3.
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de um programa: modernizar sem reformar
Além
da prática dos actos de gestão corrente – agravada pelas sequelas da guerra e,
em especial, pelas dificuldades de comunicações –, logo em 7 de Outubro
comunicou a Salazar a sua intenção de alterar a Carta Orgânica do Império
Colonial[1].
Mas a sua primeira medida legislativa fora a extensão da Mocidade Portuguesa a
todas as colónias, o que, além do mais, implicava passar a pertencer aos
governadores e comissários coloniais a competência ministerial e a do
Comissariado Nacional, constantes do diploma que instituíra a Mocidade Portuguesa
na Metrópole[2].
Aproveitou
a presidência da sessão plenária do Conselho do Império Colonial, em 23 de
Outubro, para apresentar publicamente as linhas gerais do seu programa político.
O Ministro seria «um servidor da política definida pelo Acto Colonial e pelos
diplomas que o completam»[3]. Os
dois termos fundamentais de tal política decorriam do artigo 2.º do Acto
Colonial: colonizar, civilizar. Para civilizar as populações indígenas, havia
que «continuar a proteger, desenvolver e multiplicar a obra das missões
religiosas»; além delas, o Governo continuaria a insistir em «serviços de
assistência sanitária adequados, autoridades compenetradas do seu papel de
protecção aos indígenas, nomeadamente como fiscais rigorosos do regime legal de
trabalho»[4].
Quanto à função de colonizar, inclinava-se para a “colonização livre”: o Estado
devia «sobretudo criar as condições da colonização, cuidando da formação dos
quadros técnicos, orientadores e dirigentes, e do apetrechamento económico das
colónias». Por isso, as condições indispensáveis ao fomento da colonização
eram, em seu entender, várias: «desenvolvimento dos serviços de saúde, de obras
públicas, de agricultura e de pecuária, o aperfeiçoamento das redes de
comunicações internas das grandes colónias com o exterior, a multiplicação de
escolas para educar os filhos dos colonos»[5]
Em finais de 1944 começou a ser publicada a
vasta legislação entretanto preparada no Ministério, fruto da nova “dinâmica”
que o Ministro pretendia, «exigindo informações dos serviços, procurando
resolver dificuldades e inquirir de queixas apresentadas»[6]. A
2 de Novembro, o Decreto n.º 34.076 reorganizou os serviços de correios,
telégrafos e telefones de todo o Império Colonial Português. A 13 de Novembro,
o Decreto n.º 34.107 estabeleceu as condições a observar na prestação
contratual de serviço ao Estado nas colónias. A 6 de Dezembro foram publicados,
de uma assentada, dez diplomas que, além de várias alterações à legislação
administrativa e fiscal, criaram novos serviços, entre os quais os serviços de
saúde (Decreto n.º 34.172), o Gabinete de Urbanização Colonial (Decreto n.º
34.173) e os serviços meteorológicos de Cabo Verde (Decreto n.º 34.174).
Outra
das preocupações imediatas foi a abertura de um serviço noticioso permanente e
exclusivo, na Metrópole e em cada colónia, para o que promoveu a criação da
agência noticiosa Lusitânia,
subsidiada pelo Estado. Solenemente inaugurada em 30 de Dezembro de 1944 –
antecedida por um processo pouco transparente se não “conspirativo” (sobretudo
contra o rebaptizado Secretariado Nacional de Informação, dirigido por António
Ferro), e por Salazar não ter concedido «as duas palavras pedidas» para a
transmissão inaugural [7] –,
beneficiava do estatuto de serviço de iniciativa privada que estaria, nas
palavras do seu director e proprietário Luís Caldeira Lupi, «exclusivamente
devotada aos interesses da nação inteira» e apenas dependente do Ministro das
Colónias, que a acolhia e “alentava”[8].
