sexta-feira, 6 de abril de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 43

 



 
        43.
 
Em 1965, a editora Grolier Inc. publicou, em dez volumes, The Book of Art, que constituía, de acordo com o perfil daquela editora, uma obra enciclopédica de cariz informativo e vocacionada para o grande público sobre a história da arte ocidental, a que correspondiam oito dos dez volumes.
 
 
 
 
 
O nono volume, dedicado à arte chinesa e japonesa, é da autoria de Michael Sullivan (1916-2013), à época professor da Universidade de Londres, tendo The Book of Art um prestigiado corpo editorial presidido por sir Herbert Read e integrado por Peter Murray (professor do Birbeck College, Londres), Linda Murray, Mario Monteverdi, Alan Bowness, A. M. Hammacher (antigo director do Rijksmuseum de Amesterdão), R. H. Hubbard (director da National Gallery, de Otava), Michel Laclotte, Carl Nordenfalk (chefe do departamento de pintura e escultura do Nationalmuseum, de Estocolmo), Hans Konrad Roethel (director da Städische Galerie und Lenbachgalerie, de Munique), Xavier Salas (subdirector do Museu do Prado, Madrid), Mario Salmi e Everard Upjohn (professor da Universidade de Colúmbia, Nova Iorque).
 
É interessante notar que neste livro de Michael Sullivan, e à semelhança do que pareceu ocorrer noutras paragens, com destaque para o Japão,  não é concedido lugar de destaque à xilogravura A Grande Onda, o que não deixa de ser curioso se tivermos em conta que The Book of Art visava ser uma obra introdutória para o grande público. Assim, e apesar da divulgação empreendida dez anos antes por autores como James A. Michener (cf. Notas sobre A Grande Onda – 35), A Grande Onda não tinha ainda, ao que tudo indicia, o estatuto de «ícone global» que conquistaria nos anos subsequentes, a ponto de se dizer que ela é «na actualidade, provavelmente a mais amplamente reproduzida e mais conhecida imagem gráfica do mundo» ou a «mais famosa gravura japonesa de todos os tempos» (cf. Ellis Tinios, Japanese Prints. Ukiyo-e  in Edo, 1700-1900, Londres, The British Museum Press, reimp., 2017, p. 20 e p. 92, respectivamente). Ainda assim, num famoso livro sobre as obras que conquistaram um estatuto «icónico», Martin Kemp opta por não integrar A Grande Onda, um «trabalho artístico não ocidental», argumentando que a sua «fama reside em larga medida no interior do mundo artístico» (cf. Martin Kemp, Christ to Coke: How Image Becomes Icon, Londres e Nova Iorque, Oxford University press, 2012, p. 8: «its fame resided largerly within the world of art, even if it has achieved very wide recognizability»). Por sua vez, numa obra clásica, sucessivamente reeditada, E. H. Gombrich só se refere aos mestres do ukiyo-e e a Hokusai em função da influência que tiveram na arte ocidental e nos impressionistas em particular (cf. E. H. Gombrich, A História da Arte, trad. portuguesa, Lisboa, Público, 2005, p. 525ss).    
 

 

 
 
 
Se, numa obra mais recente, como Espelho do Mundo, Uma Nova História da Arte, de Julian Bell (trad. portuguesa, Lisboa, Orfeu Negro, 2009; ed. original de 2007), também não é mencionada A Grande Onda, tal fica a dever-se, como é natural, ao desejo de não resvalar em lugares-comuns ou obras demasiado conhecidas que têm, em si mesmas, um valor que prescinde de uma referência autónoma, tida por supérflua e até, digamos assim, excessivamente «previsível» ou «vulgar»; é sintomático que, no trecho dedicado a Hokusai e a Hiroshige, Julian Bell seleccione duas obras pouco conhecidas; Monte Fuji Visto através da Teia de uma Aranha, de Hokusai, e Cuco Sobrevoando o Rio, de Hiroshige (ob. cit., pp. 320-321, onde se caracteriza, com pouco rigor, como «luxuosos» os álbuns de vistas do Monte Fuji, que na realidade eram obras impressas em larga escala, de baixo preço e destinadas ao grande público).  
 
É legítimo supor que Michael Sullivan não teve esta intenção quando escreveu sobre a arte chinesa e japonesa em meados da década de 1960. De uma forma informada e rigorosa, sustenta que os grandes mestres das gravuras paisagísticas foram Katsushika Hokusai («the first great master of this new form») e Andō Hiroshige. Ao primeiro dedica um parágrafo essencialmente descritivo no qual, a propósito de Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, destaca excatamente a mesmna obra que, anos antes, Shizuya Fujikake  escolhera para a edição de 1953 do livro Japanese Wood-Block Prints (cf. Notas sobre A Grande Onda – 38).
 
