4.
“Benedictus Maledictus”: Espinosa banido da sinagoga pelo “ herem” de 1656
“Alguém
constrói Deus na penumbra.
Um
homem engendra Deus. É um judeu
De
olhos tristes e de pele citrina.
Não
importa. O feiticeiro insiste e lavra
Deus
com geometria delicada;
A
partir da sua enfermidade, a partir do seu nada,
Continua
a erigir Deus com a palavra.
O mais
pródigo amor lhe foi outorgado,
O amor
que não espera ser amado.”
Jorge Luis Borges, Baruch Espinosa (1876)
A sua obra filosófica, ainda em
preparação cogitativa interior quando é banido da sua Nação, punha em
causa os princípios mosaicos, pelo que foi objecto de uma expulsão da sinagoga
portuguesa de Amesterdão, Talmud Torah (27-VII-1656), quando tinha apenas 24
anos, mediante um herem que o mahamad, o conselho sinagogal de
quinze membros − cujo rabino era então Saul Levi Morteira (1596-1660), o
fundador da yeshiva Keter Torah (Coroa da Lei) na qual Bento fora
aluno – redigira contra Baruch Espinosa, excomunhão particularmente veemente e
imprecatória na linguagem, sendo os seus ensinamentos eram declarados
terrivelmente errados, como “horrendas heresias que praticava” e “más opiniões
e obras”, amaldiçoando-o com os anátemas com que Josué fulminara Jericó (tirada
do Deuteronómio):
“Nota do Herem que se publicou em
Theba em 6 de Ab, contra Baruch Espinoza
Os Srs. do Hahmad fazem saber a
V(ossas) M(ercês) como há dias que tendo notícia das más opiniões de Baruch de
Espinoza procurando por diferentes caminhos e promessas retirá-lo de seus maus
caminhos, e não podendo remediá-lo, antes pelo contrário, tendo cada dia
maiores notícias das horrendas heresias que praticava e ensinava e enormes
obras que obrava, tendo disto m(ui)tas testemunhas fidedignas que
depuseram e testemunharam tudo em presença doa Srs.Hahamin, deliberaram
com seu parecer que dito Espinosa seja informado e apartado da nação de Israel,
como actualmente o põe em herem, com o herem seguinte: Com sentença dos Anjos,
com dito dos santos, endereçamo-nos, apartamos e amaldiçoamos e praguejamos a
Baruch Espinoza, com consentimento do D(eus) B(endito) e consentimento de todo
este K(ahal) K(ados), diante dos santos Sepharim (rolos sagrados) estes com os
seis centos e treze preceitos que estão escritos neles, com o herem que
endereçou, com o herem que informou Josué a Jericó, com maldição com que
Elias maldisse os moços, e com todas as maldições que estão escritas na Lei,
Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar e
maldito ele em seu sair e maldito seja em seu entrar; não quererá A(donai)
perdoar a ele ,que então fumeará o furor de A(donai) e o seu zelo neste homem,
e vazará nele todas as maldições no livro desta Lei, e arrematará
A(donai) o seu nome debaixo dos céus e apartá-lo A(donai) para mal de todas as
tribos de Israel, com todas as maldições do firmamento as escritas no livro da
Lei está.(…). Advertindo que ninguém lhe pode falar bocalmente nem por escrito
nem dar-lhe nenhum favor, nem debaixo do tecto estar com ele, nem junto de
quatro côvados, nem ler papel algum feito ou escrito por ele.”[1]
Se a pessoa excluída pelo herem
falecesse, não era permitido acompanhar o seu corpo até ao cemitério. Também
não se devia fazer negócios com ele nem podia o excomungado ensinar ou ser
ensinado por alguém, assim como não podia integrar o ”quorum”(ou miniam,
dez pessoas) duma cerimónia religiosa, Um excomungado perdia o seu lugar neste
mundo e no outro. A maldição de Espinosa nunca foi levantada, o que era raro.
Pouco depois da criação do Estado de Israel, em 1948, Ben Gurion (1886-1973),
primeiro-ministro na altura, decidiu solicitar aos grandes rabinos de levantar
a excomunhão de três séculos antes, o que seria uma espécie de alia
póstuma do judeu português.[2] Os sacerdote rabínicos
aceitaram estudar o processo, mas acabaram por confirmar a sentença da
condenação de 1656. A violência dos termos usados neste herem contra o
tão jovem e pacífico amigo do Saber eram também inusitados na sinagoga
portuguesa de Amesterdão. O mais curioso é que Espinosa, que tinha então 24
anos, não publicara ainda nenhuma obra sua, não obstante o anátema sinagogal
referir as “obras de Baruch de Espinosa”.
O texto redigido contra Espinosa
retomava, aliás, alguns termos do herem que fulminara o desditado Uriel
da Costa, em 1618.[3] Mas se este acabaria por se
suicidar após se ter penitenciado duas vezes dos seus erros denunciados pela
sinagoga de Amesterdão, Espinosa parece ter vivido indiferente às cóleras
rabínicas, afastando-se da vida da comunidade sefardita: em vez de procurar um
compromisso com a comunidade que assim o excluía em termos tão desabridos e até
inéditos, o filósofo rompia com a religião dos seus antepassados, pois “queria
fazer acto de universalidade”(H. Méchoulan, op. cit.). Solitário
universal, viajante imóvel, político sem causa, herético beato, Espinosa
abandona então Amesterdão depois do herem, perdendo-se o seu rasto até
1660.
