quinta-feira, 7 de janeiro de 2016





impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 56 - GERRY MULLIGAN

      
 
 Fotografia de Bob Willoughby (1953)   
 
 
Fotografia de Heinrich Klaffs (1972)
 
      
Duas efígies teve Gerry Mulligan na vida. Uma é a do jovem adulto asseado, com um corte de cabelo à escovinha, característico dos rapazes lhanos da época, que durou pelo menos até ao final da década de 50. Outra tem o aspecto de um varão visigótico, de barbas hirsutas e longas melenas loiras, mostrado na capa de “Age of Steam”, o seu disco de regresso em 1971. Aparências tão distintas, cada qual bem ajustada ao espírito da fase em que se desvelam, medem-se pela idêntica tenacidade na lide com o saxofone barítono, instrumento que desafia a capacidade pulmonar do seu domador. Que tenha sido um trinca espinhas como Gerry Mulligan a extrair progressões harmónicas e linhas melódicas do barítono sem maiores dificuldades do que teria com um tenor, fez dele um mestre sem paralelo neste metal.
Após um período de noviciado como arranjista nas orquestras de Gene Kruppa e de Claude Thornhill, Gerry Mulligan, deu em frequentar a tertúlia que se reunia no rés-do-chão de Gil Evans. No lugar certo à hora certa da História, e demonstrando um improvável talento para quem tinha ascendência irlandesa, participou em 1949 na criação do seminal “The Birth of Cool” de Miles Davis. De todos os protagonistas da obra, Mulligan foi aquele a quem a espécie de jazz que dela resultaria mais se colou à pele, muito em consequência dos passos que deu de seguida. Como é sabido a novidade do cool não buliu com a natureza de Nova Iorque e foi assim que Gerry Mulligan, com algum crédito mas de barriga vazia, atravessou o continente à boleia até à orla do Pacífico, tal e qual como Kerouac um par de anos antes.
Los Angeles sempre foi uma cidade repleta de músicos, mas onde a música rareia. No período áureo de Hollywood cada estúdio dispunha de uma orquestra; e porque se resguardava nos bastidores a confeccionar as bandas sonoras dos filmes, a integração racial era corrente. Inúmeros artistas por ali passaram a fazer um pé-de-meia que lhes propiciasse exporem-se às vicissitudes do jazz com outro descanso. Mas quem moureja de volta das pautas em horário de assalariado, de noite quer pantufas e descanso – ainda hoje Los Angeles deita-se cedo como uma aldeia. À época em que Gerry Mulligan lá chegou praticamente só a orquestra de Stan Kenton tremeluzia o jazz na cidade das lantejoulas. Nela o saxofonista recebeu guarida, com alguma desconfiança do famosamente egocêntrico maestro.
 
 
 
The Original Gerry Mulligan / Chet Baker Quartet: Complete Recordings (Master Takes)
1952-1953 (2009)
Lone Hill Jazz / Disconforme - LHJ 10356
Gerry Mulligan (saxophone barítono), Chet Baker (trompete), Bob Whitlock (contrabaixo), Carson Smith (contrabaixo), Joe Mondragon (contrabaixo), Chico Hamilton (bateria), Larry Bunker (bateria).
 
 
À primeira oportunidade Gerry Mulligan lançou-se com um agrupamento próprio. E ela chegou graças a um ínterim no cartaz do The Haig. Era, no entanto, cláusula imposta pelo patrão do clube que a formação prescindisse do piano, pois o instrumento havia sido removido para dar lugar no pequeno palco ao vibrafone de Red Norvo, a última atracção que por lá passara. Com uma secção rítmica limitada ao contrabaixo e à bateria, entendeu Mulligan que o quarteto ficaria menos descompensado se ao lado da sonoridade robusta do saxofone barítono, que ele trataria de tornar mais dúctil e maviosa, comparecesse o timbre agudo do trompete. Mas esta haveria de infringir o mandamento do jazz que o obrigava a puxar pela estridência, arrastando as harmonias atrás de si; Mulligan queria-o distendido e absorto, como já começara a ouvi-lo em Miles Davis, disposto a uma conversa a dois com o barítono, não para um duelo extrovertido. Um projecto tão desconforme com a tradição encontrou intérprete certeiro num surpreendente rapaz autóctone – Chet Baker.
E num repente as sessões no The Haig tornaram-se a coqueluche de Los Angeles, da Califórnia, da América, com direito a capa da revista Time e tudo. Ora aqui estava um jazz nos antípodas do bebop, blasé em vez de irrequieto, sem trepidações, indolente como as praias da Califórnia, melhor para acompanhar com dry martinis do que com bourbon. Não era música isenta de tensão, mas no lugar das notas precipitadas ansiosamente em velocidade quase supersónica, ela experimentava-se agora numa espécie de abandono, como se não valesse a pena correr por nada.
Durou pouco esta hipótese de um jazz compatível com a América do Corvette descapotável e do bikini. No dia 13 de Abril de 1953 o supostamente apolíneo Gerry Mulligan foi preso por posse e consumo de heroína – o jazz era exclusivo dos rapazes maus. Mas a corrente do cool já ia como um El Niño transformar o clima do jazz desde a Califórnia.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 

2 comentários:

  1. Em primeiro lugar devo dizer que está lamentavelmente a dever uma semana de comentario.
    Grande Gerry tenho um disco curioso deste com Astor Piazola:não é dos melhores de nenhum deles mas é a minha opinião obviamente.Fico com o gravado com o Chet.Pague a dívida.

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  2. Atrasado (ando a ver os filmes dos Globos)apresento hoje o melhor de Gerry & Chet.

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