 
 
 
 
 
É essa a obra de Hokusai que figura em extra-texto e a cores no volume 9 de The Book of Art, escolhida por Michel Sullivan, que não se exime a fazer um juízo algo severo do trabalho do autor de A Grande Onda,  dizendo: «While Hokusai continually astonishes with the boldness of his invention, his colors are sometimes harsh and the exaggeration and distortion of his form sometimes verges on expressionism». E, comparando o autor de A Grande Onda com Hiroshige, acrescenta: «Hiroshige, while less original, was the more poetic landscapist, able to convey, through the difficult medium of the print a sense of distance and atmosphere; his colors are truer to the subdued tones of the actual Japanese landscape than Hokusai’s.» (ob. cit., p. 148). 
 

Michael Sullivan (1916-2013)
Retrato no Ashmolean Museum, Oxford, EA2012.20

 
 
Quando Michael Sullivan morreu aos 96 anos, em Outubro de 2013, o The Guardian apelidou-o «one of the most distinguished experts in the field of Chinese art» (aqui). Nascido em Toronto em 1916, Donovan Michael Sullivan era o mais novo dos cinco filhos de Alan Sullivan, um engenheiro de minas canadiano que se tornou um prolífico romancista com o pseudónimo Sinclair Murray. A família deslocou-se para Inglaterra quando Michael tinha três anos, tendo este sido educado na Rugby School e, mais tarde, no Corpus Christi College de Cambridge, onde se formou em arquitectura em 1939. Militante pacifista, soube no Outono de 1939 que os quakers se encontravam a recrutar um pequeno grupo de voluntários para conduzir camiões da Cruz Vermelha na China. Durante dois anos, transportou medicamentos entre as cidades do sudoeste da China, sob bombardeamentos dos japoneses. Em 1942, fixou-se em Chengdu, onde trabalhou num museu da universidade local. Foi aí que Pang Xunqin, um pintor fizera a sua formação artística em Paris, o iniciou na pintura chinesa e o apresentou a diversos artistas de Sichuan. No ano seguinte, casaria com a bacteriologista Wu Baohuan, que tomaria o nome Khoan Sullivan. Em 1946, Michael Sullivan regressou a Londres na companhia da mulher, e aí iniciou o estudo da língua, arte e cultura chinesas na School of Oriental and African Studies (SoAS). Pouco depois, deslocou-se para Harvard, nos Estados Unidos, onde obteve o seu doutoramento em 1952, iniciando uma carreira académica como professor de história de arte e curador do museu da Universidade de Malaia, em Singapura, de que fora o fundador. Após um breve período como professor da School of Oriental and African Studies, em Londres – a altura em que redige os textos que integram o volume 9 de The Book of Art –, em 1966 Michael Sullivan foi nomeado Christensen Professor of Chinese Art do Departament of Art da Universidade de Stanford, na Califórnia. Graças ao apoio da sua mulher, e ao facto de esta ter nacionalidade chinesa, Michael Sullivan beneficiou de um acesso privilegiado a artistas e criadores chineses, facto que lhe permitiu escrever Chinese Art in the Twentieth Century, livro de 1959 ainda hoje considerado uma obra pioneira sobre a arte chinesa do século XX, que contou com o testemunho directo de artistas que se destacaram entre as décadas de 1920 e 1950. A essa obra juntaram-se A short History of Chinese Art, de 1967, e, em 1973, The Arts of China. A par da sua carreira académica, Michael Sullivan notabilizou-se como coleccionador, juntando um acervo que teve origem nas ofertas que recebeu de inúmeros artistas que ele e a sua mulher conheceram pessoalmente, numa relação próxima e duradoura que levou o The Guardian a dizer, no obituário atrás citado: «no Western scholar had a wider acquiantance than Michael among Chinese artists». A Khoan and Michael Collectiion of Modern Chinese Art é variada e vasta, com mais de 400 peças, compreendendo nomes cimeiros da arte chinesa de meados do século XX como Zhang Daqian, Qi Baishi, Huang Yongyu ou Xu Bing.
 
 
Tendo permanecido em Stanford até 1984, Michael regressou a Inglaterra nesse ano, tornando-se professor do St. Catherine’s College em Oxford e, em 1990, professor emérito dessa universidade. Michael Sullivan morreu em 28 de Setembro de 2013, sendo a sua colecção de arte doada ao Ashmoleam Museum de Oxford, fazendo parte da sua colecção permanente e onde foi aberta uma galeria com os nomes de Michael e Kohan Sullivan (ver aqui).
 
 
 
 
 
 
 

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