impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 34 - ERIC
DOLPHY
Isto ainda será jazz? Uma e outra vez se
levantou a pergunta ouvindo “Out to Lunch!” de Eric Dolphy sem que ela
acarretasse desconsideração pela obra ou beliscasse o impacte que teve entre o vasto
número dos seus apreciadores e, posteriormente, entre os músicos que vieram a
influenciar-se por ela. A interrogação nasce não tanto da proximidade ao free
jazz dos improvisos que se demoram em cada um dos cinco temas do disco, e são
consensualmente admirados, mas da própria arquitetura harmónica e melódica de
“Out to Lunch!”, onde parece não restarem vestígios da tradição do swing ou do bebop.
Neste sentido Erid Dolphy foi um criador radical, mesmo que a resposta à
questão seja: sim, isto é jazz, como se comprova, por exemplo e de modo
inequívoco, pela instrumentação, constituída pela clássica secção rítmica:
bateria, contrabaixo e vibrafone (em vez e piano); adiantada por um par de
sopros de metal.
Tem-se assim que a “Out to Lunch!” vem
ter, compendiado e sintetizado, tudo o que fora Eric Dolphy até então.
Cá está o jovem e virtuoso flautista que
alvoreceu nas formações do adocicado Chico Hamilton, o suprassumo do cool jazz
californiano, popularíssimo nos anos 50 mas ainda hoje controverso, já que a
sua música, embora de estirpe impecável, é perigosamente perfeita para
ambientar restaurantes com vista para o mar.
Cá está o discípulo dilecto de Charles
Mingus, de quem terá assimilado as peculiaridades da estrutura e da textura
musical – por exemplo a de principiar as composições com alarde, à imagem das
imortais e excitantes quatro notas de abertura da 5ª de Beethoven. Oiça-se o
tema inicial de “Out to Lunch!” intitulado “Hat and Beard”. Talvez seja ver mosquitos
na outra banda, mas não haverá paralelismo com “Pithecanthropus Erectus de
Mingus? Abertura dramática de saltar-na-cadeira; passadeira rítmica pulsante e
reiterada, estendida ao longo da música; improvisações tão livres que rasam a
diluição harmónica.
Cá está, ainda, o Eric Dolphy a quem
acusaram de ter instigado o seu parceiro John Coltrane a enveredar por aqueles
solos quilométricos, tão criticados à época como erráticos e repetitivos que
ambos tiveram de se explicar numa histórica entrevista à DownBeat de Abril de
1962.
Out
to Lunch!
1964 (1999)
Blue Note – 4987932
Eric Dolphy (clarinet baixo, flauta, saxofone alto),
Freddie Hubbard (trompete), Bobby Hutcherson (vibraphone), Richard Davis
(contrabaixo), Tony Williams (bateria)
Todas estas passagens, por mais voltas
que lhes dermos e mais lógica lhes aplicarmos, não desenham uma linha coerente,
um rumo, um progresso. Antes dão um carácter poliédrico à música de Eric Dolphy.
É isto que se estranha em “Out to Lunch!” e depois se entranha e encanta. “Out
to Lunch!” é assim uma encruzilhada de vários caminhos sem apontar
decididamente para nenhuma saída. Tudo estaria dependente do que a seguir
idealizaria Eric Dolphy. Mas não houve a seguir.
A medicina é uma ciência indutiva, para
não lhe chamar divinatória; de um punhado de sintomas deduz-se uma doença. Quando
os médicos de um hospital em Berlim foram informados de que aquele homem negro,
que havia colapsado num quarto de hotel, era músico de jazz, desde logo
consideraram ser um problema de consumo de drogas e trataram de lhe administrar
desintoxicantes. Foi cura que matou o enfermo, na realidade padecedor de
diabetes. A negligência e o senso comum repartem, portanto, responsabilidades na
liquidação de todas as promessas que Eric Dolphy anunciava aos 36 anos de
idade.
José Navarro de Andrade
Confesso que este é mais um dos que eu admiro de ouvir falar mas que não ouvi.Vou tentar.
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