Estátua de Espinosa, Amsterdão
|
A importância deste herem
mede-se, sobretudo, pelo facto de ele forçar o jovem Espinosa a tornar-se num judeu
não judeu (“non jewish jew” como lhe chamou Isaac Deustcher) se não se
arrependesse, ou seja, um intelectual expulso da sua Nação, um filósofo que
deixava a religião tradicional dos seus antepassados para ascender à
universalidade, para não mais se apresentar como um filósofo do judaísmo – um
mero rabino ou um erudito – mas um amigo do Saber, o primeiro filósofo moderno
vindo do povo da Aliança, mas não aceitando um Deus pessoal, apostasia ou
“traição” que o levara à sua excomunhão em 1656. A sua obra, aliás só
posteriormente publicada, daria amplas comprovações de que Espinosa era um
dissente irrecuperável para a ortodoxia judaica: basta ler, por exemplo, o
final do capítulo IV do seu Tratado teológico-político, para nos darmos
conta de que como o filósofo falava dum “Deus de todas as nações”, contestando
que os judeus fossem uma nação escolhida, a não ser no período temporal
e estatal durante o qual o povo Israel assumiu na sua história, antes de ser
forçado ao seu multissecular Exílio.[4]
Compreende-se que Julius Guttman,
historiador da filosofia judaica, abrisse o capítulo sobre o espinosismo
sublinhando que “o sistema de Espinosa pertence mais precisamente ao
desenvolvimento do pensamento europeu do que à história da filosofia judia”,
abandonando assim o intuito essencial desta última, que seria o de validar a
religião judaica em termos filosóficos, para alicerçar antes um Cogito que está
em profunda oposição à religião dos seus pais, não só em forma dogmática mas
até nas suas mais fundas convicções.”[5] Muito da
filosofia judia passara para os seus livros, assim como a sua síntese panteísta
integrava os contributos do aristotelismo e do neoplatonismo, sem esquecer tudo
quanto foi buscar a Grotius, Hobbes e, sobretudo, Descartes, além do que
aprendeu, em Amesterdão, até aos 24 anos, embora sem ter publicado até então um
único livro, graças a uma tertúlia íntima de intelectuais heréticos onde se
encontravam alguns judeus irregulares, na maioria hispânicos – e que tiveram
problemas com a sinagoga que o expulsara ou o faria também −, como Uriel da
Costa, Juan de Prado, Isaac de la Perèyre, Franciscus Van den Enden e Daniel
Ribera.[6] Espinosa cita uma frase de Descartes
afirmando que Deus realizara três grandes maravilhas: fizera o mundo a partir
do nada (criação), dera ao homem o livre-arbítrio e, por fim, ele mesmo se
encarnara homem em Jesus Cristo. [7]O herético judeu não
podia aceitar estas três maravilhas, já que, para ele, panteísta e monista como
era, a hipótese de Deus assumir a figura humana seria tão aberrante como dizer
que um círculo revestira a natureza dum quadrado. Toda a transcendência enigmática
de Deus era por ele também negada, já que Deus se confundia com a natureza
eterna: Deus sive natura sive substantia. Quanto ao homem ser livre não
seria agir por iniciativa dum qualquer libre-arbítrio, uma vez que a liberdade
se funde com a necessidade, pelo que a ideia verdadeira se afirma a partir de
si mesma, pois o consentimento que lhe damos reflecte apenas uma evidência
intrínseca. Racionalista, Espinosa repudiava ainda todo o sobrenatural, como a
alegada encarnação humana de Deus. No tocante ao judaísmo, o marrano português
negava a autenticidade mosaica do Pentateuco e via em Moisés o criador dum
“estado teocrático” (ver Tratado teológico-político), e repudiava os
milagres.[8] Os mandamentos de Deus não tinham qualquer
sentido, uma vez que as exigências imanentes da Razão se podem exprimir de modo
racional e claro, sem precisarem dum invólucro imagético como a entrega das
tábuas da Lei a Moisés. Deste modo, Espinosa abandonava qualquer conexão
essencial que fosse com a religião do povo da Aliança para se juntar ao labor
essencial do Cogito europeu, virado como estava para a busca duma verdade
autónoma, válida para todos os homens. O recalcitrante pensador apóstata iria,
deste modo traumático, incorporar-se no destemido movimento das Luzes que, na Europa
dos sécs. XVII e XVIII, preparavam a modernidade dum novo Cogito, o triunfo dum
pensamento novo, o das Luzes.[9]
Espinosa considerava que o
conhecimento racional não estava submetido às ideias de salvação, devendo esse
conhecimento proceder por dedução que se baseia numa intuição racional, sendo o
verdadeiro, ele mesmo, o seu próprio critério de certeza, já que o saber é
saber que se sabe. Por isso está no imenso horizonte do ser, de modo que o
conhecimento autêntico duma essência é uma participação em Deus; o pensamento
do homem é verdadeiro quando se identifica com o pensamento de Deus.
