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100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 71 - OLIVER
NELSON
Talvez
tenha sido a morte prematura de Oliver Nelson, e desta vez por “razões
naturais”, isto é: ataque cardíaco em vez de cirrose ou overdose, que o terá
impedido de desenvolver com maior apuro o seu talento de orquestrador e
arranjador. Mas também é possível afirmar, ouvindo o que fez antes e depois de
“The Blues and the Abstract Truth” que esta obra tenha sido um tiro certeiro
com a única bala que tinha na câmara.
A
história de Oliver Nelson é a de um homem bem comportado, fenómeno raríssimo no
jazz, sobretudo o da sua geração. Proveniente de uma família musical, fez as
coisas como deve ser: tirou um curso universitário em composição e em teoria e
no final da década de 50, já em Nova Iorque, começou o seu tirocínio nas
orquestras de Louis Jordan e Erskine Hawkins. Como saxofonista era competente,
nada notável; como arranjador salientou-se. O passo seguinte foi uma tournée
europeia a convite de Quincy Jones, que de certo modo Nelson passaria a emular,
após o que, para não fugir à regra, começaria a publicar discos em nome
próprio. Foram nove, todos na etiqueta Prestige, antes de “The Blues and the
Abstract Truth” nenhum deles capaz de levantar as orelhas da crítica, sequer de
antecipar o que aí vinha.
O
primeiro sinal de que “The Blues and the Abstract Truth” poderia ser fulminante,
foi o conjunto de músicos convocado por Oliver Nelson. Sabemos hoje, que
estavam todos em ponto rebuçado, no ápex da sua criatividade. Eric Dolphy e
Freddie Hubbard tinham acabado de acompanhar Ornette Coleman em “Free Jazz” e
iam a caminho de “Olé!” de John Coltrane; Bill Evans, três meses depois
gravaria ao vivo os essenciais “Sunday at the Village Vanguard” e “Waltz for
Debbie”; Paul Chambers fazia parte da formação de Miles Davis que havia criado
“Sketches From Spain” e Roy Haynes, baguete para toda a obra, viera de Stan
Getz e seguiria para Steve Lacy, isto é como quem dá a volta ao mundo.
The Blues and the Abstract Truth
1961
Impulse! - 1704656
Oliver Nelson
(saxofones tenor e alto); Eric Dolphy
(saxofone alto, flauta); Freddie Hubbard (trompete); George Barrow
(saxofone barítono); Bill Evans (piano); Paul Chambers (contrabaixo); Roy
Haynes (bateria).
Todas
estas experiências confluíram em “The Blues and the Abstract Truth” e nele
encontraram lugar ao sol, com uma espécie de naturalidade que os arranjos de Oliver
Nelson foram capazes de sublimar.
O
fulgor da obra resulta de uma característica pouco frequente e, sobretudo,
pouco estimada: que nas condições certas a personalidade pode valer mais do que
a novidade.
O
tema de abertura, “Stolen Moments” tornou-se um clássico instantâneo e ainda
hoje Freddie Hubbard cita-o como o seu melhor trabalho. O enérgico e melódico
uníssono dos metais de abertura tem um vibrato dramático, como se fosse a banda
sonora de filme negro. Os sequentes solos de Hubbard na trompete, Dolphy na
flauta e Nelson no tenor, ampliam esta sensação enquanto vão provando que a
matriz de 12 compassos dos blues tem recursos infinitos. Segue-se “Hoe-Down”,
um autêntico palimpsesto. Nelson escreveu uma variação sobre o tema central de
“Rodeo” e “Hoe-Down” de Aaron Copeland, que já o tinha ido recolher de
“Bonaparte Retreat” William H. Stepp um dos magistrais violinistas populares do
Kentucky ao velho estilo dos Apalaches. Trata-se de uma declaração: Oliver
Nelson quer incorporar no jazz toda a música americana – e convence. Os restantes
quatro temas embora não voando tão alto quanto estes, reiteram o sofisticado
talento composicional de Oliver Nelson.
À
excepção de Quincy Jones, da sua geração foi Nelson quem singrou com mais
sucesso na cadeia alimentar da indústria musical. Em 1967 estabeleceu-se em
Hollywood, tendo escrito temas para séries tão famosas como Ironside, Columbo e
Six Million Dollar Man. Não se terá acomodado à mansão com piscina, mas também
viu poucos motivos para trocá-la pelas caves de Nova Iorque. Se não tivesse
morrido aos 43 anos podemos imaginar que haveria de atingir uma reputação
semelhante à de Quincy.
José Navarro de Andrade
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