Pouco
ou nada entendo de futebol. Penso que isto não me diminui nem me favorece. Tudo
o que se conhece e se sabe é enriquecimento. Mas poucas devem ser as pessoas com
capacidade e tempo suficiente para atender todas as solicitações que a vida
moderna lhes oferece. Enfim, pertenço àqueles que não veem desafios de futebol,
nem nos estádios nem na televisão, aliás coisa que não possuo. Apesar disso
voltei duma viagem ao estrangeiro com a sensação de a ter feito sob o signo de
Eusébio.
Foi
na última semana de Julho que passámos a fronteira da França para a Alemanha. O
funcionário, ao revistar os nossos passaportes, exclamou:
−
Portugueses? Bravo! Eusébio! Eusébio!
Olhámo-lo
com estranheza. Não compreendíamos tal manifestação. Vendo-nos assim,
estupefactos, tornou-se ainda mais barulhento, quase tanto como os turistas
alemães que viajam em magotes compactos por este mundo fora:
−
«Messieurs! Señores! Verstehen Sie nicht? Eusebiio!»
E
ilustrou a palavra com o gesto de um pontapé no ar.
Ah,
o Eusébio! Pois claro, claro! Oferecemos-lhe um sorriso: quem não conhecia
Eusébio?
Numa
pequena estalagem de Estugarda, onde entrámos à hora do jantar, perguntámos à
dona se não nos podia arranjar alguma coisa para comer. Estava a ver, na
televisão, o desafio entre Portugal e a Rússia. Apontou, sorrindo, para o
Eusébio e despachou-nos, rapidamente, com a desculpa de que pouca coisa tinha
na despensa – na melhor das hipóteses, umas fatiazinhas de chouriço e pão – e
que, se descêssemos a rua e atravessássemos a avenida, encontraríamos um bom
restaurante. Era óbvio que não se queria privar do espectáculo.
A rua e a avenida estavam despovoadas.
Coisa estranha na cidade de Estugarda, àquela hora. Provavelmente, a população
encontrava-se absorvida pelo desafio. O bom restaurante era uma cervejaria.
Também ali se estava a ver o jogo; e nós, enquanto comíamos, víamos também. O
locutor salientava alguns nomes com nítido carinho. Entre eles o de Eusébio. E
os fregueses da cervejaria repetiam, com o mesmo carinho:
– Eusébio, Eusébio…
Depois, numa outra cidade da Alemanha.
Assistíamos a uma comemoração particular, num hotel de primeira. Havia mais de
cem convidados, entre os quais representantes do governo, de vários organismos
oficiais, de corporações, etc. Felicitaram-nos pela nossa bela equipa de
futebol e, sobretudo, pelo Eusébio. Um velho conhecido – aliás bastante racista
no que respeita aos negros, o que nos levava muitas vezes a ardentes discussões
– confessou que sentia uma verdadeira ternura por «esse moço, esse Eusébio».
E, no fim do banquete, mal tinham
acabado os brindes, numeroso grupo correu para a sala onde havia um aparelho de
televisão a fim de assistir ao desafio Portugal-Inglaterra.
Na Áustria, no hall do nosso hotel, travei conversa com um engenheiro checo.
–
Portugal? – cismou – Mas eu sei alguma coisa de Portugal!
– Talvez tenha lido um livro, um
artigo? Ou visto um filme? – ajudei.
Não, não tinha. Meti, então, um pouco
hesitante:
– Eusébio?
– Isso! – exclamou. – Eusébio, que
grande artista! O rei do futebol. Uma maravilha!
Na pacata Suíça, onde bem se pressente
que os trabalhadores estrangeiros – e entre os portugueses – não são lá
grandemente estimados, vi muito suíço desconsolado com a vitória final da
Inglaterra. Também ninguém queria que os alemães tivessem ficado em primeiro
lugar, não; quem devia ter ganho era a simpática equipa portuguesa, com aquele
grande virtuoso do jogo, o Eusébio. Que pena!
Em Zurique, um motorista de táxi
perguntou-me se eu alguma vez vira Eusébio. Disse-lhe que sim, ainda há pouco,
na televisão, em Estugarda.
– Mas nunca o viu em Portugal? – perguntou.
– Não, não tenho televisão em casa.
Insistiu:
– O que queria saber é se já o viu em
carne e osso.
Tive de o desiludir: não, nunca o vira
em carne e osso e, para me justificar, expliquei-lhe que vivia no Porto e ele
em Lisboa.
– Mesmo assim… – retorquiu com certa
estranheza.
Podia reproduzir mais conversas no
género, mas o espaço concedido a um artigo deste teor não mo permite. Devo só
confessar que, por várias vezes, me senti deslocada neste mundo por não saber
falar com desenvoltura e entusiasmo sobre futebol e sobre Eusébio.
Mea
culpa.
Ilse Losa
In:
Diário Popular, de 6 de Outubro de
1966
Extraordinário! Como é que o António teve conhecimento deste texto?
ResponderEliminarEstá exposto na exposição - que já aqui anunciei, e que é magnífica - sobre Eusébio, na Biblioteca Nacional.
EliminarCordialmente,
António Araújo