Compreende-se, deste modo, que a sua Ethica seja uma prova ontológica -
o que se compreende melhor quando se lê o seu subtítulo: ordine more
geometrico demonstrata, ou seja, feita por deduções sucessivas, por
teoremas lógicos −, a partir da ideia de Deus para compreender tudo o mais. Por
fim, Deus não é transcendente – exterior e superior ao mundo -, já que ele é o
próprio mundo. O que levou Novalis a afirmar que “Espinosa é um pensador ébrio
de Deus.”[10]
5. O
espinosismo, filosofia dum meta-rabino
Eram estas
as consequências fundamentais do herem de 1656: ao empurrar Bento para
fora da comunidade da sua Nação, levava-o à via do Cogito da modernidade
europeia das Luzes, na linha duma Razão conquistadora de Novos Mundos,
acusando-o, numa linguagem paroxística de intolerância religiosa que não
deixava de lembrar o mundo persecutório do Santo Ofício na Ibéria − exceptuadas
as fogueiras em que ardiam os excomungados −, de expor “horrendas heresias” e
“más opiniões” incompatíveis com o povo da Aliança. Na verdade, o jovem Bento
limitara-se, até ao momento de ser excomungado, a deixar de lado a teocracia
bíblica em proveito da metafísica racional, da philosophia, isto é, a
Amizade pelo Saber como ela já fora mester entre os Gregos. Nessa medida, o
espinosismo é uma poderosa demolição de todo o edifício bíblico-talmudista
cogitativo da tradicional intelligentsia judia (e como o voltaria a ser,
excepcionalmente, de novo nos casos raros de Franz Rosenzweig ou Martin Buber).[11] Doravante, para ele, a Lei judia não passava da lei
particular dum povo singular, cuja Aufhebung se pretendia lograr pelo
afã do cogito pós-cartesiano, ampliado em direcção a toda uma nova visão
metafísica que dispensava os vínculos e deveres tribais recebidos por Moisés
das mãos de Yaveh. Esta Lei do povo errante em busca de Canaã deixava de ter
qualquer alcance universal, uma vez que a fusão da mente com o Universal
prescindia definitivamente das tradições tribais. É esta a imensa obra
transjudaica do judeu não-judeu chamado Bento Espinosa, que escreveu em Latim,
quando podia tê-lo feito em hebreu, português, espanhol ou até holandês.
Expulso da comunidade judia, Espinosa, então com 26 anos, começa por viver em
Rijnsburg, perto de Leyde, na casa do seu amigo e mestre de latim, o ex-jesuíta
holandês Van den Enden, iniciando uma vida discreta, apagada, abandonando a
curta participação na casa comercial deixada pelo seu pai para praticar um
mester quase marginal, o de polidor de lentes de aumento, levando uma
existência cautelosa de “Luftmensch”, que se iniciaria essencialmente, algum
tempo volvido, com a publicação de alguns livros, só um deles editado com o seu
nome, além de uma ou outra obra deixada propositadamente póstuma, como a Ethica, ou inacabada, como o Tratado da Reforma do Entendimento
(De Intellectus Emendatione, c. 1661) ou o Tratado político.[12] Apesar de frequentar um pequeno círculo de cristãos
liberais e “livres pensadores” que se reuniam na casa do citado ex-loiolano
Franciscus Van den Enden, o judeu escorraçado da sinagoga em 1656 nunca
manifestou qualquer intuito de ingressar na religião cristã, trocando assim uma
igreja por outra, sendo ele um solitário que levava uma vida consagrada
exclusivamente ao pensamento, ao espírito matemático que escrevia more
geometrico, ao amor pela Sophia. Após quatro anos em Rijnsburg, Bento
transfere-se para Voorturg e, por fim, para Haia. Esses anos quase já não são
biografáveis em termos de vivência pessoal, sempre “calma e benevolente”,
voluntariamente apagada, já que a sua substância individual e histórica se
confundiam doravante, até ao seu termo vital − visitado dois meses antes do fim
por Leibniz −, como produção da sua filosofia, o espinosismo. Em 1663, vivendo
em Voorburg, perto de Haia, publicaria anonimamente o seu Tractatus
politicus e o Tractatus theologico-politicus (1670), sete anos antes
da sua morte, obra que seria oficialmente proibida em 1674 e que só em 1787
traduzida para alemão.[13]
Espinosa levou uma vida obscura e
retirada – o seu lema era o imperativo latino caute (cuidado”) −, em
Rijnsburg, perto de Leiden, vivendo do seu modesto mester de polir lentes,
rodeado de uns quantos amigos e discípulos, escrevendo o Tratado de Deus, do
Homem e da Bem-Aventurança (c. 1662), recusando um professorado que lhe foi
oferecido em Heidelberg. Por precaução, o Tratado teológico-político
seria publicado com o seu nome, mas anonimamente, com a falsa indicação de ter
sido impresso em Hamburgo, “apud Henricum Kühnrat”, já que Espinosa
estava certo que, mesmo na tolerante Holanda calvinista, tal livro sereia
condenado pelas autoridades cristãs. Leibniz (1646-1716), ao qual mandara o seu
tratado sobre óptica, veio visitá-lo em Haia em 1676, diálogo que se revelaria
difícil entre um filósofo cristão que acreditava num Deus-pessoa e um judeu
não-judeu que discorria sobre um Deus-Natureza, panteísta. A Ética deste
último só seria editada postumamente, em 1677. E nesse mesmo ano, em 21
de Fevereiro, falecia Bento Espinosa, às 3 da tarde, na Haia; uma morte de
estóico,[14] que seria contrastada por um enterro nada
espinosista, a 25 desse mês, com seis caleches e muita gente ilustre a seguir o
caixão do ilustre filósofo de olhos negros e tristes, saúde frágil, tez pálida
de ibérico, rosto fino e comprido, cor de azeitona,[15]
sem barba e de baixa estatura que acabava de desaparecer, depois de uma curta
vida passada a lavrar em silêncio, na sua solidão, um árduo cristal, o infinito
mapa daquele que era todas as suas estrelas, como se exprimiu um admirador seu,
o grande poeta argentino Jorge Luis Borges.