Defensor
da “colonização livre regulada” – que reservasse aos brancos a função de
enquadrar e dirigir a mão-de-obra indígena e destinasse aos negros um mero
papel de produção –, Marcelo Caetano era de opinião que o povoamento das
colónias não deveria ser livre, em grande escala e financiado pelo Estado, mas
sim regulamentado, feito com colonos especializados e associado ao conhecimento
científico do meio colonial que permitisse o estabelecimento de medidas de assistência
sanitária e técnicas adequadas[9]. Para
tal, já durante o primeiro semestre de 1945, em 21 de Fevereiro, o Decreto n.º
34.417 reorganizou os serviços de saúde em todo o Império e, em 27 de Março, o
Decreto-Lei n.º 34.464 (com um relatório que enunciava claramente a política de
colonização pretendida) atribuiu uma dotação extraordinária a fim de fomentar o
povoamento das colónias e estreitar as relações espirituais destas com a
metrópole (o chamado “Fundo de Povoamento”). Depois, em 3 de Abril, o Decreto-Lei
n.º 34.478 organizou as missões antropológicas e etnológicas para o estudo das
populações do ponto de vista bio-étnico; em 1 de Maio, o Decreto n.º 34.562
regulou a indústria de seguros no ultramar; em 16 de Maio, o Decreto n.º 34.611
criou a Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono na Guiné; em 28 de Maio, o
Decreto n.º 34.633 criou um Fundo de crédito rural em Moçambique; em 8 de
Junho, o Decreto n.º 34.657 isentou de direitos de importação os livros de
carácter científico, literário, artístico e pedagógico; e, em 21 de Junho, o
Decreto-Lei nº 34.682 criou a missão hidrográfica de Cabo Verde.
4. Remodelação dos Governadores
Ainda
em meados de Dezembro de 1944, Marcelo Caetano começara a tratar – «com o
máximo escrúpulo»[10] e
de concerto com Salazar – da nomeação de novos Governadores para a Guiné e para
S. Tomé e Príncipe.
A
Guiné apresentava várias vantagens geo-estratégicas e pretendia-se fazer dela
uma “colónia-modelo”. Marcelo Caetano procurava uma equipa que saneasse a Guiné
«do ambiente de depressão e intriga em que constantemente se debatia», cujos
trabalhos começariam «por um exaustivo conhecimento científico das
possibilidades da terra e da gente» e prosseguissem através de uma «completa ocupação
sanitária, educacional e política». Apontando o perfil desejável para «um
oficial da Marinha de Guerra, corporação com tradições tão ligadas à colónia»[11],
Marcelo Caetano escolheu o capitão-tenente Sarmento Rodrigues, apesar de tido
politicamente como «um dos representantes da tendência conservadora-liberal e
maçónica que apoiou o Estado Novo» [12], e
não o conhecer pessoalmente, apenas através das crónicas jornalísticas
publicadas no Diário de Lisboa[13].
Apresentado a Salazar, em carta de 20 de Dezembro de 1944, e designado pelo
Conselho de Ministros, de 5 de Fevereiro de 1945, Sarmento Rodrigues, nos três
anos e três meses de exercício efectivo de funções na Guiné, privilegiou quatro
áreas: a)- o desenvolvimento e consolidação
da administração colonial; b)- a promoção
dos “assimilados”, o tratamento “paternal” dos indígenas e a manutenção das
alianças com as etnias muçulmanas; c)-
o conhecimento científico, histórico e cultural da Guiné e dos seus povos; e d)- a construção da rede de
infra-estruturas indispensáveis a uma política de desenvolvimento
económico-social[14].
Será, de seguida, Ministro das Colónias e do Ultramar, de 2-8-1950 a 7-7-1955,
e tornar-se-á um arauto do luso-tropicalismo.
Quanto
a S. Tomé e Príncipe, o processo de designação do Governador foi semelhante.
Marcelo Caetano decidiu, primeiro, não reconduzir o anterior Governador (Amadeu
Gomes de Figueiredo) e elaborou, para aprovação pelo Conselho de Ministros, uma
lista com três nomes[15]. Foi
escolhido o major Carlos de Sousa Gorgulho, por – além de considerado capaz de
desenvolver a desejada política de limitação da prepotência e abusos dos
roceiros, incentivar a mão-de-obra local, realizar obras públicas e sociais, e melhorar
as desumanas condições de vida dos trabalhadores nativos – ser «enérgico,
honesto e extraordinariamente trabalhador»[16].
