impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos
e vencer os cépticos !
# 95 - BRAD MEHLDAU
Igual
a si própria, a Geração X levantou voo no jazz ao crepúsculo como a ave de
Minerva. Apesar de composta por um conjunto discreto – em sentido matemático – de
indivíduos, tão primos como certos números, desligados de qualquer movimento
geracional, desses que habitualmente antagonizam o passado para reinventar o
mundo, ressalta neles um número suficiente de traços comuns para que lhes seja
atribuída alguma isonomia.
Que
afinidades haverá entre Christian McBride, Nicholas Payton, Stefon Harris,
Chris Potter, Jason Moran, Kurt Rosenwinkel, Brian Blade ou Brad Mehldau –
reduzindo às proeminências uma turma mais vasta – além do facto congénito de
terem nascido circa 1970? À uma
exibem uma competência técnica irreprovável, demonstrando um comando total
sobre o instrumento, com o qual já não batalham para se exprimirem, mas que
dele sabem extrair o que lhes aprouver; à outra patenteiam uma espantosa erudição
musical, que os torna familiar com qualquer momento do trajeto evolutivo do
jazz, como se não tivesse havido história e contradição, ou seja, como se todo
o passado fosse um pano de fundo pouco menos do que homogéneo para fisgarem à la carte as soluções que em cada momento
lhes parecem mais adequadas. Apresentaram-se, portanto, sem o menor desejo de
controvérsia.
Estas
maravilhas ofereceram-lhes no princípio deste século, uma oportunidade e um
destaque invulgares: antes da idade em que Cristo começou a pregar, já estavam
afiliados numa editora discográfica de primeira linha. Que o tempo viesse a
fazer as suas triagens e consumisse algumas destas promessas com hesitações e
equívocos, é outra história que aqui não cabe.
Brad
Mehldau, por exemplo, nunca desiludiu as expectativas nele investidas e disco a
disco foi solidificando um estatuto emérito no jazz contemporâneo, até com
alguma popularidade junto das franjas de “bom gosto”, que não costumam
frequentar o género – um caso de sucesso, como se diz no linguajar utilitário.
Places
2000
Warner Bros. - 9362476932
Brad Mehldau (piano), Larry
Grenadier (contrabaixo), Jorge Rossy (bateria).
Na
discografia do pianista o disco “Places” estacionará no cume de uma primeira
fase, mas hoje ouve-se como um trabalho intermédio de um percurso musical que
entretanto explorou vários meandros e se debruçou nalgumas sacadas imprevistas,
de tal modo que não se sabe para onde vai. A constatação desta
imprevisibilidade, não é pungida por qualquer juízo de valor, mas resulta de o
jazz ser hoje um género precário, sem futuro garantido. “Places” foi, ainda
assim, a fasquia que passou a medir a música de Brad Mehldau e o ponto cardeal
que deu o norte ao seu estilo; aferição que se revelou como um prognóstico
perfeitamente sentido à época.
A
(extensa e rebuscada) nota introdutória escrita por Brad Mehldau no folheto do
CD é interpolada por citações de Goethe, Richard Rorty, Walter Benjamin e
Emerson, mas uma das fotos que o ilustram exibe o trio num urinol, com o
pianista no meio, a olhar para fora de campo sobre o ombro esquerdo. “Places”
pretende, portanto, abarcar um roteiro que vai do éter à ureia,
espiritualizando e desmistificando na mesma penada.
O
alarme que a puerilidade deste programa possa suscitar mitiga-se ouvindo o
disco de olhos fechados, dando a perceber, deste modo, que nele não há
vestígios de pretensiosismo ou de enfatuamento. A ironia, talvez involuntária,
é que “Places” pode deveras ser rotulada de obra conceptual, mas somente porque
Mehldau a idealizou como a sublimação sonora do pathos dos lugares que dão nome
às composições – donde o título.
Descontadas
as inflamações juvenis fica o que verdadeiramente interessa, uma sensibilidade lírica
que não se deixa esmagar pelo brilho da técnica, capaz de aludir à depuração melancólica
de Bill Evans (paralelo que Mehldau veio a rejeitar, quando se tornou demasiado
pesado) e no compasso seguinte recordar os dedos voadores de Oscar Peterson,
tudo isto caminhando sobre as águas harmónicas de Thelonious Monk.
Em
“Places” Brad Mehldau confirma que leu os mestres, mas não os cita; está ciente
da tradição, mas não se deixa reger por ela, tanto como não sente necessidade
de romper com ela. Quer dizer: atinge lugares musicais conhecidos com um estilo
reconhecível, mas o mapa do itinerário, só ele tem o segredo.
José Navarro de Andrade
Aqui está um dos músicos que eu mais aprecio. Não sei bem porquê, a música dele tem magia, encanta-me completamente. Compro compulsivamente e ouço tudo o que ele edita com um prazer desmedido. Pela noite entrada, no sofá coçado de cabedal da sala, um copo de porto, uma pastilha de chocolate preto e Brad Mehldau. O mundo é perfeito.
ResponderEliminarO mundo arrisca a perfeição quando fazemos o que queremos. Também é verdade que o génio de Mehldau ajuda muito...
ResponderEliminarGrande obra comtão pouca idade.Tive a sorte de assistir dois espetáculos:Casa da Música e Teatro circo.trio e solo.Muito bons apesar do frio em Braga.Gosto sobretudo da serie Arte do Trio.
ResponderEliminarSuper atrasado, vou publicar entre hoje e amanhã um deste e outro do Olivier Nelson.
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