A sua filosofia era, de facto, transjudaica,
revolucionária nas suas bases e continha uma verdadeira saída do perímetro
religioso hebraico tradicional, postulando uma divindade que nada tinha a ver
com o Deus pessoal dos judeus, o Iavé bíblico dos seus antepassados. O
marranismo remata, na filosofia espinosista, um longo drama marrano que, aqui,
na livre Holanda republicana de Johann de Witt,[16] no
exílio em país tão tolerante, numa revolução metafísica. A sua famosa
equivalência formulada entre Deus e a natureza – Deus sive natura, não
sendo, de modo algum uma fórmula de ateísmo, era antes a afirmação duma
divindade “naturante” (natura naturans) ou uma natureza “naturada” (natura
naturata), diferindo Deus do mundo só na medida em que a substância difere
dos seus modos e a causa dos seus efeitos. E desde o começo da Ethica que
se formulava de modo rotundo esta ideia dum Deus não personalizado e de uma
divindade com uma infinidade de atributos: “Entendo por Deus um ser
absolutamente infinito, ou seja, uma substância constituída por infinidade de
atributos em que cada um exprime uma essência eterna e infinita.”(Ethica,
I, def. 6).[17] Embora no Tractatus
theologico-politicus Espinosa afirmasse que se tratava do mesmo Deus dos
apóstolos e dos profetas, a verdade é que o Deus da Torah e do Talmud
desaparecia com este Deus sive natura, panteísta, não
transcendente. E, numa carta de 1665, a Willen van Blijenbergh, o
filósofo afirmava ser impossível dar uma demonstração matemática da verdade
revelada pelas Escrituras, e que essas seriam, antes de mais, uma questão de
fé, não um postulado da razão.
A Bíblia continha, assim, verdades
eternas de forma antropomorfizada. Não há compatibilidade completa entre o
Deus, ser absoluto em si e que é concebido por si, que não pode ser efeito de
um outro nem concebido por nenhum outro, que é absolutamente substância, e o
Deus pessoal da tradição judeo-cristã, tanto mais que Espinosa se preocupava em
dissociar a Filosofia da Teologia: embora a primeira traduzisse em fórmulas
racionais as mesmas verdades: o filósofo não precisava de se fiar cegamente na
Revelação. Só a razão pode levar a uma compreensão total e teórica da divindade
como Todo infinito e realidade integral do ser na sua unidade, e que é
absolutamente substância, essência que é existência, existência que é
necessária e plenamente a realidade integral, erguendo a compreensão do homem a
uma livre adesão às leis divinas, pelo que a fé esclarecida pela razão é sempre
superior à mera fé cega dos crentes. A união com Deus não podia ser procurada
no temor e nos gemidos, mas na sua busca como logos e essência que é
existência e que é a perfeição do ser, o Todo infinito do ser na sua unidade,
já que Deus é a substância mesma das coisas e não transcendência ao mundo. Numa
palavra, Deus é a realidade tal como ela é. pelo que a única diferença entre
Deus e o homem é portanto a do infinito em relação ao finito, de modo que
o homem só pode ser compreendido em Deus e por Deus, não por si mesmo.[18]
Por fim, em relação a Cristo − o
filósofo nunca escreve Jesus, mas Cristo −, este é colocado por Espinosa acima
dos demais profetas, não na sua suposta qualidade de Messias, mas apenas porque
ele foi o único que apresentou as regras da conduta ética como verdades eternas
e não como leis e deveres a que fosse preciso obedecer sem discussão, pelo que
não é preciso ser “Filho de Deus” para se aceder a essas verdades eternas que
são as leis necessárias que regem a natureza. A quinta parte da Ethica
desenvolve uma teologia racional, na qual todas as noções religiosas
tradicionais – salvação, beatitude, eternidade, etc. – são dadas como
conhecidas sem pathos e de forma geométrica, o que não exclui o
amor intelectual de Deus (amor intellectuellis Dei) pelos homens: “o
amor intelectual da alma por Deus é uma parte do amor infinito que Deus tem por
si mesmo”(Ethica, V, prop. 36).[19] E esta
transgressão do “judeu não-judeu” ou do “meta-rabino” ou do pós-judeu
marrano chamado Espinosa abrangia tanto a sua obra fundamental, redigida em
latim, Ethica ordine geometrico demonstrata (1677), como o Tractatus
de Intellectus Emendatione (1677).
