terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O espólio de Pessoa.

 
 
 
 
 
Ontem choveram e-mails no ecrã do meu portátil, todos mais ou menos no género deste que, em amostra, reproduzo:
 
Chegaram notícias sobre documentos da juventude de Fernando Pessoa descobertos (descoberta em Julho, mas agora divulgada)  numa garagem na África do Sul, que ao que percebi estariam a ser estudados na Universidade de Brown. Feliz coincidência ser na sua Universidade. Confirma?
Abraço,
P.
Soube depois tratar-se de uma notícia da RDP, reprodução de uma mais longa publicada na Folha de S. Paulo.
Resumidissimamente, a história é assim:
Hubert D. Jennings foi professor no Durban High School na África de Sul, mas depois de Pessoa lá ter sido aluno. Mais tarde foi reitor desse liceu e, já na sua aposentação, pediram-lhe que escrevesse a história da instituição por ocasião do centenário. Ao fazer pesquisa, descobriu que nesse liceu estudara um famoso aluno – Fernando Pessoa. Tão interessado ficou nele que, em 1968, foi para Portugal pesquisar mais sobre ele e até aprendeu português. Chegou a falar muitíssimo bem.
Nada disto é novidade. Jennings publicou em 1984 Os dois exílios: Fernando Pessoa na África do Sul, muito conhecido sobretudo dos pessoanos. Antes dele, o que sabíamos sobre Pessoa era praticamente o que Alexandrino Severino (um olhanense emigrado no Brasil e um dos primeiros pessoanos neste hemisfério ocidental – amigo de saudosa memória) Fernando Pessoa na África do Sul: a formação inglesa de Fernando Pessoa, editado em Lisboa em 1983, mas com uma edição brasileira surgida muito anteriormente.)
Quando em Maio do ano passado organizámos na Brown um colóquio sobre “Pessoa, poeta inglês” (o trabalho foi todo do Patrício Ferrari, investigador-visitante aqui na Brown a trabalhar num pós-doutoramento precisamente nessa área), o Patrício soube do interesse de Christopher Jennings, filho de Hubert Jenings, em vir assistir ao colóquio e perguntou-me se deveríamos enviar-lhe um convite pessoal. Claro que sim. Ele veio mais a Jeanne, sua mulher, e adorou a experiência. Bem impressionado com o que viu, mostrou interesse em que o espólio pessoano do seu pai viesse para a Brown. Ainda me cerifiquei com ele se não seria melhor enviá-lo para a Casa Fernando Pessoa, ou a Biblioteca Nacional, em Lisboa, mas ele insistiu: se nós (o George Monteiro também esteve na conversa) o quiséssemos para a Brown, ele preferia que ficasse aqui. Face a essa disposição, levei-o à biblioteca John Hay, onde estão os manuscritos de José Rodrigues Miguéis, para ele ver as instalações. Ficou, porém, claro que não dependeria de mim a aceitação da oferta.
Foi então que pedi ao Patrício que fosse a Nova Iorque avaliar o espólio, que estava ao cuidado de um amigo de Christopher, o escritor Mathew Hart. O Patrício regressou com uma descrição minuciosa e achei que seria de aceitar a oferta. O passo seguinte seria convencer a John Hay Library, biblioteca de manuscritos literários da Brown, a aceitar (as ofertas de manuscritos são muitas e a biblioteca não tem espaço ilimitado). Para tal, preparei uma justificação por escrito e reuni-me com os encarregados de espólios. Pouco tempo depois, a doação ficava formalmente aceite pela biblioteca e os papéis de Hubert Jennings vinham então para a Brown. Entretanto, em todas estas conversações estava envolvido o Jerónimo Pizarro que, a partir de Bogotá, hoje gere uma rede notável de jovens investigadores interessados no espólio pessoano. O mais recente é Carlos Pitella Leite, um jovem brasileiro bilingue a viver em Michigan, que com o apoio financeiro de Jennings (Christopher fez fortuna nos diamantes e não sei mais quê) ficou a trabalhar no espólio do pai. Decidimos entretanto dedicar um número da revista Pessoa Plural exclusivamente ao espólio de Hubert Jennings, que saiu em Dezembro. É o número 8 da revista, inteiramente preparado pelo Carlos Pittella Leite, que esteve por duas vezes aqui na Brown, a meu convite, a tratar de pormenores da edição. Assim, fica muito material publicado, mas há mais que irá surgindo a seu tempo na editora Gávea-Brown. Para já, os interessados em saber mais sobre o tema têm aqui acesso a esse número da revista:
 
 
Onésimo Teotónio de Almeida
 
 
 
 

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