Fotografias de Simona Rota
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Ostalgia – ou,
talvez melhor, Ostalgie – é um
neologismo germânico que procura descrever o sentimento de saudade que se
apossou de alguns alemães após a reunificação. Talvez não seja propriamente
«saudade», antes perplexidade e confusão em face do mundo novo que,
subitamente, muitos viram entrar-lhes muros adentro. Ost+Nostalgie = a busca do
passado, que, por ser um território conhecido, é sempre mais seguro, mesmo
quando securitário. Há quem aproxime o conceito da noção de Soviet chic mas não é bem a mesma coisa.
O Soviet chic é a apropriação desbragada,
por parte do capitalismo selvagem e com intuitos totalmente mercantis, das
imagens e do «estilo» dos tempos soviéticos. Não tem nada de ideológico, é só
comércio e moda. Aqui, no mundo da Ostalgia, há algo mais fundo e sentido. Mas,
em rigor, ninguém deseja regressar aos tempos da Stasilândia. Sente-se
nostalgia porque se sabe que aquele passado está mesmo enterrado. Agora, podemos olhar com ternura sobranceira e até
rir do foleirismo daqueles festivais da Alegria e da Amizade, daquelas jornadas
da Paz, daquelas filas intermináveis para comprar pão escuro, feito a martelo e
cortado a foice. Era tudo com maiúsculas, da Amizade e da Paz até ao tamanho
das filas. Para os que apreciarem a Semiótica, também a há, e da boa, sobre a
Ostalgia, aqui num artigo de Andrea Rota.
Rota, mas Simona, é o nome de uma
fotógrafa nascida em Bucareste, no ano de 1979. Foi em Espanha, mais
precisamente nas Canárias, que construiu carreira como coordenadora de um
gabinete de arquitectura, entre outras coisas, todas do domínio da cultura. Simona Rota distinguiu-se
pelos seus trabalhos de fotografia documental ao serviço do Museu de
Arquitectura de Viena. Foi aí que, entre outros, produziu Ostalgia, uma série feita entre 2010 e 2012 e que agora está exposta, até ao próximo dia 2 de
Março, na Fotonoviembre, a Bienal Internacional de Fotografia de Tenerife. Como
costuma dizer quem é calão e não está para escrever muito, as fotografias falam
por si. Velhos blocos do Bloco Leste, em imagens depuradas e despojadas. Azul
do céu? Nem um. Simona Rota acentua o abandono e o sentimento de desolação
mostrando fotografias de uma limpidez cortante, onde raramente se vêem pessoas.
Edifícios esfacelados, em planos abertos que mostram lama ou neve. A Ostalgia
chegou à fotografia antes dela – e já aqui falei dos Spomenik da ex-Jugoslávia
(a propósito, há uma Yugo-nostalgia) ou da arquitectura cósmica da URSS. A
subtileza artística de Simona Rota está no modo delicado como enquadra os
edifícios do brutalismo arquitectónico e paisagens urbanas desumanas de onde
estão ausentes os sentimentos: de nostalgia e de qualquer espécie.
Já que tratamos de Ostalgia, e ainda
que um pouco à margem, ando intrigado com uma questão de coração, cabeça,
estômago: houve uma culinária comunista? Saiu há pouco um livro sobre a
gastronomia soviética, de Anya von Brezmen, Mastering the Art of Soviet Cooking: A Memoir of Food and Longing. Não li, só a recensão na NYRB.
Também não conheço ainda o DDR Museum, um museu privado que existe em Berlim, dedicado
à antiga República Democrática, sobre o qual espero dar notícias muito em
breve, lá para Abril. Mas, pelo que vi na Internet, é muito melhor do que outro
em que já estive, o Museu do Comunismo, em Praga. Ambos são descaradamente
comerciais, mas o de Berlim leva vantagem, quer na exposição permanente, muito
mais sofisticada e interactiva, quer pelo facto de ter associado um restaurante de cozinha leste-alemã. Há até um livrinho de receitas.
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