Na divisão do Mundo por continentes, o Líbano
pertence ao continente asiático.
No Líbano não encontrei imagens de São Cristóvão.
O que é curioso tendo em conta que a figura lendária do Santo nasceu
precisamente num território que abrange hoje o país.
A propósito do Líbano, existe contudo uma
literatura relacionada com os anos de chumbo da Guerra Civil onde encontrei
vestígios do Santo.
Alexandre Najjar, escritor libanês nascido em
1967, publicou em 2005 Le roman de Beyrouth (O romance de Beirute) livro
em que faz o retrato da capital através das sucessivas gerações de uma família.
Um dos personagens que surge no livro é Édouard Saab, redactor-chefe do L’Orient-Le
jour, jornal de Beirute e correspondente do Le Monde: Foi morto por
um franco-atirador em Maio de 1976 durante a guerra civil.
Edouard Saab conduzia mal. Toda a gente o sabia.
Quando ele me propunha uma boleia, eu rezava à Virgem, a São Charbel e a São
Cristóvão que me colocassem sob sua protecção. Não que ele andasse depressa,
mas tinha o espírito de tal maneira sobrecarregado de pensamentos que se
esquecia de se concentrar na condução.
Roger Auque (1956-2014), jornalista e diplomata,
foi preso pelo Hezbollah em 1987. É o pai da política francesa Marion Maréchal
Le Pen. Num livro publicado postumamente confessa ter sido agente israelita.
Escreveu em 1989 o livro Un otage à Beyrouth (Um refém em Beirute) em
que descreve o seu cativeiro de 10 meses:
…A viatura abranda e pára. Ouço uma porta
deslizar. Parece-me que penetramos numa garagem. O condutor desliga o motor, as
portas abrem-se, passos ressoam à minha volta. Os raptores sentam-me no banco
de trás. “Não te mexas. Sobretudo mantem a tua venda” aconselha-me um deles
começando uma revista minuciosa. Esvazia-me a algibeira, fica com o meu
relógio, a minha pulseira, uma cruz e uma medalha de São Cristóvão…
A cruz e a medalha são-lhe restituídas mais tarde.
Entre os raptores há Christophe que desempenha o papel de polícia-bom:
… Na última vez que Christophe veio no mês de Abril
pediu-me para lhe dar o meu cordão com a cruz e a medalha de São Cristóvão.
Queria um presente. Recusei, era um presente da minha mulher e da minha mãe…
Elie-Pierre Sabbag, arquitecto e escritor
libanês, nascido em 1955, escreveu em 1993 o livro L’ombre d’une ville (A
sombra de uma cidade) referindo-se a Beirute. Pretendeu com ele abanar a
amnésia colectiva que atingiu o Líbano quando terminou a Guerra Civil.
…Viaturas calcinadas, árvores
desfeitas, montanhas de areia, montes de ramos de pinheiros, espalhavam-se no
chão de uma avenida rectilínea como a lâmina de uma espada. De tempos em
tempos, uma viatura aventurava-se sem protecção no eixo vazio, lugar onde a
palavra já não tinha valor, que se atravessava impedindo o coração de
transbordar. O território do arbitrário. O tiro, seco e tenebroso ressoava, nas
profundezas de cada um, como a queda de um anjo. Cada passagem era uma vitória
sobre o absurdo, sobre o franco-atirador dormente que tinha falhado o seu alvo.
Mas a Beirute de Nabil era indivisível. São Cristóvão do volante, ele levava os
seus passageiros de uma margem para outra aumentando o som do seu rádio,
fazendo slalom entre os montículos de terra e os contentores com a segurança de
um campeão de rallies…
Investigação profunda! A estampa é muito bonita.
ResponderEliminarÉdouard Saab era meu primo. Sobrinho do meu avô. A história dele teve um final triste, porém heroico. Um orgulho e uma inspiração. Vou procurar esse livro. Nao sabia dessa referência.
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