Criados
em 1916, os Guide Bleus são a mais
antiga colecção de guias turísticos de França. Não trazendo propriamente
informação nova ou surpreendente, o trecho ora traduzido e publicado interessa
sobretudo porque ilustra uma visão de certo modo estereotipada da cidade – que,
porventura, ainda se mantém –, do mesmo modo que condensa, digamos assim, a
«versão oficial» de Lisboa que as autoridades do Estado Novo tentavam
projectar. À época – mais precisamente, em 1960, data da edição deste Guide Bleu sobre Portugal –, a colecção
era dirigida por Francis Ambrière (1907-1998), escritor galardoado com o Prix
Goncourt pelo seu livro Les Grandes
Vacances (a obra é de 1940 mas, devido à 2ª Guerra, o prémio seria
atribuído retroactivamente, em 1946). No prefácio, Ambrière agradece aos
responsáveis por diversos capítulos – Reinaldo dos Santos, Armand Guibert, etc.
– e às autoridades que auxiliaram a elaboração do guia, com destaque para o
Secretariado Nacional de Informação, reconhecendo ainda o apoio, entre outros,
de Pierre Hourcade (então director do Institut Français de Lisboa), João Couto
(director do Museu de Arte Antiga) e Maria Vaz Pereira (conservadora do Museu de
Artes Decorativas). O capítulo dedicado a Lisboa é muito extenso, tendo sido
apenas traduzida a respectiva introdução.
Lisboa
– cidade com 783.226 habitantes, capital de Portugal, sede de um Patriarcado,
encontra-se situada a 38°42´43´´ de latitude Norte e a 9°7’54’’ de longitude
Oeste de Greenwich, na margem direita do Tejo, no local onde o rio, tendo
desaguado num vasto estuário, se espraia num mar interior chamado Mar da Palha, para depois desembocar no
Oceano, a 6 quilómetros da capital. Lisboa apresenta, assim, ao longo do rio,
uma extensão de 16 quilómetros na horizontal, do Poço do Bispo, a Leste, até
Algés, a Oeste.
Construída
em anfiteatro na encosta de numerosas colinas, das quais algumas têm mais de
100 metros de altitude, chegando a alcançar os 226 metros no pico de Monsanto,
Lisboa é uma das mais belas cidades da Europa.
O
seu relevo acidentado faz com que, por vezes, existam miradouros de onde se tem
uma vista soberba e sempre variada dos diversos bairros e do atoalhado majestoso
do Tejo. Graças à sua atmosfera límpida, à sua luz dourada, todas as linhas são
recortadas e visíveis com absoluta nitidez.
Infelizmente,
os terramotos reduziram a monumentalidade de Lisboa. Perdeu-se, acima de tudo, o
enlace pitoresco dos pinheiros e dos campanários, que no passado apontavam para
os céus. Apesar dos desníveis do solo, a cidade tem ruas largas e bem
alinhadas, praças magníficas, casas altas e bem construídas; de uma
arquitectura extremamente banal, é certo, mas a que os bonitos revestimentos de
faiança esmaltada (azulejos) conferem
uma frescura deliciosa.
O
centro da vida urbana é a Baixa, isto
é, a zona situada entre a gare e a praça do Comércio ou Terreiro do Paço, e que foi edificada,
com uma grandeza e uma rapidez impressionantes, pelo célebre marquês de Pombal,
após o terramoto de 1755. Aí, as ruas são desenhadas a régua e esquadro,
entrecortadas em ângulos rectos que formam um gigantesco tabuleiro de xadrez,
ocupando o vale outrora banhado pelas águas do Tejo. As ruas mais belas e mais
animadas, onde se encontram as melhores lojas, são as do Ouro (oficialmente, rua
Áurea), da Prata e Augusta, abrindo esta para a praça do
Comércio através de um arco triunfal. Na zona oriental (o núcleo primitivo da
cidade), encontra-se a velha Alfama,
um dédalo de ruas estreitas e tortuosas que evoca a Lisboa dos séculos XV e
XVI. Quanto à zona ocidental, o antigo Restelo,
de onde partiram precisamente os navegadores que trouxeram a glória a Portugal,
é o lugar onde se encontram os mais belos monumentos das Descobertas, no
faustoso estilo manuelino: o convento dos Jerónimos e a torre de Belém.
Após
1890, Lisboa cresceu significativamente, estendendo-se para Norte através de
belas e amplas avenidas, e prolongando-se para Oeste na «costa do Sol», a
principal zona turística e estação de veraneio do país, servida por uma grande
estrada marginal que bordeja o Tejo.
O
plano de ordenamento de Lisboa, concebido graças à iniciativa de um grande
ministro, o engenheiro Duarte Pacheco, tomou forma em 1938, quando, graças ao
seu espírito visionário, foi concretizado o projecto da rede viária que
permitiu o nascimento de novos e grandes bairros.
Seja
na zona Oeste (novo bairro da Ajuda), ou a Norte, onde os bairros do Areeiro e
de Alvalade albergam cerca de 50.000 habitantes formando uma nova cidade,
Lisboa cresce vigorosamente, conservando, porém, as características
tradicionais de uma arquitectura leve e vivaz que sempre foram apreciadas pelos
estrangeiros que visitam Portugal.
Um
dos projectos mais marcantes do plano do ministro Duarte Pacheco é já hoje uma
realidade: o parque de Monsanto, com cerca de 1.000 hectares, de onde se tem as
melhores vistas panorâmicas da capital. Entre os principais edifícios desta
fase de crescimento pode citar-se os do Instituto Superior Técnico, da Moeda, o
Instituto Nacional de Estatística, o hospital universitário, e numerosos
edifícios, tais como liceus, escolas técnicas, blocos de habitação, grandes
cinemas (Monumental, São Jorge, Império). Saliente-se ainda o liceu
Charles-Lepierre (1952), construído pela comunidade francesa, e o metropolitano
(duas linhas abertas em 1959).
A
numeração das ruas parte do Tejo ou acompanha o curso do rio, encontrando-se os
números pares à direita e os ímpares à esquerda.
O
traje nacional das gentes do povo
praticamente desapareceu. No entanto, o modo de caminhar e o porte altivo das
vendedoras, sobretudo as do mercado do peixe (varinas), acostumadas a levar à cabeça, num equilíbrio perfeito, cestos
carregados de provisões ou até mesmo cântaros de água, e que gritam uma espécie
de preghiera com uma sonoridade às vezes
estranha, despertarão certamente a curiosidade dos estrangeiros.
Tradução de António Araújo
Uma pequena correcção de uma gralha (no original ou da tradução?): a Ajuda fica, como todos sabemos, na zona ocidental e não na oriental, ou "leste", de Lisboa. O demais excelente.
ResponderEliminarObrigado, Fernando
EliminarVou já corrigir!
Abraço amigo,
António