impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 32 - HORACE SILVER
Tavares da Silva não é nome
artístico que se preze, donde Horace ter preferido apelidar-se de Silver, metal
refinado e límpido como a sua personalidade.
Horace Silver é filho do sr. João, cabo-verdiano
emigrando nos EUA, oriundo da melancólica ilha do Maio, que o pianista
homenageia retratando-o na capa do disco “Song For My Father”. Não sendo
admissível imaginar um cabo-verdiano sem viola, temos que a música integrou a
vida de Horace desde a infância. Profissionalmente a sua carreira foi
impulsionada por Stan Getz que tendo tocado com ele numa passagem pelo Connecticut
natal de Silver, o levou em tournée, deixando-o depois em Nova Iorque. Foi como
pianista residente no clube Birdland que em 1954 Horace Silver se entendeu às
mil maravilhas com o baterista Art Blackey, fundando os dois os Jazz
Messengers, formação que viria a ser o timbre de Blakey e a mais prolífica
escola de jazz. Quando ambos apresentam o tema “The Preacher”, composto por
Silver e incluso em “Horace Silver and the Jazz Messengers” de 1954, se puderam
saborear as primícias do êxito, também tiveram de amargar a opinião de quem o
considerava piroso. Crítica que desentendia o propósito de Horace Silver em
compor com um ritmo finger poppin, ou
seja, de estalar os dedos em acompanhamento.
Homem de hábitos, Horace Silver permaneceu ligado à
etiqueta Blue Note durante 28 anos, até Alfred Lion, o seu lendário fundador,
se retirar. Além disso, raríssimas foram as vezes em que não se apresentou em
quinteto, o quinteto do hard bop que ele tornou canónico: trompete-tenor-piano-contrabaixo-bateria.
Dizer que Horace foi um dos
mentores do hard bop, em parceria com Art Blakey, é uma reificação. O hard bop
é hoje o género quase unânime e deveras dominante do jazz, depois de Joe Lovano
o ter reavivado desde os finais da década de 80. Mas à época, que já não era
bíblica mas ainda assim muito criacionista, a definição não seria inteiramente
inequívoca. Chegando a década de 60 a meio, de um lado predominava a placidez
tonal do cool jazz, do outro consolidava-se a influência do jazz modal e em
fundo, já cresciam as turbulências do free jazz. Ou seja, o be bop parecia um
estilo pretérito, venerado mas congelado na história.
É nesta paisagem que sobressaem as
virtudes de Horace Silver: desembaraçar o arcaboiço harmónico do bebop do virtuosismo
e do excesso de velocidade, tonificá-lo com uma infusão de rhythm-and-blues de bater o pé – atribui-se a Silver a reabilitação
do termo funk – e reiterar a
carnalidade essencial do jazz, oposta ao sentimentalismo do cool, à secura de
acordes do jazz modal e ao racionalismo do free.
Song For My Father
1964 (2014)
Blue Note 99002
Horace Silver
(piano); Joe Henderson, Junior Cook (saxofone tenor); Carmell Jones, Blue
Mitchell (trompete); Teddy Smith, Gene Taylor (contrabaixo); Roger Humphries,
Roy Brooks (bateria).
Sobre um chão rítmico de samba
carioca, que havia enfeitiçado Horace Silver numa viagem ao Brasil, dançam
melodias que evocam as coladeiras da sua infância. Assim é “Song For My Father”
o disco mais lusófono da história do jazz, significativamente sem uma nota de
influência portuguesa. E tão agradado ficou Silver com o resultado que no ano
seguinte, em 1964 reincide com “The Cape Verdean Blues”. Entre os dois o
coração balança e o melhor será ouvi-los de seguida. Mas ainda assim “Song For
My Father” apresenta o interesse suplementar de ter duas metades com formações
completamente diferentes. Numa, destaca-se o arrebatamento do saxofonista tenor
Joe Henderson, cujo fulgor sobe às alturas no tema “The Natives Are Restless
Tonight”, na outra impressiona a certeza do trompetista Blue Mitchell, incapaz
de soltar uma nota insensata.
Sem desprimor para tudo o que veio depois, “Song For
My Father” é um supra-sumo do jazz cuja actualidade o tempo se encarregou de
renovar.
José Navarro de Andrade
Boa tarde,
ResponderEliminarTenho seguido com regularidade e muito interesse estas publicações desde o início.
Reparei que já havia atribuido o número de ordem #32 à entrada correspondente a Bill Evans, de 24 de Setembro. Por acreditar que se trata de um lapso, deixo aqui o meu reparo.
Cumprimentos,
jose
Hmm!? Quase jurava que li ontem aqui um texto do Michel Houellebecq.
ResponderEliminarExacto, sai amanhã, domingo - desculpe!
EliminarCordialmente
António Araújo
Outro grande texto, fui consultar o Rough Guide e lá nada diz sobre a ascendência lusa, uma pena.
ResponderEliminarColoquei o Song com quatro extras em relação ao LP.
Hope that Saturday will be The Great Day.
Vocês sabem do que é que eu estou a falar.