impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 18 - EARL
HINES
Depois de Nova Iorque se ter fixado como
o pólo magnético do jazz, para onde até Louis Armstrong haveria de abalar de
malas aviadas em 1929, Chicago só não ficou às moscas porque Earl Hines
perseverou em promover o Grand Terrasse Café como o maior salão de dança e sala
de concertos do continente norte-americano – não se lhe pode totalmente negar a
premissa, dado que o Cotton Club ficava em Manhattan, uma ilha no Atlântico…
Para trás ficava, assim, a audaciosa
segunda formação dos abrasadores Hot Five de Louis Armstrong (1927-28), louvada
como o evangelho (a boa nova!) do jazz. Nesses dias, Earl Hines ascendera à
condição de discípulo predilecto do mestre, que dignou-se conceituá-lo de
semi-igual – ninguém seria estulto a ponto de pretender nivelar-se acima dos
calcanhares de Armstrong – pelo feito de ter transposto para o piano as
complexidades harmónicas que Stachmo perpetrava no trompete e ao dar um
protagonismo inédito à mão esquerda na criação melódica, facilitado pelo facto
de ser ambidestro além de virtuosista.
O Grand Terrasse Café, inaugurado em
1928, sobre os alicerces do Sunset Café, com 100 mesas onde abancar, tinha como
sócio maioritário Al Capone, empresário de sucesso, patrocinador político e
benemérito dos pobres de Chicago, que só depois de preso por meras pendências fiscais
seria vilificado pela opinião pública. Earl Hines, detentor de uma peculiar noção
de elegância e requinte, nunca omitiu que fumou alguns charutos, tu cá tu lá,
com Scarface, nem que era visita assídua do actor George Raft quando passava
por Los Angeles, assim como até ao fim da vida, prudentemente nunca contou as
muitas histórias de gangsters que testemunhara, urdidas na cozinha e nas
traseiras do Grand Terrace.
À frente da casa, Earl Hines conduziu com
zelo a sua orquestra durante a era do swing, fazendo dela o farol irradiante do
Midwest; nesses anos 30 Chicago era uma poderosa praça radiofónica, donde as
ondas se propagavam sem obstáculo por toda a planície central americana. A
disciplina imposta por Hines tão dura seria que à banda puseram-lhe o alcunha
de “plantação”. Trabalhavam sete dias por semana, com três concertos diários
das nove e meia da noite até às três e meia da madrugada; menos aos Sábados:
quatro actuações, das dez às cinco. Nos meses de Verão recolhiam os dividendos
da popularidade com sobrecarregadas digressões pelo país fora – toda a gente
queria ouvir e ver ao vivo a vedetas da rádio.
A
Monday date 1928-1946
2010
Vsom
Earl Hines (piano), Louis Armstronh (trompete) Jimmy
Noone (clarinete)
[Das
variadas antologias de Earl Hines que se foram publicando, esta será
provavelmente a mais ilustrativa das que estão agora no mercado, com uma
qualidade sonora bastante aceitável graças a uma remasterização decente.]
Estas glórias e penas foram-se extinguindo
com o crepúsculo da década de 40. O Grand Terrace fechou as portas em 1950 e a
Earl Hines de pouco valeu ter incubado na sua orquestra os oficiais do bebop
Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Sarah Vaughan. Mas em vez de se reformar
fez-se à vida, primeiro inserido nos nostálgicos “all stars” de Armstrong e
depois, enfastiado com o revivalismo, reunindo pequenos combos, tocando aqui e
ali. Começou então a reafirmar o que o público – e quem sabe se também ele –
havia esquecido: era um pianista portentoso! Acabou por ser “redescoberto” em
1964, após uma série de recitais a solo em Nova Iorque.
Talvez
por ter sido periférico e por ter sido longevo – em 1975 ainda dava cartas como
se julgasse ter 30 anos, estranhando um pouco que o venerassem como um pioneiro
depois de tantos anos de oblívio – Earl Hines é compendiado com menor
relevância do que outros reis do swing; mas se lhe puxarem o lustro este “earl”
brilha tanto como Duke ou Count.
José Navarro de Andrade
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