quarta-feira, 28 de março de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 36





 
         36.
 
         Em A Grande Onda os marinheiros são todos iguais, de rostos inexpressivos e com um vestuário idêntico, como soldados.
 
         Nenhum se distingue em particular nem ostenta qualquer sinal – um traço fisionómico, um adereço na roupa – que o singularize.
 
 
         As feições dos marinheiros são, aliás, desenhadas a traços simples, sem que Hokusai cuidasse de personalizá-las ou até mesmo de lhes conferir um perfil humano.
 
         Para essa despersonalização muito contribui o facto de os rostos terem uma aparência glacial, quase fantasmagórica. Todavia, o perigo da morte iminente – ou do seu risco – não se adivinha em lugar algum, seja no rosto dos homens do mar, seja nos seus gestos. Pressente-se, quando muito, o rasto de alguma obstinação.
 
Não se nota sequer que os marinheiros estejam a fazer um esforço especial para enfrentar a grande onda.  
 
         A total alvura da sua pele, em contraste com o azul carregado da roupa, explica-se pelo cromatismo da composição, que poderia ser desfigurado se acaso Hokusai tivesse tingido o rosto dos marinheiros de cor de carne.
 
         O branco da pele serve também para assemelhar as cabeças calvas dos marinheiros aos salpicos de espuma do mar que, note-se, se concentram  inteiramente no lado esquerdo da imagem, reforçando o contraste entre esse lado, o da turbulência, e o lado direito, o da serenidade.
 
         De acordo com a leitura visual dos japoneses, da direita para a esquerda, o desenho assinala a calma (à direita) que se converte em tempestade (à esquerda), ponto que tem sido referido por observadores especialmente qualificados como Timothy Clark (Hokusai’s Great Wave, Londres, The British Museum Press, 2011, p. 9).
 
         Noutros trabalhos, Katsushika Hokusai recorreu a esta estratégia de despersonalização das figuras humanas, ainda que não com a mesma intensidade de A Grande Onda.  
 


 
 
         Foi o caso da gravura impressa muito provavelmente na década de 1820 (sendo, portanto, anterior à Grande Onda) e intitulada Murasakigai, de que se falou em Notas sobre A Grande Onda – 17.
 

Murasakigai
Museu Britânico, 1907, 0531, 0.155


 

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