impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 56 - GERRY
MULLIGAN
Fotografia de Bob Willoughby (1953)
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Fotografia de Heinrich Klaffs (1972)
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Duas efígies teve Gerry Mulligan na
vida. Uma é a do jovem adulto asseado, com um corte de cabelo à escovinha,
característico dos rapazes lhanos da época, que durou pelo menos até ao final
da década de 50. Outra tem o aspecto de um varão visigótico, de barbas hirsutas
e longas melenas loiras, mostrado na capa de “Age of Steam”, o seu disco de regresso
em 1971. Aparências tão distintas, cada qual bem ajustada ao espírito da fase
em que se desvelam, medem-se pela idêntica tenacidade na lide com o saxofone
barítono, instrumento que desafia a capacidade pulmonar do seu domador. Que
tenha sido um trinca espinhas como Gerry Mulligan a extrair progressões
harmónicas e linhas melódicas do barítono sem maiores dificuldades do que teria
com um tenor, fez dele um mestre sem paralelo neste metal.
Após um período de noviciado como
arranjista nas orquestras de Gene Kruppa e de Claude Thornhill, Gerry Mulligan,
deu em frequentar a tertúlia que se reunia no rés-do-chão de Gil Evans. No
lugar certo à hora certa da História, e demonstrando um improvável talento para
quem tinha ascendência irlandesa, participou em 1949 na criação do seminal “The
Birth of Cool” de Miles Davis. De todos os protagonistas da obra, Mulligan foi
aquele a quem a espécie de jazz que dela resultaria mais se colou à pele, muito
em consequência dos passos que deu de seguida. Como é sabido a novidade do cool
não buliu com a natureza de Nova Iorque e foi assim que Gerry Mulligan, com
algum crédito mas de barriga vazia, atravessou o continente à boleia até à orla
do Pacífico, tal e qual como Kerouac um par de anos antes.
Los Angeles sempre foi uma cidade
repleta de músicos, mas onde a música rareia. No período áureo de Hollywood
cada estúdio dispunha de uma orquestra; e porque se resguardava nos bastidores
a confeccionar as bandas sonoras dos filmes, a integração racial era corrente.
Inúmeros artistas por ali passaram a fazer um pé-de-meia que lhes propiciasse
exporem-se às vicissitudes do jazz com outro descanso. Mas quem moureja de
volta das pautas em horário de assalariado, de noite quer pantufas e descanso –
ainda hoje Los Angeles deita-se cedo como uma aldeia. À época em que Gerry
Mulligan lá chegou praticamente só a orquestra de Stan Kenton tremeluzia o jazz
na cidade das lantejoulas. Nela o saxofonista recebeu guarida, com alguma
desconfiança do famosamente egocêntrico maestro.
The
Original Gerry Mulligan / Chet Baker Quartet: Complete Recordings (Master
Takes)
1952-1953 (2009)
Lone Hill Jazz / Disconforme - LHJ 10356
Gerry Mulligan (saxophone barítono), Chet Baker
(trompete), Bob Whitlock (contrabaixo), Carson Smith (contrabaixo), Joe
Mondragon (contrabaixo), Chico Hamilton (bateria), Larry Bunker (bateria).
À primeira oportunidade Gerry Mulligan
lançou-se com um agrupamento próprio. E ela chegou graças a um ínterim no
cartaz do The Haig. Era, no entanto, cláusula imposta pelo patrão do clube que
a formação prescindisse do piano, pois o instrumento havia sido removido para
dar lugar no pequeno palco ao vibrafone de Red Norvo, a última atracção que por
lá passara. Com uma secção rítmica limitada ao contrabaixo e à bateria,
entendeu Mulligan que o quarteto ficaria menos descompensado se ao lado da
sonoridade robusta do saxofone barítono, que ele trataria de tornar mais dúctil
e maviosa, comparecesse o timbre agudo do trompete. Mas esta haveria de
infringir o mandamento do jazz que o obrigava a puxar pela estridência,
arrastando as harmonias atrás de si; Mulligan queria-o distendido e absorto,
como já começara a ouvi-lo em Miles Davis, disposto a uma conversa a dois com o
barítono, não para um duelo extrovertido. Um projecto tão desconforme com a
tradição encontrou intérprete certeiro num surpreendente rapaz autóctone – Chet
Baker.
E num repente as sessões no The Haig
tornaram-se a coqueluche de Los Angeles, da Califórnia, da América, com direito
a capa da revista Time e tudo. Ora aqui estava um jazz nos antípodas do bebop,
blasé em vez de irrequieto, sem trepidações, indolente como as praias da
Califórnia, melhor para acompanhar com dry martinis do que com bourbon. Não era
música isenta de tensão, mas no lugar das notas precipitadas ansiosamente em
velocidade quase supersónica, ela experimentava-se agora numa espécie de
abandono, como se não valesse a pena correr por nada.
Durou pouco esta hipótese de um jazz
compatível com a América do Corvette descapotável e do bikini. No dia 13 de
Abril de 1953 o supostamente apolíneo Gerry Mulligan foi preso por posse e
consumo de heroína – o jazz era exclusivo dos rapazes maus. Mas a corrente do
cool já ia como um El Niño transformar o clima do jazz desde a Califórnia.
José Navarro de Andrade
Em primeiro lugar devo dizer que está lamentavelmente a dever uma semana de comentario.
ResponderEliminarGrande Gerry tenho um disco curioso deste com Astor Piazola:não é dos melhores de nenhum deles mas é a minha opinião obviamente.Fico com o gravado com o Chet.Pague a dívida.
Atrasado (ando a ver os filmes dos Globos)apresento hoje o melhor de Gerry & Chet.
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