impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 75 - CECIL TAYLOR
Cecil Taylor é a outra
cabeça da águia bicéfala do free jazz, se da criatura mítica se excluir John
Coltrane, que tanto era como não era desta grei, e só figurar a efígie de
Ornette Coleman. Fossem eles pintura e Coltrane seria Rothko: superfícies
harmónicas de contornos imprecisos; Ornette evocaria Sam Francis: manchas melódicas
dispersas pela periferia do campo; e Cecil Taylor igualaria Pollock: rajadas de
acordes lançadas de jacto a formarem uma teia ininteligível.
Do triunvirato, Taylor foi
o primeiro a dar notícia de que vinha aí algo de drástico, logo em 1956 com o
seu primeiro disco “Jazz Advance” (começava então Coltrane a ser senhor de si
no Primeiro Grande Quinteto de Miles e tinha Ornette acabado de conhecer Don
Cherry) mas foi o último a mobilizar as atenções. Apenas quando teve azo de oficiar
no templo da Blue Note, que não falha em atrair um séquito de fiéis devotos, e
nele publicou “Unit Structures” e “Matador!”, ambos à uma, em 1966, é que Cecil
Taylor ganhou realce, ainda assim mais apreciado e entendido entre os
comungantes da música contemporânea do que os do jazz.
Este transvio não foi
caso único, mas, provavelmente, há-de ter sido o mais sintomático. Taylor
ajudou à dissensão, pois tal como Ellington repudiava o termo “jazz”, que,
concordavam ambos, nunca depurara a sua arqueológica conotação como música de
bordel e, reiterando o enjeitamento de Ornette, também alegava que “free” era
expressão equívoca, por sugerir algo de aleatório em vez de indicar a noção de
“alternativo”. A questão era mais profunda do que meramente semântica; a música
de Cecil Taylor tinha a marca de Caim: não swingava.
À imagem da pintura, a
vitalidade do jazz sempre teve como carburante a escola e a tradição. Escola,
não no encolhimento académico que hoje predomina, mas na acepção em que as
obras individuais, e as ideias dos indivíduos que as concebem, provêm de uma
incessante conversação no seio de uma comunidade de pares, mesmo que, por
vezes, a discussão induza alguém a cortar uma orelha. Do mesmo modo, a
referência à tradição deve ser arrogada como necessidade e não como carência,
pois tanto pode resultar em acatamento, como pode, nos casos mais proveitosos, originar
reforma ou remodelação, nunca excluindo a hipótese da insurreição.
Conquistador!
1966 (2015)
Blue Note - B2-84260
Cecil Taylor
(piano), Bill Dixon (trompete), Jimmy Lyons (saxophone alto), Henry Grimes,
Alan Silva (contrabaixo), Andrew Cyrille (bateria).
Cecil
Taylor demonstrou este padrão de arreigamento em “Jazz Advance” ao trazer à
colação um estreme repertório de jazz como “Bemsha Swing” de Thelonious Monk,
“Azure” de Duke Ellington ou “You’de Be So Nice to Come Home To” de Cole Porter.
Que tenha decomposto este temas de maneira atonal – e de caminho, à luz da sua
interpretação, haja feito de Monk um pianista comedido… – e deslaçado a sua
estrutura harmónica, era prenúncio e esquisso do que planeava fazer ao jazz.
“Unit
Structures” e “Conquistador!” ainda hoje se contam entre as obras mais
“difíceis” do catálogo da Blue Note. Da primeira fica tudo dito no nome; a cada
instrumento era dada autonomia harmónica e melódica, dissolvendo o conceito de
secção rítmica, em que o contrabaixo e a bateria se restringiam a fazer de
metrómano das composições. A música progrediria, então, por “estruturas” ou
“energias”. O disco marcava, ainda, o início do emparelhamento do baterista
Andrew Cyrille com o saxofonista alto Jimmy Lyons na célula primordial da Unit de
Cecil Taylor.
“Conquistador!”
leva esta proposta mais longe, embora de maneira menos formalista e mais
clássica, se assim se pode dizer. O LP trazia uma liberdade expressiva que
Cecil Taylor explorava até ao limite, dedicando a cada lado (cerca de 30
minutos) um tema completo. Além disso, como forma de elidir a cacofonia e de evitar
que a soma das partes redundasse num todo inaudível, os elementos do sexteto
assumiam à vez a condução musical, recordando a convencional relação do jazz
entre colectivo e o solista. “Conquistador!” é uma obra por certo ancorada no
jazz, mas bem ao largo; e nesta dinâmica foi Cecil Taylor fazendo o seu caminho
das pedras.
José
Navarro de Andrade
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