terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Damião de Góis.

 



 

Há exactamente 450 anos, neste mesmo dia, morreu Damião de Góis em Alenquer. Ou então morreu há 452 anos, também a 30 de Janeiro, numa cela do Mosteiro da Batalha. Não se sabe ao certo.  

Já sobre a vida dele sabe-se muito. Mas por péssimos motivos: é que este intelectual português foi obrigado a relatar a sua vida em detalhe perante a Inquisição. Não uma, mas duas vezes. E em ambas foi condenado. 

O que fez ele para merecer o castigo do Santo Ofício? Deu-se com algumas das principais figuras do humanismo cristão (Erasmo e Thomas More, entre outros) e do protestantismo (Lutero e muitos mais), defendeu os cristãos coptas da Etiópia, quis uma Igreja que acolhesse as diferentes práticas do cristianismo. Numa época de Reforma e Contra-Reforma, com Portugal tão alinhado que até uma Inquisição tinha para punir os hereges, a tolerância de Damião de Góis não foi propriamente bem-vinda. 

A sua abertura a todos os crentes da “verdadeira fé” não o salvou da Inquisição (muito pelo contrário). Nem os seus escritos elogiosos da expansão marítima e cristã o salvaram. Nem o facto de pertencer à alta aristocracia portuguesa. Nem os muitos anos como diplomata e secretário da feitoria portuguesa em Antuérpia. Nem o cargo de guarda-mor da Torre do Tombo. Nem a encomenda régia de uma crónica sobre Dom Manuel – nada disso o salvou da Santa Sé. Quando muito, salvou-o de ser executado. Mas não o salvou de viver boa parte dos seus últimos 30 anos quer na prisão, quer a defender-se no tribunal da Igreja, quer a receá-lo. 

Que contraste, que imenso contraste entre esses últimos 30 anos num Portugal tão negro e os 20 anos anteriores de trocas comerciais e intelectuais em Antuérpia, estudos universitários em Louvain e Padova, muitos manuscritos publicados, meses a viver com Erasmo e a debater com outras das mentes mais brilhantes do seu tempo entre Bélgica, Holanda, França, Alemanha, Rússia e Itália! 

É precisamente para lembrar esse contraste entre escuridão e luz que existe hoje, na terra natal deste humanista (um dos poucos da história de Portugal), um Museu de Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição. É pequeno, mas bem pungente, esse museu situado na Calçada Damião de Góis, em Alenquer. 

 


                                                                                         Rui Passos Rocha



 


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