A princípio, a sua obra metafísica,
política e religiosa foi considerada como ateia e subversiva, mas depressa
outros intérpretes a tomaram como um dos grandes sistemas filosóficos
racionalistas do séc.XVII, tendo tido admiradores tão diversos como Moisés
Mendelsohn (1729-1786), Gotthold Lessing (1729-1781), Frierich Jacobi
(1743-1819), Goethe (1749-1832), Samuel Coleridge (1772-1834), Hegel
(1770-1831), Moses Hess (1812-1875), Nietzsche
(1844-1900), etc.[20] Quanto ao “filósofo do martelo”,
este reconhecia que aos judeus, de todos os povos da terra aquele que vida mais
penosa teve, devamos o homem mais digno de amor (Cristo) e o sábio mais
íntegro (Espinosa), o livro mais profundo e a mais eficiente lei moral do
mundo. As Luzes do séc. XVII tiveram muito de espinosismo,
através do renovo da ciência da vida, do idealismo alemão e do panteísmo. A sua
Ética concebia um Deus imanente e panteísta que produzia todas as coisas
segundo leis necessárias, muito diversas das do Deus das religiões monoteístas
reveladas, mas também distinto do Deus de Descartes ou Leibniz. O Deus
espinosista é uma substância constituída por uma infinidade de atributos
infinitos de que só conhecemos dois, a extensão e o pensamento. Compreende-se,
assim, que Hegel, filósofo luterano do Espírito absoluto, tivesse definido o
Deus espinosista como a unidade do pensamento e do espaço, já que no sistema de
Espinosa o mundo não passava duma existência fenomenal, sendo a sua concepção,
ao fim e ao cabo, cósmica.
O Tratado teológico-político,
obra que era, na verdade, a resposta racional, meditada e rigorosa ao anátema
do herem de 1656, acabava por defender a liberdade de filosofar de todos
os Amigos do Saber contra os preconceitos, mediante um método de interpretação
racional das escrituras santas, estribada ainda numa apologia da liberdade do
pensamento. Quanto ao Estado, propunha Espinosa que este fosse concebido como
um pacto social, devendo este defender os cidadãos dos embaraços e dificuldades
criadas pelas igrejas e garantir-lhes uma liberdade completa de filosofar,
mesmo em relação à sua própria natureza. O espinosismo constitui uma das fontes
do idealismo alemão, do socialismo, da crítica racional das religiões e até da
psicanálise. “Ele nunca entrou tal e qual nessas doutrinas, mas marcou
posições, inflexões e talvez, sobretudo, porque os ajudou a recusar – o
finalismo, a ilusão da autonomia da vontade, a crença na eternidade das
normas”,[21] sublinha Pierre-François Moreau. Outra
dimensão essencial do pensamento de Espinosa está na sua relação singular com o
judaísmo. Sobre este ponto escreveu Isaac Deutscher um célebre ensaio, já acima
citado, onde aborda vários “judeus não-judeus” (Espinosa, Marx, Rosa
Luxemburgo, Heine, Freud, Trotsky). Quanto ao primeiro, escreve:
“Espinosa, pensador independente e
iniciador duma crítica moderna à Bíblia, pôs imediatamente o dedo sobre a
contradição cardial do judaísmo, a que opõe o Deus monoteísta e universal às
condições nas quais esse Deus se apresenta na religião judaica, seja na
qualidade de Deus apegado a um povo único; a contradição entre um Deus
universal e o seu «povo eleito». Sabemos quais foram as consequências para
Espinosa da descoberta desta contradição: foi banido da comunidade judia e
excomungado. Teve de lutar contra o clero judeu, que, tendo ele mesmo que
sofrer com a Inquisição, se deixara infectar por esse espírito. Teve de
enfrentar a hostilidade do clero católico e dos sacerdotes calvinistas. Toda a
sua vida foi um combate contra as restrições impostas pelas religiões e as
culturas do seu tempo. Entre os judeus inteligentes que encontraram expostos às
contradições de culturas e de religiões diversas, alguns foram de tal modo
arrastados em direcções divergentes por influências e pressões antagónicas que não
resistiram. Foi esse, por exemplo, o caso de Uriel da Costa, mais velho e
precursor de Espinosa; várias vezes ele se retractou, várias vezes os rabinos o
excomungaram; várias vezes ele se prosternou diante deles na sinagoga de
Amesterdão. De modo diferente de Costa, Espinosa teve a grande felicidade
intelectual de poder harmonizar as influências rivais e chegar nesta base a uma
concepção mais elevada do mundo e a uma filosofia integrada.” [22]
João Medina
[1] Herem que foi lido em hebraico e, mais tarde,
anexado nos registos da comunidade em tradução portuguesa e, como ali se lê,
foi publicada “em Tehba em 6 de Agosto /Av 5416, contra Baruch Espinoza”, in Livro
dos Acordos da Naçam, cit. por Gabriel Albiac, La Sinagoga vacía. Um
estúdio de las fuentes marranas del Espinosismo, Madrid, Ediciones
Hiperión, 1987, p.13. Este documento encontra-se nos Arquivos Municipais da
cidade de Amesterdão; utilizámos também o facsímile deste herem no vol.
