Esta
fotografia de Adriano Miranda, de que o Público
fez a sua primeira página no dia 5 de Abril de 2015, tinha tudo para dar
errado. No centro, a massa de um veio metálico de um carro ocupa sem hesitação
o espaço e a primeira atenção do observador. Mas está desfocada: não, não é o
centro da imagem por mais que seja o seu centro geométrico. E, do lado
esquerdo, destaca-se o reflexo azulado do vidro do carro, mostrando o reflexo
de um homem de fato e gravata negra, talvez um funcionário de uma empresa funerária.
O homem não tem cabeça, não permite também ser o centro da atenção.
Tudo
isso, apesar de pormenor, é contexto, porque a imagem
inclina-se inteiramente para o seu terço direito: uma mulher triste e de negro
cola a mão ao vidro do carro e, na transparência do vidro, é um adeus. Outra
mulher de negro, que sentimos próxima da mulher mais velha, consola-a. Já sabemos
tudo. É Isabel de Almeida Carvalhais, a viúva de Manoel de Oliveira, que olha o
caixão dentro do carro funerário — e agora já vemos, do lado esquerdo, o caixão.
Isabel olha o caixão, toca o vidro como quem toca Manoel uma última vez, como
quem diz adeus, mas também como quem fala ainda com ele, como quem diz não vás.
O veio metálico do carro está aqui, afinal, por uma razão-desrazão, ele não
deixa que Manoel fique com Isabel, ele divide a imagem inexoravelmente em duas,
o morto que parte, a viúva que fica. Oliveira parte pelo lado esquerdo, para o
passado, a vida está ainda do lado direito, vendo-o partir, despedindo-se.
São
de Isabel os únicos olhos que vemos. Por trás dela, outra figura sem cabeça,
escondida pelo reposteiro do carro funerário, resume-se a um vestido branco
fazendo fundo que destaca as duas mulheres de negro.
A
viúva
de Manoel de Oliveira e a acompanhante que a consola ocupam apenas um décimo da
imagem, um décimo que sinaliza o pudor da intimidade, um décimo que regista a
delicadeza de um gesto repetido e eterno, um décimo de uma pequena Pietà, um décimo
que concentra a dupla força da imagem, a força icónica e a força espiritual, um
décimo que é a arte da imagem, a arte de sempre que acontece às vezes no
momento decisivo de um repórter fotográfico.
Eduardo Cintra Torres
Fui ver hoje o início de Aniki Bóbó.
ResponderEliminarEla era Manuel de Oliveira, quando é que passou a Manoel?
Isto é o que se chama uma construção sobre nada ou quase...assim se enchem páginas e se alimentam ilusões literarias.Acho eu.
ResponderEliminarÉs mesmo atrasado mental.
EliminarÉs mesmo atrasado mental.
EliminarTexto e foto muito elucidativos e verdadeiros. às vezes a tristeza de 1/10 de foto enche uma página inteira
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