impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 40 - AHMAD JAMAL
Hotel decadente na zona sul de
Chicago, a mais pobre da cidade, assim era o Pershing que nos seus melhores
tempos pertencera a Al Capone. Blasonava algum prestígio musical, pois em 1950
Charlie Parker brilhara num jam session no seu salão, mas em 1958 a gerência já
não tinha fazenda para animar as noites, pouco concorridas, diga-se, senão
contratando um pianista de reputação meramente local. De certeza que ninguém
adivinharia as repercussões da decisão da editora Argos de gravar as sessões
desse pianista, de seu nome Ahmad Jamal.
Nado e criado em Pittsburgh, terra
de siderurgias não de jazz, Jamal cedo percebeu que só poderia singrar como
músico profissional noutras paragens. Em 1950 ei-lo em Chicago dirigindo o
String Trio (piano-contrabaixo-bateria), formação pouco usual no jazz, inspirada
na de Nat “King” Cole, enorme pianista além de cantor. Este grupo atingiu notoriedade
suficiente para ser convidado a atuar no Embers de Nova Iorque e gravar alguns
discos. Mas após umas temporadas anódinas Ahmad Jamal, que viria a confessar nunca
sequer ter passado pela rua 52, e o contrabaixista Israel Crosby decidiram
regressar a Chicago, deixando para trás o guitarrista Eddie Calhoun,
substituído pelo baterista Vernell Fournier. Donde as noites no bisonho Pershing,
como pianista residente.
Complete Live at the Pershing Lounge 1958
2007
Gambit
69264
Ahmad
Jamal (piano); Israel Crosby (contrabaixo); Vernell Fournier (bateria).
A recepção crítica de “Ahmad Jamal
at the Pershing” nos casos mais brandos foi enfastiada, empurrando-o com o
mindinho para o canto da música de entretenimento ou de cocktail bar.
Hoje será fácil ficarmos
escandalizados com a surdez dos coevos, mas há que perceber que a crítica
respira o ar do seu tempo. E tanto a música como a carreira de Ahmad Jamal
pareciam assaz equívocas naquele momento. Em primeiro lugar o pianista não
havia ainda demonstrado rasgo de inspiração ou de inovação que notabilizasse o seu
trabalho; em segundo lugar, a ideia de “inovação” é instrumental para
justificar a condescendência crítica, pois o disco de Jamal é contemporâneo de
“Something Else!!!!”, a estreia de Ornette Coleman, tem mais um ano do que
“Blue Trane”, o início da fama de John
Coltrane, e é dois anos mais velho do que o pontapé de saída de Cecil Taylor.
Ou seja: os tempos não estavam para
estas flores de suave aroma propostas por Ahmad Jamal, mas antes para
vanguardas, ruturas, gestos radicais. A este óbice teremos de acrescentar o
tremendo êxito comercial de “Ahamd Jamal at the Pershing”, que se manteve 108
semanas na lista do Billboard, sobretudo graças à popularidade do percussivo
tema “Poinciana”, um feito imediatamente visto como um estigma, pois constituía
prova cabal da sua facilidade e do seu medianismo. Apenas Miles Davis levantou
a voz por ele. Admirava a técnica de Ahmad Jamal a ponto de pedir aos músicos
da sua secção rítmica que fossem ouvi-lo para verem como se mudava subtilmente
de tempo a meio do tema.
Ahmad Jamal sempre desgostou da
palavra “trio” preferindo “ensemble”, designação própria de quem prefere um
jazz de câmara. E este é o principal traço do seu estilo: preferir a integração
à interação entre os músicos – os instrumentos confluem em vez de conversarem.
É a superfície do triângulo, de preferência equilátero, que lhe interessa e não
a personalidade de cada um dos lados. Os seus dedos gostam de se aventurarem
nas zonas mais periféricas do piano, libertando uma sonoridade aguda, refinada
e saltitante, sempre a limar as arestas em busca da fluidez.
Com “At the Pershing” Ahmad Jamal
ocupou um lugar que não esperava: o de ser a peça que faltaria entre Erroll
Garner e Mary Lou Williams, a montante, e os pianista milesianos, como Herbie
Hancock, Keith Jarrett, a jusante.
José Navarro de Andrade
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