VI da nossa História de Portugal (Ediclube), p.90. Actualizámos au
ortografia portuguesa, embora mantendo um espanholismo (“entonces”) e diversas
formas que parecem portuguesas (como “fumeará”, no sentido de “lançará sobre
ele fogo”). Este herem foi escrito em português (primeiro em hebreu),
tendo sido transcrito de modos diversos em várias obras sobre Espinosa,
nomeadamente naquela que utilizámos directamente como uma das fontes deste
documento, a de Gabriel Albiac, em La Sinagoga vacía, loc.
cit., com algumas actualizações ortográficas. O herem é de 6 de Av
de 5416 (27 de Julho de 1656). Steven Nadler, na sua biografia Espinosa.
Vida e obra, Mem Martins, Publicações Europa Améerica, 2003, trad. do
inglês, transcreve o herem, sem se perceber bem se o traduziu do hebreu ou do
português para inglês, pelo que não lhe damos grande validade textual
(pp.128-9), sobretudo depois de o cotejarmos com o facsímil do documento em
questão; mas também não sabemos se este autor o verteu a partir da versão
hebraica do texto, O rabino da comunidade judaica portuguesa de Amesterdão era,
então, Saul Levi Morteira (c.1596-1660), que também pertencia ao mahamad.
Espinosa fora um dos seus alunos na sinagoga que o condenaria em 27-VII-1656.
Reproduzimos o manuscrito deste herem no vol.VI da nossa História de
Portugal, Amadora, Ediclube, s.d., 1993, reed. 1997, vol. 6 (Judaísmo,
Inquisição e Sebastianismo, p.90), a partir do original facsimilado do dito
herem. Algumas das primeiras biografias do filósofo judeu publicadas, as
de Johan Colerus, ministro da igreja luterana em Haia, em francês, em 1706, e
do médico Lucas, de Haia, editada em francês em Hamburgo, em 1735, dão larga
atenção a este anátema de expulsão: veja-se a recente edição Colerus–Lucas,
supracitada, Vies de Spinoza, Paris, 2002; texto de Johan Colerus (La
Vie de B. de Spinoza, 1708, pp.7-91; texto de Jean-Maximilien Lucas,
pp.93-112). Veja-se ainda António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, ed.
cit., pp,281-4 (texto da excomunhão: p.283).
[2] Sobre Ben Gurion (1886-1978), o primeiro-ministro
israelita que leu a declaração da independência de Israel, em 14-V-1948, diante
dum retrato de Herzl, veja-se: -Michal Bar-Zohar, Ben-Gurion. The armed
Prophet, Tanglewood Cliffs (New Jersey), Prentice Wall, 1968. -Shimon Peres
e David Landau, Ben-Gurion: a political Life, N. Iorque, Schoken, 2011.
Note-se que, já no nosso século, em Setembro 2012, a comunidade judaica
portuguesa de Amesterdão pediria ao rabino-mor, Haham Pinchas Toledano, que anulasse o herem contra
Espinosa de 1656, o que não teve aceitação positiva, uma vez que o banido não
recorrera dele, pelo que se manteve o banimento com mais de trezentos e
cinquenta anos.
