Ralph Fox (1900-1936)
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Jornalista,
escritor, militante do Partido Comunista inglês, biógrafo de Marx e Gengis Cã,
Ralph Winston Fox (1900-1936)
notabilizou-se como combatente na Guerra Civil de Espanha, tendo morrido na
Batalha de Lopera, em finais de 1936. Com tradução de Rui Lopes, prefácio de
José Neves e ilustrações de António Paredes, a Tinta-da-china publicou em 2006 Portugal Now. Um espião comunista no Estado
Novo http://www.bulhosa.pt/livro/portugal-now-um-espiao-comunista-no-estado-novo-ralph-fox/,
livrinho de Ralf Fox em que este conta a sua passagem por Portugal. Um breve
extracto:
Lisboa, Avenida da Liberdade, 1936
Fotografia de Eduardo Portugal
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Se
alguma vez considerar a hipótese do exílio, voluntário ou involuntário, terá à
escolha muitos sítios piores do que Lisboa.
A cidade é limpa e pitoresca, banhada
por uma luz dourada, suave e encantadora, que apaziguará a tristeza do exílio;
também não há pobreza à vista, o que nos poupa a remorosos quando nos sentamos
à mesa num dos três hotéis confortáveis de Lisboa.
É certo que esta ausência de pobreza é
um mero acidente arquitectónico, pois os pobres, como em qualquer outra cidade,
são a maioria da população, mas encontram-se convenientemente afastados e
arrumados nas ruas íngremes e estreitas que as largas avenidas centrais não
cruzam.
Apesar de tudo, até mesmo a pobreza
parece suportável sob a doce luz de Lisboa, e como a moeda nacional está
alegremente desvalorizada, a vida parece barata – mesmo que não o pareça aos
nativos.
O terceiro factor indispensável ao
ambiente do exílio também aqui se encontra – uma atmosfera cosmopolita.
É verdade que a maioria dos habitantes
são obstinadamente portugueses, mas os exilados são todos espanhóis, os
exportadores de vinho são ingleses, os comboios são alemães, o gás e a
electricidade são franco-belgas; os eléctricos, os telefones, os marcos de
correio e os capacetes dos polícias são também ingleses; por outro lado, a
política do governo é italo-alemã.
Este governo exemplar criou
recentemente uma estância para estrangeiros, situada no topo de uma falésia por
cima de uma faixa atlântica de praia, a uns trinta quilómetros de Lisboa. É
verdade que eles não fizeram o Estoril motivados por sentimento de pura
hospitalidade, mas eis que ele ali está agora, e não vale a pena esconder a
gratidão por isso.
De facto, o Estoril é um local único em
todo o mundo, pois é a única estância de recreio que foi criada directamente
pela crise económica mundial. Eis a razão para este paradoxo. Os portugueses,
tal como os irlandeses, são uma nação de camponeses pobres que depende dos
familiares ricos da América para obter o dinheiro que lhes permite viver. O
orçamento português, tal como o camponês português, sempre dependeu em grande
medida dessas remessas mensais do Brasil. Com a crise, elas começam a diminuir.
Então, o astuto ditador Salazar, que tinha desvalorizado a moeda, indexando-a
depois à libra inglesa – que também já estava desvalorizada –, lembrou-se de
construir o Estoril para atrair turistas estrangeiros.
Há uma esplanada encantadora sobre a
praia, um casino luxuoso, e um belíssimo hotel com um bar muito moderno. Sally,
que tinha sido o primeiro barman
nesse local, afiança a qualidade do bar. Ele contou-me que o primeiro habitante
do Hotel Palace – e, durante duas semanas, o único hóspede – foi Chiappe, o
ex-prefeito da Polícia de Paris. Não sei se Chiappe foi também o primeiro
visitante a jogar no casino, pois Sally só gosta de jogar dados, e com os dados
ele é um mestre.
Além do mais, Sally joga sempre para
ganhar e, tendo em conta que Chiappe é conhecido por ter a mesma fraqueza,
Sally não terá provavelmente demonstrado qualquer interesse por uma tal faceta
do seu hóspede.
O Estoril está ligado a Lisboa por uma
boa estrada e por uma linha de comboio. É o paraíso de um exilado. Os grandes
de Espanha, os condes, marqueses e duques apaixonaram-se pelo Estoril. Enchem o
casino todas as noites, nas suas elegantes roupas inglesas; sentam-se na esplanada
à tarde, apanham banhos de sol (sem as roupas inglesas) de manhã.
(…)
De tempos a tempos, os salões dos
hotéis agitavam-se com a chegada romântica de refugiados estrangeiros ricos.
Lembro-me de um desses casos: uma lânguida senhora espanhola com passaporte
dinamarquês, presenteando um exportador de vinho inglês com a descrição dos
horrores da vida entre os anarquistas de Barcelona. Ela tinha fugido para a
Alemanha, e depois para a Escandinávia. Agora ia regressar a Espanha, para se
juntar ao seu marido, seguro atrás das linhas rebeldes.
Estava tudo preparado para ela. O
cônsul dinamarquês tinha visado o seu passaporte junto dos rebeldes e enviara
telegramas dela para o marido, que se encontrava em Ayamonte, na fronteira de
Espanha. Em Ayamonte, disse o exportador de vinhos, os ingleses estariam pronto
a abençoar pessoalmente a reunião desta família. Não tinha o seu apartamento em
Barcelona sido revistado por brutos que procuravam jóias? Na sua presença, um
cavalheiro sentia-se instintivamente um Pimpinela Escarlate.
Por vezes, nos salões dos hotéis,
ouviam-se conversas de grandes negócios. Pode ouvir-se (como se ouviu uma vez)
um francês que tenta vender munições e um judeu inglês que tenta vender
máscaras de gás, ao mesmo tempo representante de Burgos. Uma vez ouvi alguém a
preparar uma deslocação dos seus negócios de Espanha para Portugal.
Que estava disposto a iniciar a sua produção
em Portugal, dizia ele ao pequeno funcionário do governo português, tímido e servil,
se conseguisse usar petróleo em vez de electricidade. Em breves momentos,
ouviram-se referências a grandes nomes: Shell, Rio Tinto, Rotschild, um banco
inglês.
Tudo isto representa o outro lado da
contra-revolução. Quando lemos acerca do homens e das mulheres que lutam
desesperadamente para serem livres em Espanha, das tropas africanas e dos
legionários estrangeiros, dos massacres de prisioneiros e do bombardeamento de
crianças, não esqueçamos Lisboa, ou o quadro ficará incompleto.
Ralph Fox
Uma elegância na escrita. Luminoso! Um único senão: Um comunista e um soldado que só consegue encontrar conforto em três dos hotéis de Lisboa? Perdoa-se na presunção de ser uma figura de estilo!
ResponderEliminarMais uma vez, obrigada!
ResponderEliminarMaria Teresa Mónica
Muito bons estes olhares sobre uma outra Lisboa.
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