impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 31 - MODERN JAZZ QUARTET
Litografia de Sam Nhlengethwa
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Quem ainda estiver embrenhado no
denso matagal ideológico dos anos 60 e 70 não reparará que a guerra acabou e o
jazz seguiu por diante. Estes irredutíveis, disciplinados na escola da New
Thing (generalizando: Pharoah Sanders, Archie Shepp, Sam Rivers, Anthony
Braxton), perseveram num olhar em volta impregnado de dialéctica e doses
maciças de sentido crítico, revestido por alguns des-construtores franceses da
época. Não abdicam, assim, de arrogar o jazz como um género historicamente
insubmisso e insurrecto, mas sobretudo evolutivo, em perpétua antítese face ao
legado das gerações anteriores.
Deste modo, a simples menção do
Modern Jazz Quartet é capaz, ainda hoje, de franzir inúmeras sobrancelhas. Quatro
cavalheiros engravatados e de fato completo, quando não de tuxedo, ou smoking, como se diz em português de gema, com o lenço a
sair do bolso do paletó, com um aspeto muito pouco insurgente ou ameaçador, propõem-se
tocar “jazz de câmara”. John Lewis, o cabecilha do grupo, confessa-se culpado:
“quisemos trazer uma dignidade que todos recordávamos de ver nas big bands da era do swing.” Jazz de
salão, portanto (é moda actual dizer lounge),
para ouvir como um aperitivo, entre o tilintar de Dry Martinis ou taças de
champagne; de novo Lewis, contumaz: “Queríamos chegar às salas de concerto em
vez de estarmos sempre condicionados aos clubes.” Jazz para brancos (e dos
ricos, de Nova Iorque), sem o suor no corpo do swing, nem a inquietação
emocional do bebop, ou a tensão arterial do cool? Pois nada disso.
As credenciais boppers de John
Lewis (piano), Milt Jackson (vibrafone), Ray Brown (contrabaixo) e Kenny Clarke
(bateria), eram insofismáveis, já que se haviam agremiado na orquestra de Dizzy
Gillespie, na qual constituíam o núcleo rítmico. Para dar descanso à secção de
sopros, muito puxada pelas exigentes partituras de Dizzy, ao quarteto eram
concedidos alguns minutos sozinho em palco, a meio dos concertos. Só não passaria
pela cabeça de ninguém que o entreacto viesse a durar 40 anos.
Fontessa
1956 (2009)
Atlantic -
#WPCR-13423
John Lewis (piano);
Milt Jackson (vibrafone); Percy Heath (contrabaixo); Connie Kay (bateria).
Com data de 1956, Fontessa demarca-se
como a primeira gravação do remodelado Modern Jazz Quartet, que sofrera duas
alterações nos três anos anteriores. Ray Brown teve que desistir para dedicar
mais tempo ao acompanhamento da sua entretanto ex-mulher Ella Fitzgerald – Percy
Heath ocupou o seu lugar no contrabaixo até ao fim. A Kenny Clarke apoquentaram
problemas de identidade com os métodos e os desígnios do grupo, apenas sanados
com a separação, dando a vez a Connie Kay.
Tendo todos estes músicos reputação
e renome equivalente, nenhum quis ser sideman do outro, menos ainda ter a responsabilidade
empresarial de pagar os ordenados aos restantes. De modo que concordaram numa
organização cooperativa e assaz igualitária, feito deveras excepcional na
história do jazz.
Fontessa é, pois, a casa de partida
da maturidade e da longevidade do Modern Jazz Quartet. Seria imponderado
afirmar que nele se grifam os cromossomas daquilo que o grupo desenvolveria ao
correr das quatro décadas posteriores; mais certo é admitir que anuncia, em exercício
de alto risco formal, tudo o que o novelo do tempo viria a lustrar como evidente
e unânime.
Críticas menos acintosas do que
emotivas estigmatizaram a música de Fontessa como académica. Tocavam aqui um
nervo: John Lewis terá sido o primeiro músico de jazz no activo com
licenciatura e mestrado em musicologia, com especial dedicação ao estudo do
contraponto e fuga. Agravava o caso que a proposta do disco fosse conciliar as
modernas (à falta de melhor palavra) harmonias do bebop com figuras musicais do
barroco europeu, para criar uma atmosfera de Commedia dell’Arte. Ou seja, o
Modern Jazz Quartet arriscava um ominoso pretensiosismo, com todos os
ingredientes para levedar numa intragável mixórdia estilística.
Mas não é por atingir o alvo que o
tiro é acertado. A atitude de John Lewis, admitindo alguma cerebralidade, era
sobremaneira franca e experimental, precisamente o contrário de asserções
taxativas e arrogantes. Por outro lado, havia ainda que contar com Milt
Jackson, sobre quem se pode afoitar que não terá havido improvisador mais bluesy que ele, climatizador e
arrebatado ao mesmo tempo. Como é que isto se faz? Com o swing indomável dos
temas “Bluesology” ou “Willow weep for me” ou “Woodyn you”, eis como… E se Lewis
calcula e Jackson inventa, no seu flanco, mas nem um passo atrás, Percy Heath,
alicerça e Connie Kay impulsiona.
Fontessa foi pois o princípio de
uma bela amizade e, melhor para nós, de uma bela carreira. O Modern Jazz
Quartet dissolver-se-ia em 1974 com um esgotadíssimo concerto de despedida no
Avery Fisher Hall de Nova Iorque. Mas, reproduzindo o costume dos toureiros, a
retirada preparou um regresso. Reunido de novo em 1981, o conjunto estendeu-se
sem iteração até 1992. Só velhice os voltou a separar.
José Navarro de Andrade
Soberbos, também quem tem Ray Brown tem tudo.
ResponderEliminarVou publicar um dos que tenho, vai escolhido pela capa.
Até logo.
Irei vê-lo sem falta. Obrigado.
EliminarSobre Graciliano Ramos dizia Nelson Rodrigues:O alagoano "nasceu clássico".Sobre os MJQ eu diria data venia o mesmo.Fantásticos pena que não houvesse casa da musica quando os vi no Porto.
ResponderEliminarA Casa da Música seria mesmo o lugar ideal para ouvi-los. Mas na Casa de Chá de Leça também não ficariam nada mal. Vendo bem, no Porto não faltam salas belíssimas onde o MJQ assentaria que nem uma luva - o Palácio da Bolsa, por exemplo.
EliminarA Casa de Cha de Leça neste momento está ocupada por uma trupe de artistas que leva a cena farsas gastronómicas.Caso se sinta tentado a assistir a uma das recitas aconselho duas cautelares.Jantar primeiro e deixar a carteira em casa.O esquecimento pode ocasionar fome e o desaparecimento do recheio da mesma.A Casa continua linda.Estes avisos são uma paga embora ínfima da dívida que tenho para com o autor dos textos( J N de Andrade.)
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