quinta-feira, 22 de outubro de 2015


impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 54 - CHET BAKER




 
Fotografia de Bob Willoughby (1953)



 
Fotograma de Bruce Weber (1988)

 

 
Causou pungente impressão no público europeu o regresso de Chet Baker no final da década de 70.
Tal como tantos outros músicos de jazz antes dele, Baker procurara no Velho Continente o aplauso e a tranquilidade que os Estados Unidos, por serem muito mais competitivos, dificilmente concedem. Ao contrário do que sucedera cerca de quinze anos antes, quando acabou banido da Alemanha e da Grã-Bretanha, desta vez logrou alguma estabilidade musical, experimentando o período mais prolífico da sua carreira. Foi também na Europa que recebeu a morte, que há tanto tempo o perseguia, ou ele desafiava. E morte desastrosa, concertada com o fado da sua vida, estatelando-se de um quarto de hotel para a rua, sabe-se lá se por acidente se empurrado – em ambos os casos a mando da heroína.
Distantes estavam os primórdios dos anos 50 em que um fugacíssimo lustro foi quanto bastou para que muito mais tarde Chet Baker e James Dean fossem reverenciados como as figuras icónicas de uma geração e da versão de Los Angeles da tendência estilística denominada de West Coast Cool. Cada um por seu lado, Dean radiando o glamour reluzente do cinema, Chet (apenas 2 anos mais velho), o outro lado da moeda, projectando as sombras expressionistas da boémia, ambos apresentaram-se como rebeldes sem causa, atraídos pelo perigo frívolo – não tiveram idade para ir à guerra – galhardeando a T-shirt branca e os jeans dobrados nos tornozelos, mas sobretudo um olhar de menino triste sublinhado pela poupa tão irrepreensível que dir-se-ia lacada. Foi como se tivessem inventado a adolescência.
Também tal como James Dean, Chet Baker gozou um êxito muito precoce e fulminante. Aos 22 anos de idade integrou o memorável quarteto sem piano de Gerry Mulligan e nele participou na origem do cool jazz. Passados dois anos, em 1954, cantou em “Chet Baker Sings” e a sua voz fez furor, por na secura e na falta de vibrato, ser tão divergente ao que era esperado de um crooner. Daqui em diante termina a sincronia de Baker com Dean, porque o trompetista impediu-se de morrer cedo e ter um belo cadáver, ao derivar na inexorável mas morosa degradação da droga.
 

 
The Touch of Your Lips
1979 (1994)
SteepleChase - SCCD 31122
Chet Baker (trompete), Doug Raney (guitarra),
Niels-Henning Ørsted Pedersen (contrabaixo)
 
É um espectro o Chet Baker a quem a editora dinamarquesa SteepleChase deu acolhimento em 1979. No rosto curtido como de um pescador desvanecera-se a aura de bad boy de outrora e sulcavam-se as marcas do calvário por que passara. O pior fora terem-lhe partido os dentes numa rixa, obrigando-o a reaprender a embocadura do trompete. Na gravação do disco “The Touch of Your Lips”, manifestamente incapaz de arcar com o fragor da bateria ou a amplitude do piano, foi defendido pelo guitarrista Doug Raney, domiciliado em Copenhaga havia dois anos, e o contrabaixista local Niels-Henning Ørsted Pedersen, que no Clube Montmartre robustecera o pulso acompanhando uma bela galeria dos grandes intérpretes que passavam em digressão pela Dinamarca.
Nem no apogeu Chet Baker revelara dons instrumentais de virtuoso. O seu cariz e a sua popularidade estavam, precisamente, em contrastar a intensidade dada como vernácula do jazz, com uma acústica límpida e estendida, derramada de modo descontraído. Mas o que dantes tinha o atrevimento de sugerir indiferença ou displicência, em 1979 expunha, de maneira cruel, as inúmeras imperfeições e debilidades técnicas de Chet Baker. Ora é exactamente por esta brecha que o prodígio se introduz em “The Touch of Your Lips”; socorrendo-se de uma paleta de recursos harmónicos minimal, de uma meia-dose de acordes que em nenhum momento sobrelevam o registo médio, desprendendo frases lineares e rarefeitas e cantando numa voz a que lhe falta o fôlego, Chet Baker supera em pathos o que lhe escasseia em perícia.
Talvez por ser uma das obras mais melancólicas do jazz, “The Touch of Your Lips” nunca falha em comover quem ouve.
 
 
 
 
José Navarro de Andrade
 

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