[3] Veja-se Henry Méchoulan, capítulo “O caso Uriel da
Costa” in Être Juif à Amsterdam au Temps de Spinoza, Paris, 1991. Ver
ainda: -Cecil Roth, Histoire des Marranes, Paris, Liana Levi, 2002, maxime
pp. 187-198 (“A Jerusalém holandesa”). -Yosef Kaplan, “La Jérusalem du
Nord: la communauté sefarade d’Amsterdam au XVIIe siècle”, in Henry Méchoulan
(org.), Les Juifs d’Espagne: Histoire d’une Diaspora, 1492-1992, Paris,
Liana Lévi, 1992. -Lionel Lévy, La Nation juive portugaise: Livourne,
Amsterdam, Tunis, 1591-1951, Paris, L´Harmattan, 2000.-Daniel Lindenberg, Destins
marranes. L’Identité juive en Question, ed. cit., pp.149-189.; o herem:
pp.158-60
[4] Veja-se Espinosa, Tratado teológico-político,
trad. e notas de Atilano Domínguez, Madrid, Alianza Editorial, 1986, maxime
pp.130-4. “(…) Deus não elegeu para sempre os hebreus, mas sim nas mesmas
condições em que havia escolhido os cananeus (…). Deus não elegeu a nação
hebreia sem condições e para sempre”(p.131), pois só prometeu a aliança aos
piedosos”, pelo que não se pode pensar que “só haja sido prometido aos judeus
aos judeus piedosos, com exclusão dos demais”, pelo que “essa aliança eterna de
contentamento e de amor de Deus é universal”, de modo que não há que admitir
diferença alguma entre os judeus e os gentios”(p.132). “Quanto aos judeus terem
subsistido tantos anos dispersos e sem Estado não há nada de estranho, uma vez
que se separaram de todas as nações, a ponto de concitarem contra si o ódio de
todas” (idem), sublinhando que “o ódio de muitos povos aos judeus é o que os
conserva”(idem), citando o caso do que se passou em Espanha e Portugal,
pois o rei da primeira teria forçado os judeus a aderirem à religião do reino
ou a partirem para o exílio, tendo muitos aceitado converter-se, enquanto que
em Portugal a mesma escolha provocou uma solução diversa, vivendo sempre
separados mesmo quando aceitavam a religião do país (p.133). Se algum dia os
judeus reconstruíssem o Estado que tinham tido, Deus os havia de eleger de novo
(idem). Em suma, nenhuma nação se distingue de outra no que toca ao
entendimento e à verdadeira virtude, pelo que nenhuma é eleita de Deus (p.134).
[5] Julius Gutttman, Philosophies of Judaism, Nova
Iorque, Anchor Books, 1966, p.301. Este autor dedica especial atenção a Franz
Rosenzweig, op. cit., pp.416-451 e 527-8.
[6] M.Gullan-Whur, op.cit., p.69).
[7] Apud André Vergez e Denis Huisman, Histoire
dês Philosophes illustrée par les Textes, Paris, ´Fernand Nathan, 1966,
p.163.
[8] Ver Espinosa, Tratado teológico-político,
cap.XVII e XVIII, trad. cit., maxime pp.356-367. “Moisés (…)
entregou aos seus sucessores um Estado que devia ser administrado de tal forma
que não se pode denominar de popular, nem aristocrático, nem monárquico, mas
sim teocrático.”(p.360). A este estado fundado por Moisés opunha E. a noção de
“estado humano” (pp.369 e ss).
[9] Sobe este tópico, veja-se o estudo de Jonathan
Israel, A Revolution of the Mind. Radical Enlightenment, Princeton,
Princeton University Press, 2011.Veja-se adiante a análise desta obra.
[10] André Vergez e Denis Huisman, Histoire des
Philosophes illustrée par les Textes, Paris, Fernand Nathan, 1966,
pp.163-65 (síntese da filosofia espinosista).
[11] Sobre os filósofos judeus F.Rosenzweig e M.Buber, vide:
-Nahum Norbert Glatzer, Franz Rosenzweig – His Life and Thought, pref,
de Paul Mendes-Flohr, Indianapolis, Hackett Pub. Co., 1998 –Hillary Pitnam, Jewish
Philosophy as a Guide to Life: Rosenkranz, Buber, Levinas and Wittgenstein,
Bloomington, Indiana Uiversity Press, 2008. -Norbert Max Samuelson e outros, The
Legacy of Franz Rosenzweig; collected Essays, Cornell Univ. Press, 2004. –Aubrey Hodes, Martin Buber. An intimate
Portrait, N. Iorque, The Vikinb Press, 1971.
[12] Veja-se Espinosa, Tratado político, trad.,
introd. (pp.7-59) e notas de Atilano Domínguez, Madrid, Alianza Editorial,
1986.
[13] Sobre o TTP, veja-se Étienne Balibar, Spinoza
et la Politique, Paris, PUF, 1985, maxime pp.26-34 (o contexto
histórico da República holandesa no período em que E. publica o TTP),
pp.35-62 (o TTP como manifesto democrático) e pp.64-90 (sobre o Tratado
político).
[14] Di-lo J. Colerus na sua La Vie de B. de Spinoza,
ed.cit., p.86 ( o falecimento de E.: pp.84-91).
[15] Colerus dá dele este retrato físico: “Quanto à sua
pessoa e ao seu tamanho e aos traços do seu rosto, há ainda muitas pessoas de
Haia que o viram e conheceram particularmente. Ele era de tamanho mediano,
tinha os traços do rosto bem proporcionados, a pele um pouco escura. os cabelos
frisados e negros e as pestanas longas e da mesma cor, de modo que pelo seu
aspecto se reconhecia nele facilmente o descendente de Judeus portugueses.” (Vies
de Spinoza, ed. Allia, p.39).
[16] Johann (ou Jan) de Witt (Dordrecht, 1625 – Haia,
1672), pertencente a uma rica família burguesa, conselheiro-plenipotenciário da
Holanda (1653), cargo que conservaria quase até à sua morte violenta, autor do
Acto de Exclusão que afastou Guilherme II de Orange do poder (1667), limitando
as ambições do clã monárquico orangista, autor do compromisso com a Inglaterra
para pôr fim à guerra (tratado de Breda, 1667), entrou em conflito com a França
(1667-8) ao lado da Inglaterra e da Suécia; uma nova guerra com a França
(1672-8) seria a sua desgraça, sendo assassinado pela multidão, juntamente com
o seu irmão, voltando Guilherme de Orange ao poder. Sobre de Witte, cf. J.
