impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 90 - JAMES
CARTER
Gerou entusiasmo a entrada de James
Carter na cena do jazz, mas os tempos eram outros. O agentes, os publicistas,
os editores, ou quem quer que determina estas coisas, ainda tentaram encorpá-lo
em algo denominado Tough Young Tenors, todavia a iniciativa ficou-se pelos
alicerces, ou seja, por uma jam session notável, porém desprovida de consequência.
O decurso dos anos veio revelar que os demais participantes (Walter Blanding,
Jr., Herb Harris, Tim Warfield, Jr. e Todd Williams) se quedaram numa nobre
mediana, esse húmus tão necessário à germinação e crescimento de talentos
primazes.
Em boa verdade, a última geração do jazz
a prometer programa e movimento, foi a dita dos Young Lions, irrompida no
dealbar dos anos 80, com o centurião Wynton Marsalis à frente de uma coorte
composta por Brandford Marsalis, Terence Blanchard, Donald Harrison, todos oriundos
de Nova Orleães, e ainda Kenny Garrett, Marcus Roberts e Jeff “Tain” Watts –
vieram, perturbaram e ficaram.
Quer isto dizer que na última década do
século XX, em conformidade com a atmosfera dominante, James Carter chegou e
afirmou-se sozinho. Que mal tem isto? Algum, porque o jazz, à semelhança
doutras artes, principalmente as plásticas, é escola, quer dizer: mestres e
discípulos, convívio e comunidade, tradição e renovação (ou ruptura…), conflito
e sinergia, permuta e discussão. Da mesma mocidade de Carter não faltam
excelentes e comprovados músicos – o seu mais ou menos rival no saxofone Joshua
Redman, os trompetistas Roy Hargrove e Nicholas Payton, o pianista Cyrus
Chestnut, o vibrafonista Stefon Harris, o contrabaixista Christian McBride, só
para referir um punhado de favoritos – mas todos cintilaram como estrelas sem
constelação.
Não ter James Carter partilhado um
espírito geracional está longe de significar que apareceu de geração
espontânea. Nado e criado em Detroit, desde cedo se imbuíu do estilo local de
jazz, de colarinho azul e espesso como o aço, pontificado pelos eméritos irmãos
Jones (Hank, Thad e Elvin). Aquilo que de imediato notabilizou James Carter e
de algum modo estarreceu foi o seu vibrante e camaleónico virtuosismo.
Dedilhando com igual à vontade toda a gama de saxofones, mais as flautas e o
clarinete baixo, soube afeiçoar o seu estilo ao timbre de cada um dos
instrumentos, multiplicando uma espécie de heterónimos como um Pessoa do jazz –
o Carter do saxofone tenor, não é decalcado do Carter do barítono… Claro que
este condão arriscaria converter-se num número circense não havendo coração
musical que o sustente.
Terá sido precisamente para demonstrar
idoneidade, além da perícia, e de caminho perdigueirar um território demarcado
e autónomo no mesmo passo em que se vinculava à tradição, que em 1996 James
Carter cometeu o disco “Conversin’ with the elders”.
Conversin’
with the elders
1996
Atlantic - 7567829082
James Carter (saxofone alto, tenor, barítono,
clarinete baixo), Lester Bowie (trompete), Larry Smith (saxofone alto), Harry
“Sweets” Edison (trompete), Hamiet Bluiett (saxofone barítono), Buddy Tate
(saxofone tenor, clarinete), Craig Taborn (piano), Jaribu Shahid (contrabaixo),
Tami Tabbal (bateria).
O programa de “Conversin’ with the
elders” era simples e dificílimo: praticar duetos com uma panóplia de músicos
de estatuto cardinalício. Tudo bem transportado por uma sólida secção rítmica
onde se destacava ao piano um Craig Taborn ainda um pouco verdoengo.
Acrescentava dificuldade à campanha o facto de Carter ter dado o terreno do
reportório ao adversário, viajando assim com os parceiros ao longo de vários
fusos horários do planeta jazz, desde o swing vernáculo de Harry “Sweets”
Edison até ao libérrimo Hamiet Bluiett no pungente saxofone barítono. Pelo meio
há uma troca de mimos no clarinete baixo com o venerável Buddy Tate. A função
abre e encerra na companhia do trompetista Lester Bowie, o mentor e mestre de
James Carter. As feras com quem o rapaz se metia eram implacáveis e não
hesitavam em cravar uns acordes imbatíveis ao menor deslize ou distracção. A
isto Carter retorquiu da melhor maneira, sem a veneração ou a insolência
típicas do jovem escudeiro a querer evidenciar-se e ser aceite pelo paladino.
Com todos dialogou de modo desenvolto e alacre, sem perder compostura.
Em “Conversin’ with the elders”
comovente mesmo é presença de Larry Smith. Quem? Uma lenda cuja fama nunca
ultrapassou os arrabaldes de Detroit, um daqueles músicos locais que são luzes
a bruxulear noite após noite em cidades secundárias, gente a quem a história do
jazz muito deve e pouco recompensa. Como se o resto não fosse de admirar, só
isto bastaria para louvar o disco; nele James Carter expôs-se até às raízes –
talvez por isso tenha crescido tão bem.
José Navarro de Andrade
Devido aos muitos afazeres (criar o máximo de SNAFU no on-line do Expresso) vou aproveitar o domingo para colocar qualquer coisinha.
ResponderEliminarEste é um dos músicos que cria pele de galinha.
Obrigado, amigo.
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