sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Mumadona Dias.


 



A história que os manuais nos contam sobre Portugal tem algumas figuras centrais, como Dom Afonso Henriques, o infante Dom Henrique e Vasco da Gama. E tem também personagens secundárias, cujo propósito maior é engrandecer as personagens principais. A narrativa dominante sobre Dona Teresa, o infante Dom Fernando e Bartolomeu Dias reduz os seus feitos a isto: traidora, mártir cristão e aventureiro dos mares. Essa narrativa nacionalista e imperialista, muito disseminada pelo Estado Novo, perdura até hoje. 

E depois há figuras secundárias que, não tendo sido contemporâneas dos grandes heróis, entram na narrativa de forma rebuscada: Viriato a mostrar a índole lusitana, de que supostamente descendemos; Dom Dinis a lavrar o pinhal de Leiria, como que prenunciando as caravelas; e Mumadona Dias a erguer o castelo onde, diz-se, nasceu o primeiro rei de Portugal. 

Nos sete anos do seu governo, Mumadona teve de se haver com vikings na costa, com muçulmanos entre o Mondego e o Douro e, certamente, com os condes galegos e o rei de Leão. Mas tudo isso, tanto quanto se sabe, também foi o pão diário dos outros condes portucalenses da época. Então, porque a lembramos mais do que a eles? 

O que cola Mumadona às narrativas nacionalistas é o acaso de Dom Afonso Henriques ter ascendido ao poder em Guimarães. Porque foi ela quem fundou esse burgo, num testamento assinado a 26 de Janeiro; porque calhou ser no castelo de Guimarães, por ela mandado erguer, que século e meio depois Dom Henrique e Dona Teresa assentaram o poder de Portucale; porque foi também nesse castelo que, diz-se sem provas, nasceu o seu filho Afonso, o tal que é personagem principal; e porque foi no campo de São Mamede, que a lenda coloca junto ao castelo, que Afonso guerreou e venceu a mãe “traidora”. 

É essa ligação tortuosa ao primeiro rei que explica a memorialização de Mumadona. Fundadores de cidades há muitos, narrativas e estátuas sobre eles é que são bem menos. E Guimarães tem ambas. Bem no centro do Largo da Condessa Mumadona, uma estátua da fundadora, inaugurada em 1960, põe-lhe a cruz de Cristo numa mão e uma miniatura do castelo na outra. O olhar, esse, está posto na colina do castelo. Porque foi isso o que verdadeiramente interessou a quem “inventou” Mumadona. 

 

                                                                            Rui Passos Rocha

 


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