sexta-feira, 9 de março de 2012

O acordeão.


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No dia três de Março do ano de dois mil e doze, Emanuel Soares e Rodrigo Maurício tocaram acordeão no restaurante Castelo na Lourinhã. A actuação começou atrasada, à espera de um público que não apareceu. A noite estava fria, chuvinhava e o Vitória de Setúbal recebia o Sporting (facto que, graças aos dois televisores permanentemente ligados, não escapou às oito pessoas que insistiram em jantar no Castelo).

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O acordeão é um instrumento versátil, amigo da improvisação. É simultaneamente agudo e cavernoso como um órgão de igreja. As transcrições são claras e límpidas. Transportável, foi uma espécie de piano do povo, animando festas e arraiais pelo país fora.

Foi. Hoje são poucos os que o procuram ouvir. Possivelmente, sofre de um preconceito generalizado que atinge tudo o que remotamente está associado ao mundo camponês do qual muitos se envergonham.
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Só assim se explica o desaparecimento dos alpendres nas casas antigas do Vimeiro e as aldeias que escorrem pelas encostas do Oeste, ao sabor da desanexação de terrenos agrícolas, da inimputabilidade da propriedade privada e do empreendedorismo daqueles que, sob a égide do crédito à habitação, constroem urbanizações em banda, explorando o sonho da casinha unifamiliar.

Mas, um dia, alguém irá contabilizar quanto custou construir infraestruturas, quanto custa mantê-las, todos os custos de mobilidade, energia, horas de vida…




Portugal sofreu de uma ideia de modernidade (já então serôdia) que levou a construir muito, a construir grande, desrespeitando a paisagem natural, o passado e o espaço público. A trocar a madeira pelo alumínio, a pedra pela fórmica, o silêncio pelo débito incessante da música pop, do canal desportivo e do comentário político. Com o ruído, Portugal deixou de ouvir o acordeão.


António J. Ramalho

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