VIRULÊNCIAS
[crónicas da
peste]
Última
Hora: Coronavírus fica de quarentena depois de contagiar classe política.
Vírus pode não sobreviver ao contágio.
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Breve e
inevitavelmente, os militares sairão à rua para tentar controlar o caos causado
pela pandemia. Pelo sim, pelo não, distribuam cravos e cantem canções de
resistência. Pode ser que desta vez corra melhor.
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Governo pondera
proibir ajuntamentos em hospitais e centros de saúde. Só serão
recomendados e autorizados ajuntamentos em cemitérios.
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Devido à
pandemia, os bancos anunciaram que vão passar a funcionar à porta fechada. Não
há nenhuma novidade nesta medida. Os bancos portugueses sempre funcionaram à
porta fechada.
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Autoridades
decidiram encerrar centros comerciais, praias, feiras, missas, discotecas,
etc., e suspender o campeonato de futebol. Se conseguirem cancelar as
telenovelas e os programas da manhã dos canais nacionais, Portugal
poderá ainda vir a ser um país civilizado.
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Imaginem que um
cidadão preocupado, depois de apresentar sintomas, faz o teste da gravidade e
que o resultado é positivo. Pergunta inevitável: o vírus, é menino ou menina?
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Quarentena:
mais vale quarenta dias encerrado na despensa de casa do que 15 dias deitado na
cama de um hospital.
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Álcool esgota
em farmácias, supermercados, bares e lojas de conveniência. Afinal, os
alcoólicos tinham razão.
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Não se esqueça
de manter os hábitos de higiene: lave as mãos com água e sabão e guarde o
álcool para tirar as nódoas mais difíceis.
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Será desta,
finalmente, que os clássicos vão ser lidos?
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PARA OS
FANÁTICOS E IMBECIS DEPENDENTES DAS NOVAS TECNOLOGIAS
QUE ANUNCIARAM
COM ESTRONDO O FIM DO PAPEL
Agora, ide
pelos vossos dedos e limpai o cu aos vossos tablets.
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Está provado
que as invasões bárbaras do turismo não fazem bem à saúde de
ninguém (excepto à Renova).
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Quando o papel
higiénico esgotar (que, acreditem, esgotar-se-á antes da nossa finita
paciência), lembrem-se do Diário da República, dos contratos precários, dos
recibos verdes e de todos os volumes obrados por autores bestsellers que
circulam por aí.
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Calma, não é
ainda o fim do Mundo, é apenas o fim do papel higiénico.
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Procura-se:
rolo de papel higiénico por estrear. Dão-se vísceras.
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Pela nossa
saúde, não deixem esgotar o álcool nem a ração para animais.
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Da China, nem
bons unguentos nem bons sacramentos.
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Reconhecemos
que vêm aí tempos difíceis quando vemos um tipo desesperado entrar num
luxuoso Jaguar com duas latas de sardinha compradas ao preço
de marisco vivo.
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Depois de uma visita
breve ao supermercado, concluo que a Civilização está de quarentena.
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Conselho
[glosa]: Mantenha os amigos sempre por perto e os víveres mais perto ainda.
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Ando a dizer
isto desde sempre: o melhor que podemos fazer para proteger os amigos e
familiares é não os visitar.
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Calma, não vos
precipitais sobre o abismo da barbárie, o pior ainda está por vir.
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A Existência é
uma experiência de quase-vida.
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Recomendação
[glosa]: sepultar os vírus, cuidar dos mortos e fechar os aeroportos.
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Ricardo Álvaro
[o autor destes arremedos febris não respeita o
Desacordo Ortográfico, escreve segundo a ortografia antiga e testa negativo por
natureza]
Muito bom!
ResponderEliminar«Quando o papel higiénico esgotar (que, acreditem, esgotar-se-á antes da nossa finita paciência), lembrem-se do Diário da República, dos contratos precários, dos recibos verdes e de todos os volumes obrados por autores bestsellers que circulam por aí.»
ResponderEliminarConcordo. E acrescento: todos os livros, revistas, jornais e folhetos escritos e impressos utilizando o AO90.
Em verdade vos digo: não há pandemias de vergonha. Quem não a tem, é dono do mundo. Floresce, frutifica - porreiro, pá ! O tempore o mores - eis o mi(n)istério da orbe ao avesso. :)
ResponderEliminarMuito bom. Parabéns ao autor.
ResponderEliminarPenso que me será permitido partilhar o texto.