Fotografias de Rafael Sanz Lobato
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Já tinha por aqui falado, há muito
tempo, de Rafael Sanz Lobato, caçador solitário, pioneiro do fotojornalismo e do documentalismo antropológico em
Espanha. Morreu agora. Com os seus pretos e brancos violentos, captou como
poucos a alma de uma certa Espanha, um
passado que já passou. Outro nome que se foi há pouco, José Miguel Iribas,
sociólogo do turismo, o grande estudioso do crescimento anárquico de Benidorm. Dois
homens, duas Espanhas. Ambas agonizantes.
Lembrei-me agora de uma história, a
história de Benidorm. Nos alvores dos anos cinquenta, o alcaide da terra, don
Pedro Zaragoza Orts, impulsionou o betão – e, pecado maior, autorizou o biquíni.
O arcebispo de Valência, Marcelino Olaechea, excomungou don Pedro. Nem mais,
nem menos. Pedro Zaragoza era um homem curtido pela vida, velha raposa de
muitos ofícios: filho de marinheiro, foi criado pela avó, dado sua mãe ter
morrido precocemente. Estudou também para marinheiro, em Barcelona, mas largou
os livros e fez-se mineiro. Sairia das entranhas da terra para ir trabalhar como maletero em Madrid, na estação Las Delicias. Para
abreviar: voltou à terra natal, foi eleito alcaide. A ele se deve o início
daquele caos urbanístico completo. Sancionado pelo prelado, não o fez por menos:
meteu-se na sua Vespa, percorreu
muito quilómetro, chegou a Madrid e pediu audiência a Francisco Franco. Disse, e com razão, que sem biquíni não haveria turistas de cara al sol. O Generalíssimo
tranquilizou-o quanto ao uso do biquíni nas praias de Benidorm. Excomungado
pela Igreja, don Pedro saía da capital com o beneplácito de quem mandava. E assim, de biquíni
em biquíni, o betão tomou conta do Sul da Espanha. José Miguel Iribas estudou o
assunto a fundo, enquanto Rafael Sanz Lobato ia captando imagens poderosas doutra
Espanha profunda, dolorida e negra.
O biquíni em Benidorm
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Ocorreu-me esta história porque li há
dias que o candidato dos Ciudadanos à câmara de Benidorm vai a Madrid no próximo dia 3 de Maio. Como? De Vespa,
pois claro. Certamente conhece a épica jornada de don Pedro Zaragoza, que agora
repete, em tempos democráticos, para exigir de Madrid que considere Benidorm
«município turístico», um estatuto que trará à terra uma mão-cheia de «benefícios»,
todos péssimos para o bom-gosto e o bom-senso. Para os que não conhecem, eis a
costa de Benidorm, onde pontifica o grandioso Intempo, um arranha-céus capaz de ombrear com as Petronas de Kuala
Lumpur:
E, falando em senso, como é possível
que Benidorm não seja já considerada «município turístico»? Por que bulas?
As do bispo de Valência, desautorizado pelo Caudilho? Mistérios de Espanha. Quase
tão misteriosos e insondáveis como os caminhos do Edifício Espanha, em Madrid, de que já falei aqui (e vou voltar a falar quando a Laura me mandar um documentário que se fez sobre o bicho).
Edificio España, Madrid
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O portentoso mastodonte encontrava-se
em ruínas, ou perto disso. O seu interior era atravessado por fantasmas e
espíritos tenebrosos. Como o de Hortensia, a secretária que foi lançada do 14º
piso, ao surpreender um ladrão em flagrante delito. O España vai agora ser renovado. Por chineses, claro. Dentro de quatro anos, prometem os sínicos investidores, será um hotel de luxo. Madrid merece-lo.
A fregona de Manuel Jalón
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Resta saber se foi também chinês o comprador anónimo que deu 500 euros por uma esfregona. Não uma esfregona qualquer, daquelas made in China. Não. Uma original, das concebidas por Manuel Jalón
nos anos cinquenta. É verdade: enquanto don Pedro Zaragoza ia até Madrid, montado na sua Vespa, em
Saragoça Manuel Jalón Corominas inventava a fregona. Vespas, biquínis e esfregonas, é muito design junto. Assim se foi exterminando o que restava da Espanha feudal, capturada pela objectiva de Sanz Lobato. Os modelos originais da fregona do engenheiro Jalón, considerados
um prodígio de funcionalidade, tão libertadores da mulher como os biquínis excomungados, são agora leiloados em hasta pública como peças de colecção. Do modelo Doméstico, agora levado à praça, só
foram feitos duzentos exemplares. Uma raridade, portanto. Quase tão rara e
singular com a vida de Sor Sonrisa, de que falarei em breve, se não for maçada.
Para o José António Teles Pereira, um abraço antigo
António Araújo
este blog é demasiado bom
ResponderEliminarImpressionantes, as fotos de Lobato!
ResponderEliminarMuito obrigado pelos comentários de ambos. Grandes fotografias as de Sanz Lobato, sem dúvida. Palavras exageradas sobre o Malomil, mas que agradeço, obviamente.
ResponderEliminarAntónio Araújo
Quem nunca foi feliz em Benidorm que atire a primeira pedra! Eu não atiro:)
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