batalha. Não se sabe ao certo.
Já sobre a vida dele sabe-se muito.
Mas por péssimos motivos: é que este intelectual português foi obrigado a
relatar a sua vida em detalhe perante a Inquisição. Não uma, mas duas vezes. E
em ambas foi condenado.
O que fez ele para merecer o castigo
do Santo Ofício? Deu-se com algumas das principais figuras do humanismo cristão
(Erasmo e Thomas More, entre outros) e do protestantismo (Lutero e muitos
mais), defendeu os cristãos coptas da Etiópia, quis uma Igreja que acolhesse as
diferentes práticas do cristianismo. Numa época de Reforma e Contra-Reforma,
com Portugal tão alinhado que até uma Inquisição tinha para punir os hereges, a
tolerância de Damião de Góis não foi propriamente bem-vinda.
A sua abertura a todos os crentes da
“verdadeira fé” não o salvou da Inquisição (muito pelo contrário). Nem os seus
escritos elogiosos da expansão marítima e cristã o salvaram. Nem o facto de
pertencer à alta aristocracia portuguesa. Nem os muitos anos como diplomata e
secretário da feitoria portuguesa em Antuérpia. Nem o cargo de guarda-mor da
Torre do Tombo. Nem a encomenda régia de uma crónica sobre Dom Manuel – nada
disso o salvou da Santa Sé. Quando muito, salvou-o de ser executado. Mas não o
salvou de viver boa parte dos seus últimos 30 anos quer na prisão, quer a
defender-se no tribunal da Igreja, quer a receá-lo.
Que contraste, que imenso contraste
entre esses últimos 30 anos num Portugal tão negro e os 20 anos anteriores de
trocas comerciais e intelectuais em Antuérpia, estudos universitários em
Louvain e Padova, muitos manuscritos publicados, meses a viver com Erasmo e a
debater com outras das mentes mais brilhantes do seu tempo entre Bélgica,
Holanda, França, Alemanha, Rússia e Itália!
É precisamente para lembrar esse
contraste entre escuridão e luz que existe hoje, na terra natal deste humanista
(um dos poucos da história de Portugal), um Museu de Damião de Góis e das
Vítimas da Inquisição. É pequeno, mas bem pungente, esse museu situado na Calçada
Damião de Góis, em Alenquer.
Rui Passos Rocha
Sem comentários:
Enviar um comentário