# 1.
Já
todos percebemos que esta é a maior experiência existencial das nossas vidas. E
por isso anda tudo tão aterrado. Pelo menos no Ocidente, fomos programados para
viver a vida e para ganhá-la, não para ter experiências existenciais.
Sobretudo, experiências existenciais como
esta.
# 2.
A
comunidade de medo que agora se gerou não visa tanto a sobrevivência de cada
qual, mas de um estilo de vida que intuímos estar ameaçado para sempre. Valorizamos
mais esse estilo de vida do que as nossas próprias vidas, individualmente consideradas.
A “guerra” de que agora se fala é travada em nome de um patriotismo do estilo de vida, o que, em si mesmo, tem muito de
desprezível.
# 3.
Tudo
isto obrigou a uma momentânea e repentina suspensão da globalização, ou de uma
parte significativa dela.
# 4.
Contudo,
é singular que o vírus tenha tido origem na potência que mais irá beneficiar dele,
o que já começa a dar azo às teorias da conspiração que sempre emergem nestas
alturas de não-pensamento.
# 5.
A
superabundância de informação – científica, analítica, humorística – e a sua
circulação frenética são óbvios reflexos de medo, e uma reacção instintiva a
ele. Mas também um sinal de que muitos ainda não se conformaram com o tempo
suspenso do confinamento, que querem continuar a vivê-lo ao ritmo alucinante do pré-hecatombe. Trocar centenas ou milhares de mensagens por dia não revela apenas
uma obsessão em comunicar: é também, ou acima de tudo, uma tentativa desesperada e vã de
viver o tempo ao modo acelerado do pré-quarentena. Por ora, o grande gesto de resistência tem sido o da resistência ao repouso.
Mas, ao fim de duas semanas ou três, deixaremos de esbracejar.
# 6.
Como sempre sucede nas grandes
tragédias eventuais, sujeitas a uma álea incognoscível e secreta (v.g. cancro), pressentimos que muitos
irão morrer, mas até ao fim
alimentamos a crença de que nada disso será
connosco.
# 7.
A ansiedade detecta-se não
tanto na vivência da quarentena quanto na antecipação do seu fim muitos anunciam
já o que irão fazer quando tudo passar, na suplicante expectativa de que tal
ocorrerá em breve.
Os mil e um projectos para
o pós-Covid, e mesmo a temerária esperança num renascimento mais saudável da nossa
civilização, têm sido formulados em jeito de wishful thinking ou de prédica laica. Tudo não passa, porém, de uma
tentativa desesperada e vã – mais uma – de iludir o tempo suspenso do confinamento
(ao fim de duas ou três semanas, repete-se, deixaremos de esbracejar.)
Porque não pára de esbracejar agora?
ResponderEliminarNão se incomode,a Terra vai continuar na sua órbita,e nós,que somos feitos dos mesmos materiais que as estrelas, continuaremos este destino perene de fazermos parte do Universo,sob outra forma,está claro!
Sob outra forma? Pois que dúvida! E siga a dança !