Em memória de José Veiga Simão (1929-2014)
No dia 23 de Maio do ano de 1981 o
Lesley College (Lesley University, desde 2001, a partir da fusão com The Art
Institute of Boston), localizado em Cambridge, Massachusetts, galardoou o
Professor Veiga Simão com um doutoramento honoris
causa, em virtude do seu currículo excepcional, como Doutor em Física
Nuclear pela Universidade de Cambridge, Professor Catedrático da Universidade
de Coimbra, Fundador e Reitor dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique,
Ministro da Educação de Portugal, Embaixador de Portugal nas Nações Unidas,
Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial
(LNETI), Director da Portuguese Heritage Foundation da Nova Inglaterra, e em
reconhecimento do brilhantismo com que orientara o National Assessment and Dissemination
Center do Lesley College, durante o seu auto-exílio de uns três anos nos
Estados Unidos da América, entre 1975 e 1978.
Devido
à longa e estreita amizade que me ligava ao Professor Veiga Simão e família,
decidi, à última hora, participar na cerimónia de doutoramento honoris causa que, por sinal, coincidiu
com a outorga do doutoramento honoris
causa ao Professor Terrel Bell, antigo Ministro da Educacão dos Estados
Unidos, e com o encerramento do ano lectivo no Lesley College. E como ainda
tinha comigo os trajes doutorais que, dias antes, havia usado nas cerimónias de
colação de grau realizadas na minha Universidade (University of Connecticut), resolvi
tomar parte nessa homenagem ao Professor Veiga Simão, vestido com esses mesmos
trajes doutorais, e, portanto, integrado no grupo selecto dos doutores e
professores universitários, sentados no palco.
De
maneira que foi para nos associarmos, à última hora, a mais esse triunfo
académico do Professor Veiga Simão, nosso amigo comum e compatriota da diáspora,
que num sábado de calor intenso, com os minutos contados, a D. Rita Veiga e o Dr.
Adriano Seabra Veiga, cirurgião torácico e cônsul honorário de Portugal em
Waterbury, Connecticut, e o Cirurgião, nos dirigimos de carro, em velocidade um
pouco acima do normal, à Walter Brown Arena da Boston University, utilizada
nesse ano pelo Lesley College para a realização do Commencement, que em
português poderíamos traduzir por Encerramento do Ano Lectivo.
Sabendo
de antemão que íamos chegar com uns bons minutos de atraso, eu, a fim de
economizar tempo, vesti os trajes doutorais dentro do Cadillac do Dr. Seabra
Veiga. No momento em que estacionámos o carro, estava o cortejo académico a
acabar de entrar para o pavilhão de desportos da Boston University. Enquanto a D. Rita e o
Dr. Seabra Veiga se dirigiram à entrada principal, eu, a conselho de um dos
porteiros, entrei pelas portas traseiras, o que quer dizer que me vi de repente
a caminhar por uma espécie de labirinto que levava directamente ao palco, onde
já se encontravam sentados todos os dignitários, em trajes doutorais, desde o
reitor da universidade, os decanos e os chefes de departamentos aos doutorandos
honoris causa, passando por altas
dignidades de outras universidades, convidadas para esse solene acto académico.
Como
todas as cadeiras do palco estavam ocupadas, recordo-me de ver uma professora
levantar-se imediatamente e oferecer-me a cadeira dela; como outrossim me
recordo de ela reaparecer quase logo a seguir com uma outra cadeira, e
sentar-se ao meu lado.
Como
em todas as cerimónias de encerramento do ano lectivo em universidades
americanas, houve, após o cortejo, a rescender a pompa e circunstância, houve
uma prece ecuménica feita pelo ministro de uma denominação religiosa cujo nome
ignoro; houve umas breves palavras de abertura, proferidas pelo mestre de
cerimónias; houve o discurso da salutatória, a segunda melhor aluna do curso;
houve a apresentação de cada um dos dois candidatos a doutoramentos honoris causa, por parte de cada um dos
respectivos padrinhos, seguida do discurso de cada um dos doutorandos; houve a
oração de sapiência pronunciada por um orador especial (keynote speaker), dirigido especificamente às candidatas aos diplomas
de bacharelato e de mestrado; houve a distribuição dos diplomas às alunas,
feita pelos respectivos decanos; e houve, por fim, o discurso de despedida da
valedictória, a melhor aluna do curso.
