quinta-feira, 10 de abril de 2014

Plano Director Municipal.




         No dia 10 de Março de 2014, decorreu na Colectividade Corações de Vale Figueira, São João da Talha, uma sessão de esclarecimento cujo tema era a revisão do Plano Director Municipal do concelho de Loures. O encontro não mereceria atenção se não tivesse sido um confrangedor exemplo de desapego à realidade. Suspeito que esse desprezo pelos dados empíricos não é exclusivo do poder local, mas a contínua referência ao município lourense não é meramente ilustrativa, é o fundamento desta reflexão.
         O artigo 2.º do PDM (Objectivos e estratégia) declara que «o Plano Diretor Municipal de Loures assenta numa visão sistémica com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento sustentável do território municipal, assente em três eixos estratégicos fundamentais». Deixemos a repetição verbal e atentemos na alínea a) do terceiro eixo estratégico fundamental (qualificação socio-económica), que consiste em «ajustar o quadro de desenvolvimento urbanístico às iniciativas de criação de emprego qualificado, adequado às necessidades de qualificação de recursos humanos, designadamente nas áreas da indústria de conteúdos e do terciário avançado, em ligação aos meios académico e de investigação e desenvolvimento». Descontada a eventual anexação do concelho de Oeiras e do Taguspark, ou a hipotética criação da Universidade de Loures, a ligação aos meios académicos far-se-á, talvez, através do Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares do Instituto Superior Técnico, antigo Instituto Tecnológico e Nuclear, o que dispensa o discurso pretensioso.
         A alínea d) consiste em «estabelecer oportunidades de desenvolvimento do sector turístico e das funções de recreio e lazer, ajustadas à diversidade territorial concelhia, que se perspetivem como alavancas de reabilitação ou conservação dos recursos territoriais, designadamente culturais e naturais». Boas intenções que, infelizmente, contrastam com a realidade, pois enquanto espera apostar no turismo, a Câmara Municipal de Loures deixou que a Quinta de Valflores (localizada na freguesia de Santa Iria de Azóia), um precioso exemplo de arquitectura civil do século XVI, classificada como imóvel de interesse público em 1982, e adquirida pela CML em 2006, se tornasse uma ruína. Imagino as explicações para o descaso: a propriedade privada, o regimento jurídico, o Governo… Mas a verdade é que após a destruição da característica estrutura agrícola da quinta (o pomar, o tanque e o sistema de rega), a loggia ruiu e com ela um dos poucos edifícios, juntamente com o Palácio do Correio-Mor (privado) e o Palácio dos Arcebispos (Casa do Gaiato), que poderiam levar uma pessoa a ir propositadamente a Loures em turismo.
 
 
 
         O artigo 172.º identifica (com volúpia) as UOPG e as SUOPG, pois «o território do município de Loures é abrangido por 5 Unidades Operativas de Planeamento e Gestão (UOPG) e 19 Subunidades Operativas de Planeamento e Gestão (SUOPG)». Um dos objectivos da SUOPG 19 (Plataforma Ribeirinha) é a «promoção da ligação das margens do Rio Trancão, devendo contribuir para a continuidade do espaço verde de recreio e lazer do Parque das Nações». O problema é que apesar de agradável, o despretensioso relvado que bordeja a margem sul da foz do Trancão dificilmente se compara com os espaços verdes do Parque das Nações e a associação de ambos só pode demonstrar uma excessiva liberalidade.
 
 

 
         A alínea f) do primeiro eixo estratégico fundamental (qualificação ambiental e territorial) faz «assentar a qualificação e a expansão da rede urbana num modelo de mobilidade baseado numa rede de transportes públicos estruturada que responda às necessidades de deslocações inter e intra-concelhias». Ora a câmara que pretende «ajustar o quadro de desenvolvimento urbanístico às iniciativas de criação de emprego qualificado», mas que é naturalmente incapaz de impedir as transformações do tecido produtivo, desperdiçou duas oportunidades de agir de forma consequente e de acordo com os objectivos estratégicos que apregoa. Na Estrada Nacional 10, as fábricas construídas junto ao apeadeiro da Bobadela foram substituídas por dois supermercados sem que se tivesse aproveitado a oportunidade para construir parques de estacionamento (tal como junto a algumas estações da Fertagus) que convidassem os habitantes da freguesia a deixarem os automóveis e a seguirem para Lisboa de comboio.
 
 
 
         Suspeito que o mundo do PowerPoint e da planificação cria e alimenta um discurso convencional feito de boas intenções e destinado, em grande medida, ao consumo interno. Talvez para justificarem a sua própria actividade, agentes políticos e funcionários dedicam-se a platitudes frustres sobre a economia do conhecimento e novas centralidades, quando a maioria dos munícipes deseja prosaicamente um abastecimento de água a preços razoáveis, limpeza urbana regular e adequada iluminação pública.
 
 
 
António J. Ramalho
 
 
 

3 comentários:

  1. Se a Quinta de Valflores ficasse no lado certo da área metropolitana de Lisboa já estaria recuperada. Infelizmente, não está nem em Oeiras nem em Cascais. A direita intelectual só se distingue por um anti-intelectualismo perene. Tudo o resto são tretas: preocupação com o património, com a memória e com a identidade nacional. Tudo coisas que ou o mercado, ou a prosápia, ou o Miguel Esteves Cardoso resolvem falando dos pêssegos de Colares e das passarinhas do Estoril.

    ResponderEliminar
  2. Parabéns pela denúncia tão certeira. E tão necessária, em tempos de discursos balofos e empolados. Causa dó o estado a que se deixou chegar um monumento como a quinta de Valfores. Por outro lado, achei curioso o comentário anterior, que parece deitar as culpas para a "direita intelectual", quando, como é inegável, a referida quinta fica no concelho de Loures e, portanto, sob a responsabilidade de um município há muito dominado pela esquerda.Talvez o facto de se tratar de uma casa senhorial explique o descaso criminoso a que tal edifício tem sido votado...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo inteiramente com o que diz o nosso leitor e estimado amigo Miguel Metelo de Seixas.
      Um abraço a ambos,
      António.

      Eliminar