sexta-feira, 15 de janeiro de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 71 - OLIVER NELSON

 



 
 
Talvez tenha sido a morte prematura de Oliver Nelson, e desta vez por “razões naturais”, isto é: ataque cardíaco em vez de cirrose ou overdose, que o terá impedido de desenvolver com maior apuro o seu talento de orquestrador e arranjador. Mas também é possível afirmar, ouvindo o que fez antes e depois de “The Blues and the Abstract Truth” que esta obra tenha sido um tiro certeiro com a única bala que tinha na câmara.
A história de Oliver Nelson é a de um homem bem comportado, fenómeno raríssimo no jazz, sobretudo o da sua geração. Proveniente de uma família musical, fez as coisas como deve ser: tirou um curso universitário em composição e em teoria e no final da década de 50, já em Nova Iorque, começou o seu tirocínio nas orquestras de Louis Jordan e Erskine Hawkins. Como saxofonista era competente, nada notável; como arranjador salientou-se. O passo seguinte foi uma tournée europeia a convite de Quincy Jones, que de certo modo Nelson passaria a emular, após o que, para não fugir à regra, começaria a publicar discos em nome próprio. Foram nove, todos na etiqueta Prestige, antes de “The Blues and the Abstract Truth” nenhum deles capaz de levantar as orelhas da crítica, sequer de antecipar o que aí vinha.
O primeiro sinal de que “The Blues and the Abstract Truth” poderia ser fulminante, foi o conjunto de músicos convocado por Oliver Nelson. Sabemos hoje, que estavam todos em ponto rebuçado, no ápex da sua criatividade. Eric Dolphy e Freddie Hubbard tinham acabado de acompanhar Ornette Coleman em “Free Jazz” e iam a caminho de “Olé!” de John Coltrane; Bill Evans, três meses depois gravaria ao vivo os essenciais “Sunday at the Village Vanguard” e “Waltz for Debbie”; Paul Chambers fazia parte da formação de Miles Davis que havia criado “Sketches From Spain” e Roy Haynes, baguete para toda a obra, viera de Stan Getz e seguiria para Steve Lacy, isto é como quem dá a volta ao mundo.
 
 

 
 
The Blues and the Abstract Truth
1961
Impulse! - 1704656
Oliver Nelson (saxofones tenor e alto); Eric Dolphy  (saxofone alto, flauta); Freddie Hubbard (trompete); George Barrow (saxofone barítono); Bill Evans (piano); Paul Chambers (contrabaixo); Roy Haynes (bateria).
 
 
Todas estas experiências confluíram em “The Blues and the Abstract Truth” e nele encontraram lugar ao sol, com uma espécie de naturalidade que os arranjos de Oliver Nelson foram capazes de sublimar.
O fulgor da obra resulta de uma característica pouco frequente e, sobretudo, pouco estimada: que nas condições certas a personalidade pode valer mais do que a novidade.
O tema de abertura, “Stolen Moments” tornou-se um clássico instantâneo e ainda hoje Freddie Hubbard cita-o como o seu melhor trabalho. O enérgico e melódico uníssono dos metais de abertura tem um vibrato dramático, como se fosse a banda sonora de filme negro. Os sequentes solos de Hubbard na trompete, Dolphy na flauta e Nelson no tenor, ampliam esta sensação enquanto vão provando que a matriz de 12 compassos dos blues tem recursos infinitos. Segue-se “Hoe-Down”, um autêntico palimpsesto. Nelson escreveu uma variação sobre o tema central de “Rodeo” e “Hoe-Down” de Aaron Copeland, que já o tinha ido recolher de “Bonaparte Retreat” William H. Stepp um dos magistrais violinistas populares do Kentucky ao velho estilo dos Apalaches. Trata-se de uma declaração: Oliver Nelson quer incorporar no jazz toda a música americana – e convence. Os restantes quatro temas embora não voando tão alto quanto estes, reiteram o sofisticado talento composicional de Oliver Nelson.
À excepção de Quincy Jones, da sua geração foi Nelson quem singrou com mais sucesso na cadeia alimentar da indústria musical. Em 1967 estabeleceu-se em Hollywood, tendo escrito temas para séries tão famosas como Ironside, Columbo e Six Million Dollar Man. Não se terá acomodado à mansão com piscina, mas também viu poucos motivos para trocá-la pelas caves de Nova Iorque. Se não tivesse morrido aos 43 anos podemos imaginar que haveria de atingir uma reputação semelhante à de Quincy.
 
 
José Navarro de Andrade

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