Manchester, Connecticut, USA, 5
de Janeiro de 2014
Faleceu hoje, pelas três e meia da manhã, hora de
Portugal, com 74 anos de idade, o maior futebolista português de todos os
tempos e um dos maiores futebolistas do mundo: Eusébio da Silva Ferreira,
conhecido simplesmente como Eusébio, e carinhosamente alcunhado de Pantera
Negra.
A razão de evocar neste meu Diário a memória do Eusébio
deve-se ao facto de ter confraternizado com ele numa inesquecível passagem de
ano. A data precisa desse acontecimento, tão vivo na minha memória, confesso
que a não lembro. Sei unicamente que foi nos anos noventa, quando me encontrava
a passar as férias de Natal em Portugal, meu país de origem, no meu condomínio
do Estoril.
Era a festa de Fim do Ano e eu, aborrecido de estar em
casa sozinho, decidi ir abrandar a onda de melancolia que me invadira ao Casino
do Estoril, a cinco minutos a pé do meu condomínio.
Como vivi dois anos da minha vida na cidade de Reno, no
Estado da Nevada, na qualidade de professor de Espanhol, Francês e Latim da
Universidade da Nevada, onde tive ocasião de ver, ao vivo, os melhores
cantores, comediantes, pianistas, bailarinas, orquestras ligeiras, bandas,
conjuntos de jazz e espectáculos de variedades de toda a cor e feitio, nunca
mais tive o mínimo interesse em assistir a espectáculos dessa natureza em
qualquer casino deste mundo ou do outro. E, sendo assim, entrado no Casino do
Estoril, dirigi-me imediatamente para a sala de jogos e sentei-me a uma mesa de
black jack em que as apostas eram as
mais baixas possíveis, pois o meu capital era o de um mero professor
universitário e o meu interesse era puramente distrair-me durante as horas
dessa noite de Fim de Ano, a custo mínimo, sabendo como sabia, por experiência
própria, vivida e sofrida, que a casa ganha quase sempre, aprendizagem feita
nos casinos de Reno.
Pouco tempo tinha passado quando vejo sentar-se a essa
mesa de back jack dos jogadores
pobres o Eusébio. A vender alegria e bom humor, de copo na mão, começou por
cumprimentar efusivamente o dealer e
todos os jogadores. Sabendo eu que, quando lhe faltaram as pernas e as energias
para continuar a representar as cores do Benfica e da Selecção Portuguesa, ele
tinha passado vários anos a jogar em equipas de futebol americanas, fiz questão
de me apresentar a ele em termos formais, por nunca o ter visto senão na
televisão, dado não ser do meu feitio assistir pessoalmente a eventos
desportivos. E ciente, como não podia deixar de ser, do que ele era e
representava no mundo do futebol, sempre que um estrangeiro se sentava à nossa
mesa de jogo ou por ela passava para contemplar o espectáculo – e vários foram
os que o fizeram pela noite fora –, eu apresssava-me a apresentar-lhes o
Eusébio como o melhor futebolista português de todos os tempos e um dos
melhores do mundo, e o Eusébio, com a simplicidade de uma criança e com um
sorriso contagiante, apertava fortemente e feliz a mão a todos esses novos
admiradores.
Como praticamente aconteceu com todos os que optámos por
celebrar a passagem de ano sentados a uma mesa de black jack, também o Eusébio perdia mais que ganhava. Jamais
poderei esquecer que, com a sua boa disposição nata e com o seu estatuto de
vedeta e celebridade, a que justamente tinha todo o direito, sempre que perdia
duas ou três vezes seguidas, o que sucedia com mais frequência que a desejável,
tomava a liberdade de brincar com o dealer,
chamando-lhe os nomes mais coloridos, condimentados com uma grande gargalhada,
de que todos nos fazíamos eco.
E foi nessa atmosfera de festa e de sã alegria que o
lendário Eusébio nos proporcionou, com o seu óptimo feitio e com o seu genuíno
bom humor, que eu tive a dita de celebrar a festa de Fim de Ano, sentado a uma
mesa de black jack, no Casino do Estoril, num Ano do Senhor
que lamento não poder precisar.
Fotografia de Amadeu Ferrari
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Eusébio amigo, neste momento em que evoco, com saudades,
a tua memória nas páginas do meu Diário
e te desejo o eterno repouso no seio do Senhor, atrevo-me a rogar-te que não te
esqueças de ensinar aos anjos e aos santos da Corte do Céu os rendilhados
primorosos, incomparáveis e mágicos do teu futebol e os teus chutos fulminantes
e de os contaminares com o teu sorriso espontâneo e contagiante e com as tuas
gargalhadas de eterna criança.
António Cirurgião
De certo que o Eusébio gostou do texto e, estou certo, deve ter-se rido com a recordação.
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