quinta-feira, 22 de março de 2012

No silêncio das galáxias.

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O progenitor de um adolescente encontra-se mais cedo ou mais tarde neste lance lancinante: sabe que tem de estabelecer regras e estipular limites, mas não sabe muito bem quais, nem como, nem até quando. Sabe que tem de apoiar sem abandonar. Sabe que as regras que estabelecer terão de encorajar a autonomia e a responsabilização. Sabe que lhe exigem que controle o incontrolável. A perplexidade é ainda agravada por um estranho fenómeno geral: quem não tem adolescentes tem sempre, em compensação, imensos conselhos a dar. A educação, principalmente a dos filhos de outrem, é tarefa que se faz com uma perna às costas. São princípios universais, revirares de olhos e encolheres de ombros. Mas para quem se encontra no tal lance, a coisa fia mais fino. Partindo do princípio de que "educar" adolescentes se baseia em princípios contraditórios, isto é, o princípio do "controlo através do estabelecimento de regras" e o princípio da "autonomia", o melhor é aplicar sempre a regra do controle até não se poder mais e então aplicar a regra da autonomia; ou seja, aplica-se a regra da autonomia quando não se consegue aplicar a outra, em virtude da resistência, corpulência ou embirrância do adolescente. Em segundo lugar, e na impossibilidade de aplicar o controlo, o melhor é estabelecer limites que não possam humanamente ser ultrapassados: em vez de exigir ao adolescente que esteja em casa à meia-noite, põe-se-lhe os euros na mão e diz-se-lhe com autoridade :"Agora não te atrevas a aparecer-me em casa antes das oito da manhã, estás a ouvir? E vens bêbedo ou não entras!". Para se ter a certeza de que a regra resulta mesmo, pode-se ir ainda um pouco mais longe e estabelecer que "nunca podes estar mais de uma semana sem dormir". À quinta rave, quando o adolescente desorbitado se prepara para sair de casa de mochila às costas, o pai tirano (ou a mãe megera) barrando-lhe a porta, grita: "Daqui não passas! Estás há cento e sessenta e oito horas sem dormir! Enquanto viveres em minha casa, fazes como eu quero: dormes pelo menos uma vez por semana". O adolescente não obedece, adormece. Sente-se, obviamente, e agudamente, a falta de uma instância de autoridade exterior absoluta; quando eles são pequeninos, a Polícia ainda funciona, por exemplo na questão da segurança rodoviária ("não te podes pendurar da janela do carro porque a Polícia não deixa!"), mas a Polícia, para os adolescentes, é até uma perspectiva excitante. Para não se ficar mal visto aos olhos do adolescente e continuar a ser um progenitor fixe e curtido, dá jeito invocar alguém ou alguma coisa. Claro quesempre Nossa Senhora, mas não sei se pega. "Vou ao concerto e volto depois de amanhã!", diz a menina de 14 anos. "Não podes!", "Não posso, porquê?". "Porque Nossa Senhora não deixa". Vamos experimentar o mesmo, mas agora com a Polícia Marítima. "Vou ao concerto e volto depois de amanhã!". "Não podes!". "Não posso, porquê?". "Porque a... Polícia Marítima não deixa...?".
            Parto sempre do princípio de que estes adolescentes são rapazes, porque o mesmo cacho de problemas com raparigas é algo de tão sofisticado que a minha mente simplesmente não abarca. Encontrei na estante, cheio de , coitado, um livro de um casal de psicólogos que criou cinco filhos (os psicólogos são pedra angular de toda esta equação). dentro traz uns exercícios práticos para lidar com o "problema". O primeiro exercício (que, aliás, não precisa de seguimento) consiste em aprender a relaxar os músculos. Quando o menino for malcriado, chegar tarde, desligar o telemóvel, e fizer tantas, tantas outras curiosas e engraçadas descobertas de coisas que nos põem fora de nós, ansiosos ou culpabilizados, dizem estes psicólogos que o progenitor deve sentar-se no sofá e começar a relaxar os músculos dos dedos dos pés, das pernas e por acima até chegar ao cerne do sistema nervoso central. Alcançado este objectivo superior, o progenitor deve imaginar, com o olho da sua mente, antes do mais, os vizinhos que têm os mesmos problemas, depois os outros bairros em que pais exasperados relaxam em sofás idênticos, e cada vez mais latamente, imaginar a cidade em que vive, a região, o país, e ir assim afastando-se, subindo às alturas serenas, em que planetas rolam desde sempre, e indiferentes, no silêncio das galáxias. E assim adormecem. Se não, parece que o Valium também é uma opção.



Luísa Costa Gomes

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