quinta-feira, 14 de abril de 2016




 
impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !




# 75 - CECIL TAYLOR

 
 

 
Cecil Taylor é a outra cabeça da águia bicéfala do free jazz, se da criatura mítica se excluir John Coltrane, que tanto era como não era desta grei, e só figurar a efígie de Ornette Coleman. Fossem eles pintura e Coltrane seria Rothko: superfícies harmónicas de contornos imprecisos; Ornette evocaria Sam Francis: manchas melódicas dispersas pela periferia do campo; e Cecil Taylor igualaria Pollock: rajadas de acordes lançadas de jacto a formarem uma teia ininteligível.
Do triunvirato, Taylor foi o primeiro a dar notícia de que vinha aí algo de drástico, logo em 1956 com o seu primeiro disco “Jazz Advance” (começava então Coltrane a ser senhor de si no Primeiro Grande Quinteto de Miles e tinha Ornette acabado de conhecer Don Cherry) mas foi o último a mobilizar as atenções. Apenas quando teve azo de oficiar no templo da Blue Note, que não falha em atrair um séquito de fiéis devotos, e nele publicou “Unit Structures” e “Matador!”, ambos à uma, em 1966, é que Cecil Taylor ganhou realce, ainda assim mais apreciado e entendido entre os comungantes da música contemporânea do que os do jazz.
Este transvio não foi caso único, mas, provavelmente, há-de ter sido o mais sintomático. Taylor ajudou à dissensão, pois tal como Ellington repudiava o termo “jazz”, que, concordavam ambos, nunca depurara a sua arqueológica conotação como música de bordel e, reiterando o enjeitamento de Ornette, também alegava que “free” era expressão equívoca, por sugerir algo de aleatório em vez de indicar a noção de “alternativo”. A questão era mais profunda do que meramente semântica; a música de Cecil Taylor tinha a marca de Caim: não swingava.
À imagem da pintura, a vitalidade do jazz sempre teve como carburante a escola e a tradição. Escola, não no encolhimento académico que hoje predomina, mas na acepção em que as obras individuais, e as ideias dos indivíduos que as concebem, provêm de uma incessante conversação no seio de uma comunidade de pares, mesmo que, por vezes, a discussão induza alguém a cortar uma orelha. Do mesmo modo, a referência à tradição deve ser arrogada como necessidade e não como carência, pois tanto pode resultar em acatamento, como pode, nos casos mais proveitosos, originar reforma ou remodelação, nunca excluindo a hipótese da insurreição.
 
 

Conquistador!
1966 (2015)
Blue Note - B2-84260
Cecil Taylor (piano), Bill Dixon (trompete), Jimmy Lyons (saxophone alto), Henry Grimes, Alan Silva (contrabaixo), Andrew Cyrille (bateria).
 
 
Cecil Taylor demonstrou este padrão de arreigamento em “Jazz Advance” ao trazer à colação um estreme repertório de jazz como “Bemsha Swing” de Thelonious Monk, “Azure” de Duke Ellington ou “You’de Be So Nice to Come Home To” de Cole Porter. Que tenha decomposto este temas de maneira atonal – e de caminho, à luz da sua interpretação, haja feito de Monk um pianista comedido… – e deslaçado a sua estrutura harmónica, era prenúncio e esquisso do que planeava fazer ao jazz.
“Unit Structures” e “Conquistador!” ainda hoje se contam entre as obras mais “difíceis” do catálogo da Blue Note. Da primeira fica tudo dito no nome; a cada instrumento era dada autonomia harmónica e melódica, dissolvendo o conceito de secção rítmica, em que o contrabaixo e a bateria se restringiam a fazer de metrómano das composições. A música progrediria, então, por “estruturas” ou “energias”. O disco marcava, ainda, o início do emparelhamento do baterista Andrew Cyrille com o saxofonista alto Jimmy Lyons na célula primordial da Unit de Cecil Taylor.
“Conquistador!” leva esta proposta mais longe, embora de maneira menos formalista e mais clássica, se assim se pode dizer. O LP trazia uma liberdade expressiva que Cecil Taylor explorava até ao limite, dedicando a cada lado (cerca de 30 minutos) um tema completo. Além disso, como forma de elidir a cacofonia e de evitar que a soma das partes redundasse num todo inaudível, os elementos do sexteto assumiam à vez a condução musical, recordando a convencional relação do jazz entre colectivo e o solista. “Conquistador!” é uma obra por certo ancorada no jazz, mas bem ao largo; e nesta dinâmica foi Cecil Taylor fazendo o seu caminho das pedras.
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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