Rowen, John de Witt, Grand Pensionary of Holland 1625-1672, Princeton,
Princeton University Press, 1978; sobre as suas relações com E., vide Margaret
Gullan-Whur, op. cit, p.189 e ss. De Witt, primeiro magistrado da
República holandesa, estimava o filósofo, a ponto de lhe garantir uma
pensão de Estado de 100 florins anuais: veja-se Henri Serouya, Spinoza. Sa
Vie, sa Philosophie, Paris, Éditions Albin Michel, 1947, ilustr., p.46
(retrato de J, de W.: gravura X, diante da p.63. E. recusara dois mil florins
que o seu admirador Simon de Vries, rico negociante de Amesterdão, lhe quisera
dar, recomendando-lhe que desistisse da ideia de lhe deixar em herança a sua
fortuna, pedindo-lhe que a desse antes ao irmão daquele; falecendo S. de V.,
constatou-se que este, no seu testamento, deixara um legado de 600 florins para
o filósofo (cf. pp.45-6).
[17] Ver Espinosa, Éthique, trad. de Roland
Caillois, Paris, Gallimard, col. Folio, 1993, p.65.
[18] Veja-se o capítulo sobre E., de autoria de Roland
Caillois, Les Philosophies de l’Antiquité au XXe siècle. Histoire et
portraits, dir. de Maurice Merleau-Ponty, Paris, Livre de Poche, 2006.
pp.516-530.
[19] Spinoza, L´Éthique, trad. cit., p.380. Sobre o
“ateísmo” espinosista, vide Yannis Contantinides, “Spinoza athée?” in Le
Nouvel Observateur, nº especial dedicado a Espinosa, Julho-Agosto de 2009,
pp.30-33. Ver ainda: -M. Guéroult, Spinoza, t. I, Paris, Aubier,
1968.-Joseph Moreau, Espinsas e o Espinosismo, Lisboa, Edições 70, 1982,
maxime pp.68-72 (a vida eterna). -Margaret Gullan.Whur, Within
Reason: Life of Spinoza, op.cit. (mapa de Amesterdão com a posição
das sinagogas e a casa de E., diante dela, p.206). -Jonathan Israel, A
Revolution of the Mind. Radical Enlightenment and the intellectual Origins of
the Modern Democracy, New Jersey, Cary (NC), Oxford Univ. Press, 2002.
–Daniel B. Schwarz, The First Modern Jew. Spinoza and the History of an
Image, Princeton e Oxford, Princeton University Press, 2012, ilustr..
[20] Nietzsche, Humain, trop Humain, t.II, Paris,
Gonthier/Denoël, 1973, p.144. Nietzsche, embora acusasse Espinosa de ter
procedido a uma “des-sensualização” da realidade como uma hidra, já que para
este tipo de filósofo, “filosofar era um espécie de vampirização”, de modo que
no seu “amor intellectualis Dei” se ouvia “um estalido de
esqueleto”(Le gai Savoir, trad. de A.Vialatte, Paris, Gallimard, col.
Idées, 1964, p.347) –, acabaria, no final da sua vida, por lastimar não
ter estudado este pensador judeu com a atenção que ele merecia. Nos anos 80,
durante a sua vagabundagem pela Itália, N. recebeu do seu amigo Overbeck um
exemplar do livro sobre Espinosa, de Kuno Fischer (1824-1907), professor em
Heidelberg, o que o levaria a escrever, em 30.-VI.1881: “Estou totalmente
admirado, totalmente fascinado! Tenho um predecessor, e que predecessor! Eu
quase não conhecia Espinosa: e se sinto agora necessidade dele, isso foi o
efeito duma «acção instintiva». Não só a sua orientação geral é semelhante à minha
– fazer do conhecimento o afecto mais poderoso –, mas ainda, além disso, eu
mesmo me reconheço em cinco pontos fundamentais da sua doutrina: este pensador,
o mais solitário e anómalo de todos, acaba por ser mais próximo de mim no
seguinte: nega o livre-arbítrio; s finalidade; a ordem moral; o altruísmo; o
mal.”(Lettres choisies,, trad. de A.Vialatte, Paris, Gallimard,1937,
p.170). Sobre N. e E., veja-se Curt Paul Janz, Friedrich Nietzsche. 3:
Los Diez Años del Filósoso errante, Madrid, Alianza Editorial, 1985, p.64.
[21] Pierre-François Moreau, “Spinozisme” in Grand
Dictionnaire de la Philosophie, dir. De Michel Ray, Paris, Larouse,
2003, pp.982-3.
[22] Isaac Deutscher (1907-1967), Essais sur le
Problème Juif (versão francesa do obra The Non-Jewish Jew), p.39-40.
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