A resolução de conflito no leste da
Ucrânia, que parecia ser apenas uma questão de tempo depois de assinatura do Protocolo
de Minsk, em Setembro de 2014 [i], e
do conjunto de medidas do documento Minsk II, de Fevereiro de 2015 [ii],
encontra-se hoje num impasse. Após o progresso significativo da implementação
dos primeiros três pontos do documento relativos ao cessar-fogo, ao afastamento
da artilharia de grande calibre e ao acesso à área de conflito dos enviados da
OSCE, o processo de resolução pacífica não evoluiu desde meados do ano passado.
Pelo contrário, uma série de iniciativas do lado ucraniano, apesar de todas as
declarações “pacíficas”, mostra que este não está interessado na resolução do
problema no âmbito das reuniões diplomáticas e prepara o terreno para o recurso
à força, aplicando a lógica clássica de que “a guerra é a continuação da política
por outros meios”.
Antes de tudo, surpreende o facto de que
a Ucrânia, juntamente com uma série de países que a apoiam, tenta responsabilizar
a Rússia pelos próximos passos no âmbito de processo de Minsk. Ora, é preciso
recordar que Moscovo nem sequer é parte do conflito. A Rússia atua como um
garante da execução do Minsk II, ou seja, desempenha o mesmo papel que a
Alemanha e a França. A única diferença reside no fato de que as acções da
Rússia têm como destinatário, não as autoridades ucranianas, mas as milícias
das duas repúblicas não reconhecidas. E, em segundo lugar, nem o Presidente
russo, nem o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, nem os outros altos
funcionários russos têm a capacidade para promover as alterações à Constituição
ucraniana ou às suas leis. Não devemos esquecer que os próximos passos na
resolução do conflito estão relacionados com a necessidade de marcação das
eleições nas duas repúblicas, a adoção das leis de amnistia e de garantias de não
perseguição futura das pessoas ligadas aos acontecimentos no leste ucraniano,
bem como à troca dos prisioneiros com base no princípio de "todos para
todos". Quem, além das autoridades ucranianas, pode dar estes passos?
Porém, a falta de vontade política está
longe de ser o único factor que aponta para uma escalada militar muito próxima.
Existe um conjunto de problemas internos que são complementados com os factores
externos, de entre os quais destacamos os seguintes:
·
A perda da popularidade das autoridades
ucranianas nos olhos da população da Ucrânia devido a um declínio contínuo nos
padrões de vida, ao aumento sem precedentes dos preços e das tarifas, e o
aumento do nível da criminalidade devido, antes de tudo, ao acréscimo do número
de armas provenientes da zona de conflito. Nestas situações, transferir a
atenção da população civil para os problemas externos é uma táctica frequente;
·
A situação geral complica-se pela não
adesão da Ucrânia à União Europeia, tendo esta, é bom lembrar, sido uma das
principais promessas dos líderes de Maidan. Entretanto, o referendo de saída no
Reino Unido pode vir a ter um efeito catastrófico, porque, muito provavelmente,
irá enterrar, por vários anos, a
possibilidade de entrada de novos membros na UE;
·
A impossibilidade de cumprir um dos
principais objectivos da política externa da Ucrânia, a adesão à NATO, enquanto
não forem resolvidas as questões territoriais pendentes;
·
A transformação gradual das duas
repúblicas não reconhecidas em verdadeiros Estados, através da criação de
exércitos, da instituição de Parlamentos, da introdução dos passaportes, etc. Naqueles
territórios, o rublo russo já se tornou na moeda principal. Além disso, decorre
uma reestruturação da economia e do sector financeiro, em resultado da qual
diminui a dependência das repúblicas do resto da Ucrânia. Kiev está, assim a
deixar de ter qualquer influência nas duas repúblicas;
·
A intensificação dos contactos
diplomáticos entre a Rússia e a EU e a alteração da retórica no âmbito da
“guerra de sanções”. Já este Verão, a prorrogação das sanções contra a Rússia
não foi feita automaticamente e exigiu a discussão prévia. O ano de 2017 poderá
ser marcado pelo cancelamento total ou parcial das sanções;
·
A construção do gasoduto North Stream 2, bem como a possível
construção de um gasoduto no sul da Europa – o chamado Turkish Stream. No caso de concretização destes dois projectos, a
Ucrânia pode perder a capacidade de ser o principal país de trânsito de gás russo
para a Europa, a única ferramenta séria de influência contra a Rússia nas mãos
das autoridades ucranianas. Neste momento, está a decorrer a discussão sobre a
construção do Turkish Stream ao nível
das empresas e ao nível ministerial. Mas, já no dia 9 de agosto, o presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan, chega em visita oficial a Moscovo[iii],
durante a qual poderão vir a ser acordados
os detalhes do futuro projecto, o que, de
facto, vai significar que se chega a um “ponto de não retorno";
·
As tranches do FMI de ajuda económica à
Ucrânia, podem vir a ser utilizadas de forma inapropriada. Em geral, a situação
calma no leste da Ucrânia leva à diminuição do interesse por esta região e à
diminuição da ajuda económica provinda da União Europeia;
·
Manter os soldados nas trincheiras
torna-se demasiado caro e perigoso, enquanto que o seu regresso a casa pode dar
início à uma série de acontecimentos que ameaça levar à queda dos que estão
hoje no poder;
·
As declarações oficiais recentes do
Conselho de Segurança da Ucrânia sobre a possível imposição da lei marcial[iv].
Deve notar-se que, além do Conselho de Segurança, esta iniciativa é apoiada
pelo Ministério da Defesa e pela coligação da maioria dos deputados do
Parlamento. Contra está apenas o Governo. A posição do Presidente não está
clara. A aplicação prática da lei marcial foi testada nos recentes exercícios “Sea Breeze-2016” da Ucrânia e dos EUA[v];
·
O incidente recente com a tentativa das
tropas ucranianas de furar a frente das milícias na área de Debaltsevo[vi], pode
ser um teste pré-guerra dos recursos, de atenção e da preparação dos soldados
adversários;
·
As declarações da Vice-Primeiro-Ministro
da integração europeia e euro-atlântica da Ucrânia – Ivanna Klympush-Tsintsadze[vii],
e as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia – Pavlo
Klimkin[viii],
feitas logo após a Cimeira dos Estados-membros da NATO, em 8-9 de Julho de
2016, em Varsóvia, na Polónia, sobre um pacote de ajuda sem precedentes, que
incluirá a ajuda material e técnica em 40 direcções. No dia 29 de Julho, surgiu
a informação dos serviços de informações de uma das repúblicas não reconhecidas
que o voo RCH 920 que vinha da base de Força Aérea dos EUA Spangdahlem, trouxe à região de Lviv, na Ucrânia, centenas unidades
de armas letais[ix].
A quantidade de ajuda militar fornecida à Ucrânia no último ano foi
extraordinária.
Os sinais de um possível conflito
próximo são sentidos na Europa (nomeadamente na OSCE), na ONU e na Rússia. Em
junho, os representantes do chamado "Quarteto de Normandía"
cancelaram mais uma reunião, explicando esse facto pelo impasse nas negociações.
No recente relatório do Alto Comissário das Nações Unidas é observado, pela
primeira vez, que a culpa da provocação do conflito cabe tanto às autoridades
que defendem a integridade da Ucrânia como aos líderes das repúblicas não reconhecidas.
Isto significa que, pela primeira vez, de
facto, o conflito no leste da Ucrânia foi declarado como uma guerra civil.
De acordo com os dados da missão especial de monitorização da OSCE, só entre 12
e 20 de Julho, as cidades sob o controlo das milícias estiveram 15 vezes sob
fogo que provinha das posições dos militares ucranianos[x]. Entretanto,
no dia 6 de Julho o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia anunciou a
preparação, pela Ucrânia, de uma operação militar contra as duas repúblicas[xi].
Além disso, em carta recente ao Conselho de Segurança da ONU[xii],
o representante permanente da Rússia na ONU – Vitaly Churkin – afirmou que o governo
de Kiev pode, em breve, desencadear acções ofensivas no leste da Ucrânia. De
acordo com o representante russo, existem todos os sinais de que as forças
armadas ucranianas estão a preparar uma operação militar.
Em geral, as diferentes fontes indicam
que já começou a invasão da faixa neutra (a zona- tampão), e das cidades e das
aldeias lá localizados; que cresce o número de ataques contra os territórios
das repúblicas não reconhecidas; que está a decorrer a deslocação do
equipamento militar em direcção à linha de demarcação; que aumentou
significativamente o número de grupos subversivos; e que, o que é mais
importante, aumentou a quantidade das perdas do lado da população civil. Parece
que os únicos que negam o óbvio são as autoridades ucranianas.
É difícil de falar com certeza sobre a
intensidade da possível ofensiva e sobre a sua justificação. No primeiro caso,
não está claro se o objectivo é combater até atingir uma vitória total, ou se
basta uma vitória parcial que proporcionaria uma vantagem táctica em futuras
negociações. No segundo caso, não é possível antecipar se seremos testemunhas
de um escalonamento gradual ou de uma simples provocação. E aqui surge na
memória o caso de Boeing abatido, em Julho de 2014, no espaço aéreo da Ucrânia.
Ninguém hesitou na acusação ao seu adversário, muito embora o culpado, até
hoje, não tenha sido determinado.
No que toca aos possíveis prazos de
realização da operação de força há que referir os seguintes factores
condicionantes:
·
As eleições presidenciais nos Estados
Unidos, em Novembro deste ano. A possível vitória de Donald Trump pode significar
a mudança da política externa norte-americana em relação à Ucrânia e das
próprias relações russo-americanas. A guerra no leste da Ucrânia é favorável
para os adversários de Trump, pois pode diminuir a constante crescente
popularidade do empresário norte-americano, aumentar a retórica anti-russa no
mundo e chamar a atenção dos membros da NATO para a necessidade de aumentar os
gastos em defesa;
·
Os Jogos Olímpicos no Brasil. Basta
lembrar que a intensificação dos protestos na Ucrânia, em 2014, aconteceu
precisamente durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Sóchi, na Rússia, quando
as principais forças russas foram direccionadas para a prevenção de acidentes,
especialmente os ataques terroristas. Outro exemplo é a guerra russo-georgiana
de 2008, que começou no dia de abertura da Olimpíada em Pequim. Nestas alturas,
todos os meios de comunicação estão concentrados no espectáculo desportivo, enquanto
um grande número de pessoas está de férias, sem ler as notícias, querendo
apenas escapar da rotina diária. Quem se lembra do anúncio em 14 de agosto de
2008, feito pelo Primeiro-Ministro polaco – Donald Tusk – sobre o acordo
polaco-americano relativo à colocação da Polónia sob a protecção do sistema de
defesa antimíssil dos EUA? Mas muitos lembram as incríveis oito medalhas de
ouro de Michael Phelps, ou o fantástico recorde mundial de Usain Bolt;
·
As condições climatéricas. Tendo em
conta que não existem as possibilidades para uma Blitzkrieg e que o previsível agravamento sério do tempo já em Novembro
exigiria enormes recursos adicionais para sustentar a luta armada durante o
Inverno, a ofensiva terá que ser iniciada no mês de agosto, ou na primeira
parte do mês de Setembro.
Resumindo, para as autoridades ucranianas qualquer adiamento de uma iniciativa para a resolução do problema ficará cada vez mais caro, enquanto que qualquer tentativa de resolução pacifica representará o suicídio político. E, nestas situações, infelizmente, alguém pode chegar à conclusão de que a guerra é o mal menor.
Dmytro
Sydorenko
Nasceu
na Ucrânia em 1988. Desde 2001 vive permanentemente em Portugal. Possui a
nacionalidade portuguesa. Licenciado em Relações Internacionais e mestre em
Estratégia. Especializado na área da Política Externa e Geopolítica da Rússia e
nas questões de integração das repúblicas do espaço pós-soviético.
sdmitryi@hotmail.com
P.S. O autor deste texto tem esperança
de que o que nele se anuncia não se concretize.
[i] http://www.osce.org/home/123257 - Protocol on the results of consultations of the Trilateral Contact
Group, signed in Minsk
[ii] http://www.osce.org/cio/140156 - Package of Measures for the Implementation of the Minsk Agreements
[iii] https://themoscowtimes.com/articles/turkish-stream-gas-pipline-set-for-revival-54748 - Turkish
Stream Gas Pipeline Set for Revival, The Moscow Times
[iv] http://www.rnbo.gov.ua/en/news/2532.html - Oleksandr Turchynov: the NSDC may consider the
imposition of martial law
[v] http://www.navy.mil/submit/display.asp?story_id=95843 - Sea Breeze 2016 Opening Ceremony Held in Odessa,
Ukraine
[vi] http://br.sputniknews.com/mundo/20160629/5351077/combates-cidade-donetsk.html
- Exército ucraniano avança no território da República Popular de Donetsk,
Sputnik
[vii] http://112.international/politics/nato-will-provide-ukraine-assistance-package-in-50-fields-klympush-tsintsadze-6862.html - NATO will provide Ukraine assistance package in 50
fields, - Klympush-Tsintsadze
[ix] http://en.news-front.info/2016/07/29/us-began-to-supply-ukraine-withv-lethal-weapons/ - US began to supply Ukraine with lethal weapons,
News-Front
[xi]http://www.mid.ru/ru/foreign_policy/news//asset_publisher/cKNonkJE02Bw/content/id/2347199?p_p_id=101_INSTANCE_cKNonkJE02Bw&_101_INSTANCE_cKNonkJE02Bw_languageId=fr_FR
. site oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa
Very happy on this occasion because it was given a useful info thanks .
ResponderEliminarKenali Gejala Penyakit Jantung Dan Pencegahannya
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Finalmente, um texto sobre a Ucrânia em língua portuguesa que parece invulnerável aos ditames estratégicos da “central de informações”, precisamente a mesma 5ª coluna que encomiou a “primavera árabe” e agora dá episódicas “notícias” do inferno que lhe sucedeu.
ResponderEliminarObrigado.