quinta-feira, 28 de janeiro de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 34 - ERIC DOLPHY

 

 
Isto ainda será jazz? Uma e outra vez se levantou a pergunta ouvindo “Out to Lunch!” de Eric Dolphy sem que ela acarretasse desconsideração pela obra ou beliscasse o impacte que teve entre o vasto número dos seus apreciadores e, posteriormente, entre os músicos que vieram a influenciar-se por ela. A interrogação nasce não tanto da proximidade ao free jazz dos improvisos que se demoram em cada um dos cinco temas do disco, e são consensualmente admirados, mas da própria arquitetura harmónica e melódica de “Out to Lunch!”, onde parece não restarem vestígios da tradição do swing ou do bebop. Neste sentido Erid Dolphy foi um criador radical, mesmo que a resposta à questão seja: sim, isto é jazz, como se comprova, por exemplo e de modo inequívoco, pela instrumentação, constituída pela clássica secção rítmica: bateria, contrabaixo e vibrafone (em vez e piano); adiantada por um par de sopros de metal.
Tem-se assim que a “Out to Lunch!” vem ter, compendiado e sintetizado, tudo o que fora Eric Dolphy até então.
Cá está o jovem e virtuoso flautista que alvoreceu nas formações do adocicado Chico Hamilton, o suprassumo do cool jazz californiano, popularíssimo nos anos 50 mas ainda hoje controverso, já que a sua música, embora de estirpe impecável, é perigosamente perfeita para ambientar restaurantes com vista para o mar.
Cá está o discípulo dilecto de Charles Mingus, de quem terá assimilado as peculiaridades da estrutura e da textura musical – por exemplo a de principiar as composições com alarde, à imagem das imortais e excitantes quatro notas de abertura da 5ª de Beethoven. Oiça-se o tema inicial de “Out to Lunch!” intitulado “Hat and Beard”. Talvez seja ver mosquitos na outra banda, mas não haverá paralelismo com “Pithecanthropus Erectus de Mingus? Abertura dramática de saltar-na-cadeira; passadeira rítmica pulsante e reiterada, estendida ao longo da música; improvisações tão livres que rasam a diluição harmónica.
Cá está, ainda, o Eric Dolphy a quem acusaram de ter instigado o seu parceiro John Coltrane a enveredar por aqueles solos quilométricos, tão criticados à época como erráticos e repetitivos que ambos tiveram de se explicar numa histórica entrevista à DownBeat de Abril de 1962.
 

Out to Lunch!
1964 (1999)
Blue Note – 4987932
Eric Dolphy (clarinet baixo, flauta, saxofone alto), Freddie Hubbard (trompete), Bobby Hutcherson (vibraphone), Richard Davis (contrabaixo), Tony Williams (bateria)
 
 
Todas estas passagens, por mais voltas que lhes dermos e mais lógica lhes aplicarmos, não desenham uma linha coerente, um rumo, um progresso. Antes dão um carácter poliédrico à música de Eric Dolphy. É isto que se estranha em “Out to Lunch!” e depois se entranha e encanta. “Out to Lunch!” é assim uma encruzilhada de vários caminhos sem apontar decididamente para nenhuma saída. Tudo estaria dependente do que a seguir idealizaria Eric Dolphy. Mas não houve a seguir.
A medicina é uma ciência indutiva, para não lhe chamar divinatória; de um punhado de sintomas deduz-se uma doença. Quando os médicos de um hospital em Berlim foram informados de que aquele homem negro, que havia colapsado num quarto de hotel, era músico de jazz, desde logo consideraram ser um problema de consumo de drogas e trataram de lhe administrar desintoxicantes. Foi cura que matou o enfermo, na realidade padecedor de diabetes. A negligência e o senso comum repartem, portanto, responsabilidades na liquidação de todas as promessas que Eric Dolphy anunciava aos 36 anos de idade.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 

1 comentário:

  1. Confesso que este é mais um dos que eu admiro de ouvir falar mas que não ouvi.Vou tentar.

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