segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Lisboa, 1960.

 
 
 
 
Criados em 1916, os Guide Bleus são a mais antiga colecção de guias turísticos de França. Não trazendo propriamente informação nova ou surpreendente, o trecho ora traduzido e publicado interessa sobretudo porque ilustra uma visão de certo modo estereotipada da cidade – que, porventura, ainda se mantém –, do mesmo modo que condensa, digamos assim, a «versão oficial» de Lisboa que as autoridades do Estado Novo tentavam projectar. À época – mais precisamente, em 1960, data da edição deste Guide Bleu sobre Portugal –, a colecção era dirigida por Francis Ambrière (1907-1998), escritor galardoado com o Prix Goncourt pelo seu livro Les Grandes Vacances (a obra é de 1940 mas, devido à 2ª Guerra, o prémio seria atribuído retroactivamente, em 1946). No prefácio, Ambrière agradece aos responsáveis por diversos capítulos – Reinaldo dos Santos, Armand Guibert, etc. – e às autoridades que auxiliaram a elaboração do guia, com destaque para o Secretariado Nacional de Informação, reconhecendo ainda o apoio, entre outros, de Pierre Hourcade (então director do Institut Français de Lisboa), João Couto (director do Museu de Arte Antiga) e Maria Vaz Pereira (conservadora do Museu de Artes Decorativas). O capítulo dedicado a Lisboa é muito extenso, tendo sido apenas traduzida a respectiva introdução.  
  
Lisboa, 1960
Fotografia de Artur Pastor

 
 
Lisboa – cidade com 783.226 habitantes, capital de Portugal, sede de um Patriarcado, encontra-se situada a 38°42´43´´ de latitude Norte e a 9°7’54’’ de longitude Oeste de Greenwich, na margem direita do Tejo, no local onde o rio, tendo desaguado num vasto estuário, se espraia num mar interior chamado Mar da Palha, para depois desembocar no Oceano, a 6 quilómetros da capital. Lisboa apresenta, assim, ao longo do rio, uma extensão de 16 quilómetros na horizontal, do Poço do Bispo, a Leste, até Algés, a Oeste.
Construída em anfiteatro na encosta de numerosas colinas, das quais algumas têm mais de 100 metros de altitude, chegando a alcançar os 226 metros no pico de Monsanto, Lisboa é uma das mais belas cidades da Europa.
O seu relevo acidentado faz com que, por vezes, existam miradouros de onde se tem uma vista soberba e sempre variada dos diversos bairros e do atoalhado majestoso do Tejo. Graças à sua atmosfera límpida, à sua luz dourada, todas as linhas são recortadas e visíveis com absoluta nitidez.
Infelizmente, os terramotos reduziram a monumentalidade de Lisboa. Perdeu-se, acima de tudo, o enlace pitoresco dos pinheiros e dos campanários, que no passado apontavam para os céus. Apesar dos desníveis do solo, a cidade tem ruas largas e bem alinhadas, praças magníficas, casas altas e bem construídas; de uma arquitectura extremamente banal, é certo, mas a que os bonitos revestimentos de faiança esmaltada (azulejos) conferem uma frescura deliciosa.
O centro da vida urbana é a Baixa, isto é, a zona situada entre a gare e a praça do Comércio ou Terreiro do Paço, e que foi edificada, com uma grandeza e uma rapidez impressionantes, pelo célebre marquês de Pombal, após o terramoto de 1755. Aí, as ruas são desenhadas a régua e esquadro, entrecortadas em ângulos rectos que formam um gigantesco tabuleiro de xadrez, ocupando o vale outrora banhado pelas águas do Tejo. As ruas mais belas e mais animadas, onde se encontram as melhores lojas, são as do Ouro (oficialmente, rua Áurea), da Prata e Augusta, abrindo esta para a praça do Comércio através de um arco triunfal. Na zona oriental (o núcleo primitivo da cidade), encontra-se a velha Alfama, um dédalo de ruas estreitas e tortuosas que evoca a Lisboa dos séculos XV e XVI. Quanto à zona ocidental, o antigo Restelo, de onde partiram precisamente os navegadores que trouxeram a glória a Portugal, é o lugar onde se encontram os mais belos monumentos das Descobertas, no faustoso estilo manuelino: o convento dos Jerónimos e a torre de Belém.
Após 1890, Lisboa cresceu significativamente, estendendo-se para Norte através de belas e amplas avenidas, e prolongando-se para Oeste na «costa do Sol», a principal zona turística e estação de veraneio do país, servida por uma grande estrada marginal que bordeja o Tejo.
O plano de ordenamento de Lisboa, concebido graças à iniciativa de um grande ministro, o engenheiro Duarte Pacheco, tomou forma em 1938, quando, graças ao seu espírito visionário, foi concretizado o projecto da rede viária que permitiu o nascimento de novos e grandes bairros.
Seja na zona Oeste (novo bairro da Ajuda), ou a Norte, onde os bairros do Areeiro e de Alvalade albergam cerca de 50.000 habitantes formando uma nova cidade, Lisboa cresce vigorosamente, conservando, porém, as características tradicionais de uma arquitectura leve e vivaz que sempre foram apreciadas pelos estrangeiros que visitam Portugal.
Um dos projectos mais marcantes do plano do ministro Duarte Pacheco é já hoje uma realidade: o parque de Monsanto, com cerca de 1.000 hectares, de onde se tem as melhores vistas panorâmicas da capital. Entre os principais edifícios desta fase de crescimento pode citar-se os do Instituto Superior Técnico, da Moeda, o Instituto Nacional de Estatística, o hospital universitário, e numerosos edifícios, tais como liceus, escolas técnicas, blocos de habitação, grandes cinemas (Monumental, São Jorge, Império). Saliente-se ainda o liceu Charles-Lepierre (1952), construído pela comunidade francesa, e o metropolitano (duas linhas abertas em 1959).
A numeração das ruas parte do Tejo ou acompanha o curso do rio, encontrando-se os números pares à direita e os ímpares à esquerda.
O traje nacional das gentes do povo praticamente desapareceu. No entanto, o modo de caminhar e o porte altivo das vendedoras, sobretudo as do mercado do peixe (varinas), acostumadas a levar à cabeça, num equilíbrio perfeito, cestos carregados de provisões ou até mesmo cântaros de água, e que gritam uma espécie de preghiera com uma sonoridade às vezes estranha, despertarão certamente a curiosidade dos estrangeiros.
 
Tradução de António Araújo




2 comentários:

  1. Uma pequena correcção de uma gralha (no original ou da tradução?): a Ajuda fica, como todos sabemos, na zona ocidental e não na oriental, ou "leste", de Lisboa. O demais excelente.

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    1. Obrigado, Fernando

      Vou já corrigir!

      Abraço amigo,

      António

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