impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 94 - JOSHUA
REDMAN
Olhando hoje para trás fica-se sem saber
se Joshua Redman saltou para o comboio dos anos 80 ainda a tempo de apanhar a
última carruagem, ou foi pioneiro nos impasses que a geração milenária defrontou
no jardim dos caminhos que se bifurcam do jazz do séc. XXI. Dos cardeais da
geração de 80 apartam-no uns decisivos 10 anos de idade, além de não ter sido
nado e criado em Nova Orleães. Também não se fez ao jazz a todo o pano, com
vento ideológico a soprar seguro pelas costas; pelo contrário, Joshua Redman
bolinou de rumo algo incerto nas águas de um jazz que ele apanhou cada vez mais
encapeladas.
O jazz agora aprende-se nas escolas, o
que é como jogar poker a feijões – os erros estão isentos de risco. Em vez de
um vexame público, de um sopapo (fosse com Mingus…) ou de despedimento, como
sucedia quando o tirocínio era feito a doer, diante de uma plateia, os noviços
são hoje corrigidos com benevolência pelos mestres no aconchego dos colégios. Os
abençoados pelo talento lançam-se à vida e desde logo descobrem que da
universidade, à melhor, sair-se-á competente mas não artista, de modo que não
podendo viver sempre de promessas, vão alimentando a vocação na qualidade de bolseiros,
curadores, directores de festivais ou didactas, porque se acham – e muito
justamente – credores de um estatuto financeiro e até social que o jazz já não
aufere.
Neste processamento – há que pôr nisto
uma entoação industrial – o curriculum vitae académico de Joshua Redman faria
inveja a qualquer candidato a um gabinete de esquina em Wall Street. Liceal na
Berkeley High School, cujo programa de artes está entre os melhores dos Estados
Unidos, graduado em Harvard, onde foi par na selectíssima fraternidade Phi Beta
Kapa, aos 23 anos culminou a sua instrução vencendo a Thelonious Monk
International Saxophone Competition em 1991, o mais alto troféu a que um
debutante poderia aspirar. Um menino tão endossado, como não havia Joshua
Redman de ser logo o ai jesus de um jazz sequioso de sangue novo? Ainda de
canudo a cheirar a bedum, foi desafiado por Elvin Jones a participar em
“Youngblood”, no qual o veterano baterista o pôs à prova com outro chavalo, o
trompetista Nicholas Payton. Daqui em diante, escoou toda a década de 90
tirocinando com os maiores.
Compass
2008
Nonesuch
- 510844
Joshua
Redman (saxofone tenor e soprano), Larry Grenadier (contrabaixo), Brian Blade
(bateria), Reuben Rogers (contrabaixo), Gregory Hutchinson (bateria).
Entrado, todavia, o novo século, ou
Joshua Redman ou o jazz, qual deles esmoreceu? O saxofonista perdera o fulgor
dos verdes anos, repisando o vocabulário do hard bop? O jazz estreitava-o neste
modelo, compelindo-o a procurar outro género se quisesse manter viva alguma
chama? O certo, é que esfriou a relação entre ambos e Redman acumulou
experiências e gravações que não sendo inteiramente bocejantes em nada
realizavam as esperanças anunciadas.
Estava-se nisto quando em 2009 é
publicado “Compass”. De mangas arregaçadas e colarinho desapertado Joshua
Redman explora o formato clássico do trio, mas com uma torção que faz a
diferença: a secção rítmica é duplicada, nuns casos na forma de um quarteto com
dois contrabaixos, noutros na de um quinteto que acrescenta outra bateria à
formação anterior. O toque de génio está no facto de esta ampliação, em vez de
dar mais músculo à música, multiplica-lhe as vozes. Sobre esta sustentação o
saxofone de Redman solta-se como nunca dantes ousara, entrega-se ao improviso,
com os altos e baixos e desigualdades que ele implica, sem aquela perfeição
penteadinha que costuma resultar das sessões em estúdio, bem produzidas por
quem manda no equipamento. “Compass” é a prova cabal de que o melhor que a
maturidade pode trazer é a desinibição e o desfastio.
José
Navarro de Andrade
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