Naturalmente
que esta sucinta descrição da cerimónia ficaria incompleta, se o cronista não
acrescentasse que, para matizar e amenizar a “pompa e a circunstância”, houve também
superabundância de bocejos e de cochilos.
Terminada a longa cerimónia de colação
de grau, teve lugar uma recepção solene num salão contíguo ao pavilhão dos
desportos. Para surpresa minha, notei que, um após outro, quase todos os
participantes que tinham estado sentados no palco se voltavam para mim e
esboçavam um ligeiro sorriso. Que teria acontecido? – perguntava-me eu, meio
intrigado. Não foi preciso esperar muito tempo pela resposta. É que, primeiro o
Dr. Peter Calvet de Magalhães, ao tempo Director da Portuguese Heritage
Foundation, e depois o Professor Veiga Simão e o Reitor da Universidade e
vários decanos, me disseram que a minha entrada no palco tinha causado uma
espécie de pânico geral entre os responsáveis pela segurança, e, naturalmente,
entre os administradores da universidade. Como eu não era conhecido dos
encarregados da segurança nem o meu nome constava da lista dos convidados,
apenas me viram entrar no palco ficaram justamente apreensivos e preocupados. É
que essa cerimónia de encerramento do ano lectivo do Lesley College ocorria
pouco tempo depois do atentado de assassinato contra o Presidente dos Estados
Unidos, Ronald Reagan, e entre os participantes nesse acto solene
encontravam-se o ex-ministro da Educação desse mesmo Presidente, o Doutor Terrel
Bell, também galardoado, como o Professor Veiga Simão, com um doutoramento honoris causa. E presentes também nessa
cerimónia estavam o Senador Federal pelo estado de Massachussets, Ted Kennedy,
e todos os seus filhos, em virtude de a ex-esposa do senador, Joan Kennedy,
célebre pianista e celebérrima “socialite”, ter recebido nesse dia o diploma de
Mestre em Música.
Perante
essas explicações, foi então que eu compreendi a razão de ser da olhadela que o
Professor Veiga Simão me deitou, quase logo após eu me haver sentado no palco,
e do aceno de cabeça que ele fez para um dos dignitários que estava sentado ao
lado dele e do aceno de cabeça que este fez para o colega ao lado, e assim ad infinitum.
É
que a coisa se havia passado mais ou menos nestes termos: perante esse
desconhecido que, entrando por portas travessas, se sentara no meio de altas
figuras nacionais e estrangeiras, os responsáveis pela segurança sentiram-se na
obrigação de saber imediatamente de quem se tratava. E foi assim que a
providencial presença nessa cerimónia do meu conhecido Peter Calvet de
Magalhães, na sua qualidade de coordenador assistente da cerimónia, foi
crucial: ao dar-se conta do momentoso problema que os responsáveis pela
segurança tinham pela frente, apressou-se a informá-los que o presumível
intruso era uma pessoa pacífica e de bem, tratando-se de um professor da
University of Connecticut, velho e bom amigo do Professor Veiga Simão, um dos
homenageados e distinguidos com o doutoramento honoris causa.
Quando, passados dias, durante um
jantar, contei este episódio ao meu saudoso colega e amigo na University of
Connecticut, Professor de Alemão George Reinhardt, e à esposa dele Jane,
encheram-se de rir e apressaram-se a comentar que se tratava de um cenário
estupendamente apropriado para o crime da década: a infiltração de um professor
universitário, com uma pistola ou com um punhal, ocultos sob os trajes
doutorais, num palco em que se encontrava um ex-ministro da Educação dos
Estados Unidos e outro de Portugal, e num pavilhão de desportos em que se
encontrava o Senador Federal Edward Kennedy, irmão de dois irmãos assassinados
– o Presidente dos Estados Unidos da América, John F. Kennedy, e o Senador
Federal Robert Kennedy. Que um dia tinha de escrever este episódio para a
posteridade, para diverti-la e edificá-la, como preceitua Mestre Horácio –
acrescentaram eles a rir. E é para obedecer a essa simpática sugestão longínqua
que neste dia 13 de Maio do Ano do Senhor de 2014 o dito episódio é posto em
acta.
António
Cirurgião
Caro António Cirurgião, parabéns pelos seus textos! Belíssima aquisição por parte d'O Malomil!
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