O seu primeiro mandato (1945-1949) mereceu nota positiva e recondução – que
terminaria muito mal, em 1953, com o “massacre de Batepá”[17].
Em
Maio de 1945 propôs a Salazar para Governador da Índia o então Secretário-Geral
do Ministério, José Ferreira Bossa, anterior Ministro das Colónias, que no II
Congresso da União Nacional, em Maio de 1944, apresentara uma tese de
reorganização do Império, eliminando a terminologia “imperial”, e que, no seu
entender, preenchia as condições de «homem experiente, com prestígio […],
arreigados sentimentos patrióticos e religiosos, formação jurídica […] e
compreensão do meio e da gente»[18].
Ferreira Bossa irá ensaiar uma reorganização administrativa que, na conjuntura
complexa da independência próxima da Índia, visava consolidar a soberania
portuguesa e fazer intervir os goeses na gestão da colónia. Escreveu a Gandhi
e, acreditando numa votação favorável à manutenção portuguesa, defendeu mesmo a
realização de um plebiscito para a população do Estado da Índia decidir do seu
futuro. Como também entrara em conflito com algumas elites goesas, foi
sumariamente demitido, em 1947, pelo novo Ministro das Colónias, Teófilo Duarte[19].
Manteve,
porém, os Governadores nomeados pelo anterior Ministro Vieira Machado para
Angola (comandante Vasco Lopes Alves), Moçambique (general Tristão de
Bettencourt, apesar de o achar «muito autoritário» e «de trato difícil», ser maçon e ter a «mentalidade mais
colonialista» que conheceu[20]),
e Cabo Verde (capitão-de-fragata João de Figueiredo, apadrinhado pelo Ministro
da Marinha, Ortins de Bettencourt).
António Duarte Silva
[1] Ver as Cartas
(enviadas ao Presidente do Conselho de Ministros) em 13 de Setembro, 27 de
Setembro, 29 de Setembro e 7 de Outubro apud José Freire Antunes, op. cit., pp. 123 a 126.
[3] Marcelo
Caetano, “Discurso de S. Exª O Ministro das Colónias”, in Boletim da Agência Geral das Colónias, n.º 232, Outubro de 1944, p.
5.
[8] Luís C. Lupi, Memórias, Vol. II, Lisboa, 1971, e
Wilton Fonseca, À Sombra do Poder – A
história da Lusitânia, 1944-1974, Lisboa, Memória do tempo, 1995, pp.
70/71. Há uma extensa reportagem, intitulada “Inauguração do serviço noticioso
para o Ultramar”, in Boletim da Agência
Geral das Colónias, n.º 235, Janeiro de 1945, pp. 276/283.
[9] Idem, Minhas Memórias…, cit., pp. 193/197, e
Cláudia Castelo, Passagens para África –
o Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole (1920-1974),
Porto, Edições Afrontamento, 2007, pp. 125 e segs.
[12]
Luís Farinha, "Rodrigues, Manuel Maria Sarmento (1899-1979)", in Fernando
Rosas e J. M. Brandão de Brito (dir.), Dicionário
da História do Estado Novo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 851, e
Nuno de Sotto-Mayor Q. M. Ferrão, Aspectos
da Vida e Obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Edição da
Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, 1999, p. 216.
[14] António E.
Duarte Silva, Invenção e Construção da
Guiné-Bissau, Coimbra, Almedina, 2010, p. 39.
[17] Ver “Carlos de
Sousa Gorgulho (tenente-coronel de artilharia; Governador da Província de S.
Tomé e Príncipe)”, apud Arquivo Histórico
da Presidência da República e Gerard Seibert, Camaradas, Clientes e Compadres, Lisboa, Veja, 2001, pp. 76 e segs.
[19] Sobre a
“evicção” de José Ferreira Bossa, Sandrine Bégue, La Fin de Goa et l’Estado da Índia: Décolonisation et Guerre Froide
dans le Sous-Continent Indien (1945-1962), Volume I, Lisboa, Instituto
Diplomático/MNE, 2007, pp. 175/178.
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