A história que os manuais nos contam
sobre Portugal tem algumas figuras centrais, como Dom Afonso Henriques, o
infante Dom Henrique e Vasco da Gama. E tem também personagens secundárias,
cujo propósito maior é engrandecer as personagens principais. A narrativa
dominante sobre Dona Teresa, o infante Dom Fernando e Bartolomeu Dias reduz os
seus feitos a isto: traidora, mártir cristão e aventureiro dos mares. Essa
narrativa nacionalista e imperialista, muito disseminada pelo Estado Novo,
perdura até hoje.
E depois há figuras secundárias que,
não tendo sido contemporâneas dos grandes heróis, entram na narrativa de forma
rebuscada: Viriato a mostrar a índole lusitana, de que supostamente
descendemos; Dom Dinis a lavrar o pinhal de Leiria, como que prenunciando as
caravelas; e Mumadona Dias a erguer o castelo onde, diz-se, nasceu o primeiro
rei de Portugal.
Nos sete anos do seu governo,
Mumadona teve de se haver com vikings na costa, com muçulmanos entre o Mondego
e o Douro e, certamente, com os condes galegos e o rei de Leão. Mas tudo isso,
tanto quanto se sabe, também foi o pão diário dos outros condes portucalenses
da época. Então, porque a lembramos mais do que a eles?
O que cola Mumadona às narrativas
nacionalistas é o acaso de Dom Afonso Henriques ter ascendido ao poder em
Guimarães. Porque foi ela quem fundou esse burgo, num testamento assinado a 26
de Janeiro; porque calhou ser no castelo de Guimarães, por ela mandado erguer,
que século e meio depois Dom Henrique e Dona Teresa assentaram o poder de
Portucale; porque foi também nesse castelo que, diz-se sem provas, nasceu o seu
filho Afonso, o tal que é personagem principal; e porque foi no campo de São
Mamede, que a lenda coloca junto ao castelo, que Afonso guerreou e venceu a mãe
“traidora”.
É essa ligação tortuosa ao primeiro
rei que explica a memorialização de Mumadona. Fundadores de cidades há muitos,
narrativas e estátuas sobre eles é que são bem menos. E Guimarães tem ambas.
Bem no centro do Largo da Condessa Mumadona, uma estátua da fundadora,
inaugurada em 1960, põe-lhe a cruz de Cristo numa mão e uma miniatura do
castelo na outra. O olhar, esse, está posto na colina do castelo. Porque foi
isso o que verdadeiramente interessou a quem “inventou” Mumadona.
Rui
Passos Rocha
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