Ontem
choveram e-mails no ecrã do meu portátil, todos mais ou menos no género deste
que, em amostra, reproduzo:
Chegaram
notícias sobre documentos da juventude de Fernando Pessoa descobertos
(descoberta em Julho, mas agora divulgada) numa garagem na África do Sul,
que ao que percebi estariam a ser estudados na Universidade de Brown. Feliz
coincidência ser na sua Universidade. Confirma?
Abraço,
P.
P.
Soube depois tratar-se de uma
notícia da RDP, reprodução de uma mais longa publicada na Folha de S. Paulo.
Resumidissimamente, a história é
assim:
Hubert D. Jennings foi professor no
Durban High School na África de Sul, mas depois de Pessoa lá ter sido aluno.
Mais tarde foi reitor desse liceu e, já na sua aposentação, pediram-lhe que
escrevesse a história da instituição por ocasião do centenário. Ao fazer
pesquisa, descobriu que nesse liceu estudara um famoso aluno – Fernando Pessoa.
Tão interessado ficou nele que, em 1968, foi para Portugal pesquisar mais sobre
ele e até aprendeu português. Chegou a falar muitíssimo bem.
Nada disto é novidade. Jennings
publicou em 1984 Os dois exílios: Fernando Pessoa na África do Sul,
muito conhecido sobretudo dos pessoanos. Antes dele, o que sabíamos sobre
Pessoa era praticamente o que Alexandrino Severino (um olhanense emigrado no
Brasil e um dos primeiros pessoanos neste hemisfério ocidental – amigo de
saudosa memória) Fernando Pessoa na África do Sul: a formação inglesa de
Fernando Pessoa, editado em Lisboa em 1983, mas com uma edição brasileira
surgida muito anteriormente.)
Quando em Maio do ano passado
organizámos na Brown um colóquio sobre “Pessoa, poeta inglês” (o trabalho foi
todo do Patrício Ferrari, investigador-visitante aqui na Brown a trabalhar num
pós-doutoramento precisamente nessa área), o Patrício soube do interesse de
Christopher Jennings, filho de Hubert Jenings, em vir assistir ao colóquio e
perguntou-me se deveríamos enviar-lhe um convite pessoal. Claro que sim. Ele
veio mais a Jeanne, sua mulher, e adorou a experiência. Bem impressionado com o
que viu, mostrou interesse em que o espólio pessoano do seu pai viesse para a
Brown. Ainda me cerifiquei com ele se não seria melhor enviá-lo para a Casa
Fernando Pessoa, ou a Biblioteca Nacional, em Lisboa, mas ele insistiu: se nós
(o George Monteiro também esteve na conversa) o quiséssemos para a Brown, ele
preferia que ficasse aqui. Face a essa disposição, levei-o à biblioteca John
Hay, onde estão os manuscritos de José Rodrigues Miguéis, para ele ver as
instalações. Ficou, porém, claro que não dependeria de mim a aceitação da
oferta.
Foi então que pedi ao Patrício que
fosse a Nova Iorque avaliar o espólio, que estava ao cuidado de um amigo de
Christopher, o escritor Mathew Hart. O Patrício regressou com uma descrição
minuciosa e achei que seria de aceitar a oferta. O passo seguinte seria
convencer a John Hay Library, biblioteca de manuscritos literários da Brown, a
aceitar (as ofertas de manuscritos são muitas e a biblioteca não tem espaço
ilimitado). Para tal, preparei uma justificação por escrito e reuni-me com os
encarregados de espólios. Pouco tempo depois, a doação ficava formalmente
aceite pela biblioteca e os papéis de Hubert Jennings vinham então para a
Brown. Entretanto, em todas estas conversações estava envolvido o Jerónimo
Pizarro que, a partir de Bogotá, hoje gere uma rede notável de jovens
investigadores interessados no espólio pessoano. O mais recente é Carlos
Pitella Leite, um jovem brasileiro bilingue a viver em Michigan, que com o
apoio financeiro de Jennings (Christopher fez fortuna nos diamantes e não sei
mais quê) ficou a trabalhar no espólio do pai. Decidimos entretanto dedicar um
número da revista Pessoa Plural exclusivamente ao espólio de Hubert
Jennings, que saiu em Dezembro. É o número 8 da revista, inteiramente preparado
pelo Carlos Pittella Leite, que esteve por duas vezes aqui na Brown, a meu
convite, a tratar de pormenores da edição. Assim, fica muito material publicado,
mas há mais que irá surgindo a seu tempo na editora Gávea-Brown. Para já, os
interessados em saber mais sobre o tema têm aqui acesso a esse número da
revista:
Onésimo Teotónio de Almeida
Serviço público de primeiríssima água.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar