sábado, 27 de agosto de 2016

Lisboa, 1941.

 
 
Mircea Eliade (1907-1986)

 


 
Como é sabido, o intelectual romeno Mircea Eliade (1907-1986) viveu em Portugal durante a 2ª Guerra, tendo escrito um «diário» que se encontra publicado entre nós (cf. Mircea Eliade, Diário Português [1941-1945], trad. do romeno e notas de Corneliu Popa, estudo introdutório de Sorin Alexandrescu, Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2007). Entre as primeiras entradas desse «diário», e das mais expressivas num texto que é, acima de tudo, introspectivo, afigura-se a relativa à manifestação de apoio a Salazar, no Terreiro do Paço, em Abril de 1941, onde é patente o fascínio de Eliade pelo ditador português.   
 
Manifestação de apoio a Salazar.
Lisboa, Terreiro do Paço, 1941.

 
 
28 de Abril
Grande manifestação popular em homenagem a Salazar. Com alguma dificuldade encontro um lugar na Praça do Comércio, uma hora e meia antes da hora marcada. Tenho um lugar na varanda do Ministério das Finanças, no segundo andar. Um mar de cabeças na praça. Imensas crianças e jovens. Há algumas horas que se disparam salvas com vários tiros de canhões, da terra e do rio. Aqui, na praça, os estrondos são tremendos. Estremeço: fazem-me lembrar Londres.
Às seis aparece Salazar na varanda. Ruge toda a massa viva a seus pés. Com alguma dificuldade, debruçando-me bastante sobre a balaustrada, consigo ver-lhe o perfil. Veste roupa simples, cinzenta, de passeio – e sorri saudando com a mão, comedidamente, sem gestos. Quando ele apareceu, do alto começaram a despejar cestos com pétalas de rosas, cor-de-rosa e amarelas. Observei, mais tarde, enquanto um jovem falava num palco no meio da praça, como Salazar brincava pensativo com algumas pétalas que tinham ficado na balaustrada. Depois vi-o falar. Lia com bastante calor, mas sem qualquer ênfase, levantando de quando em quando os olhos do papel e olhando a multidão. Levantava a mão esquerda, mole, pensativa. Uma voz nunca estridente. E, no fim da leitura, quando a praça o ovacionava, inclinava sorridente a cabeça. Parece que nem sentia a força colectiva esmagadora a seus pés. De qualquer modo não era prisioneiro dela, nem sequer se deixava sugestionar por ela.
 
 Mircea Eliade
 
 
 
 

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