Por afazeres vários
e indesculpável distracção, levei tempo demais a ler o extenso artigo de Graeme
Wood sobre o Estado Islâmico, que saiu com estrondo na Atlantic e depois foi traduzido cá (uma bela tradução, note-se)
pelo jornal Público (aqui, na íntegra). O «resumo» que é feito aqui, com o devido respeito,
parece-me simples demais e não faz justiça à investigação extraordinária de Graeme Wood. Sem preconceitos nem complexos, Wood
desfaz a retórica politicamente correcta dos que dizem que o EI «não é
islâmico» (o que, muita atenção, não
significa, de modo algum, dizer que
todos os muçulmanos são apoiantes do ISIS – pelo contrário!).
Wood mostra ainda
as diferenças profundas entre a Al-Qaeda e o ISIS, e até que ponto as pretensões
deste podem converter-se nas suas maiores debilidades. Por exemplo, o facto de querer
afirmar-se como «califado» implica a existência e o domínio sobre um território,
o que retira ao ISIS a flexibilidade operacional que constitui uma das
principais armas da Al-Qaeda. Por outro lado, o facto de não admitir sequer a
existência de «diplomacia» e «embaixadores» pode contribuir para o seu
isolamento.
A implosão do ISIS é um cenário optimista, que Wood tem como
possível. Não deixa, todavia, de alertar para um risco, o mais terrível de
todos: uma aliança entre a Al-Qaeda e o EI. Isso pode ocorrer, por exemplo
(hipótese que Wood não explora), se a liderança de al-Zarqawi for posta em
causa ou se este se vir forçado, por razões de sobrevivência, a pactuar com
al-Baghdadi. O texto de Wood – que deve ser lido na íntegra, atentamente – pode
levar a crer, se mal interpretado, que o ISIS não é uma ameaça imediata para o
Ocidente, no sentido em que daí não virão atentados em Londres, Paris ou – porque
não? – Lisboa. O facto de os que aderem ao ISIS, vindos de todo o mundo,
queimarem os seus passaportes é um sinal de que, de acordo com a doutrina do
Estado Islâmico, será lá, na Síria e nos territórios limítrofes, que se travará
a primeira batalha. No entanto, nada nos diz que (1) não venha a forjar-se uma
aliança entre o ISIS e a al-Qaeda, com esta a actuar como «exército» do
primeiro, agindo no exterior; (2) mesmo sem uma aliança com a al-Qaeda, o
ISIS não venha a exercer, pontualmente, acções terroristas fora daquela zona.
Há uma razão para que essa hipótese não possa ser descartada. Como salienta
Graeme Wood, com o passar do tempo as debilidades do Estado Islâmico podem
tornar-se cada vez mais evidentes. Daí que, num gesto de desespero, e para iludir
essas fraquezas e continuar a recrutar seguidores em tudo o mundo, a hipótese
de o Estado Islâmico se lançar no «mercado» do terrorismo global não deve ser arredada. Não
sou especialista nem estudei o assunto, pelo que muito provavelmente estou a
dizer uma barbaridade tão bárbara como as atrocidades cometidas pelo ISIS. Foi
apenas o que me ocorreu após ter lido o texto de Graeme Wood que, esse sim,
fala do que sabe e nos ajuda, como poucos, a compreender o que é e o que quer o Estado Islâmico do Iraque e do Levante.
Em todo o caso, há alguns dados perturbantes, de que Wood não fala e que podem pôr em causa a sua tese segundo a qual o ISIS, configurando-se como «califado», não tem a pretensão de exportar os seus métodos de acção ou estabelecer alianças fora do território onde actua e onde tem, primeiro, de consolidar a sua presença. Sei que há quem duvide da autenticidade desta manobra, e pode não passar de um oportunismo propagandístico, mas o certo é que o Boko Haram fez uma promessa de aliança, uma bayat, ao ISIS e este aceitou-a, publicitando amplamente este pacto de sangue. Pode ser propaganda, mas nestas guerras não existe mera propaganda. A propaganda não é acessória ou instrumental. É substantiva, faz parte da essência do movimento, é ela que cativa e mobiliza a ida de dezenas de jovens ocidentais para a Síria (ou, se o ISIS falhar, para a Nigéria).
Na Nigéria, o Boko Haram pretende implantar a sharia recorrendo a actos de uma barbaridade inaudita. Vão a escolas raptar meninas, que são violadas pelos guerreiros. Às vezes, segundo se diz, são levada para aldeias onde são violadas por toda a população muçulmana que aí habita. Às que, apesar disso, continuam a recusar-se a obedecer à lei islâmica são libertadas. Mas, antes de partirem, esfregam o seu mamilo direito nas ombreiras das da casa, até aquele desaparecer. Cortam-lhe o sexo ou o peito. Em Abril do ano passado, a população de Chibok foi dizimada. Sobraram 200 meninas, alunas de uma escola, com idades entre os 7 e os 15 anos. Foram raptadas, ninguém sabe o que lhes aconteceu. Ainda hoje, passado um ano, há orações para que regressem. Segundo um relatório da UNICEF, divulgado há poucas horas, a acção do Boko Haram está a colocar em risco a vida de 800 mil crianças na Nigéria. A tragédia nigeriana foi há pouco exposta de uma forma imprevista, terrível, através de desenhos de crianças que assistiram aos massacres. Meninos que sobreviveram e que, nos campos de refúgio da UNICEF, desenharam o que viram e viveram. Retratos de tempos sombrios.
Em todo o caso, há alguns dados perturbantes, de que Wood não fala e que podem pôr em causa a sua tese segundo a qual o ISIS, configurando-se como «califado», não tem a pretensão de exportar os seus métodos de acção ou estabelecer alianças fora do território onde actua e onde tem, primeiro, de consolidar a sua presença. Sei que há quem duvide da autenticidade desta manobra, e pode não passar de um oportunismo propagandístico, mas o certo é que o Boko Haram fez uma promessa de aliança, uma bayat, ao ISIS e este aceitou-a, publicitando amplamente este pacto de sangue. Pode ser propaganda, mas nestas guerras não existe mera propaganda. A propaganda não é acessória ou instrumental. É substantiva, faz parte da essência do movimento, é ela que cativa e mobiliza a ida de dezenas de jovens ocidentais para a Síria (ou, se o ISIS falhar, para a Nigéria).
Na Nigéria, o Boko Haram pretende implantar a sharia recorrendo a actos de uma barbaridade inaudita. Vão a escolas raptar meninas, que são violadas pelos guerreiros. Às vezes, segundo se diz, são levada para aldeias onde são violadas por toda a população muçulmana que aí habita. Às que, apesar disso, continuam a recusar-se a obedecer à lei islâmica são libertadas. Mas, antes de partirem, esfregam o seu mamilo direito nas ombreiras das da casa, até aquele desaparecer. Cortam-lhe o sexo ou o peito. Em Abril do ano passado, a população de Chibok foi dizimada. Sobraram 200 meninas, alunas de uma escola, com idades entre os 7 e os 15 anos. Foram raptadas, ninguém sabe o que lhes aconteceu. Ainda hoje, passado um ano, há orações para que regressem. Segundo um relatório da UNICEF, divulgado há poucas horas, a acção do Boko Haram está a colocar em risco a vida de 800 mil crianças na Nigéria. A tragédia nigeriana foi há pouco exposta de uma forma imprevista, terrível, através de desenhos de crianças que assistiram aos massacres. Meninos que sobreviveram e que, nos campos de refúgio da UNICEF, desenharam o que viram e viveram. Retratos de tempos sombrios.
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