Os optimistas podem dizer que hoje há um cinema em cada casa (ou mais do
que um, se contarmos com os vários aparelhos de televisão e com os computadores
e tablets). Em cada casa ou em cada mão. Os pessimistas recordarão que
«ir ao cinema» não é o mesmo que ver um filme. É mais. E é mais do que pipocas
ou gomas, do que aproveitar uma ida ao supermercado, a uma loja de roupas de
criança ou comprar um acessório para o computador ou para o telemóvel. É… «ir
ao cinema», um conceito que se vai perdendo, mas que fique claro não se tratar
de um juízo de valor, mas tão-somente de uma constatação. Um ritual, que
implicava horários, disposição, um conjunto de gostos e obrigações que eram
saborosas. Claro que se ficava furioso quando se chegava atrasado ou a lotação
estava esgotada… ou mesmo quando só havia bilhetes na primeira fila e os
primeiros cinco minutos a olhar para o ecrã eram piores do que estar às voltas
numa nave espacial.
Os tempos mudam e as actividades também. Mais, muda a gestão dessas mesmas
actividades. Vai-se ao cinema um pouco a correr, porventura como se fazem as
festas das crianças num local programado e com uma duração de duas horas mal
contadas.
Todavia, sendo o cinema uma das Artes que mais influenciou o mundo – seja
no ecrã de um cinema, seja no de uma televisão ou computador –, vale a pena relembrar os três cinemas que
faziam parte: o Roma, o Star e o Londres. Hoje todos desapareceram. O Roma tornou-se na sede da Assembleia Municipal de Lisboa. O Star deu origem à C&A e, actualmente,
à VIVA. O Londres está fechado,
aguardando a decisão de ser ou não transformado numa «loja do chinês».
Começando pelo Roma, ficava no nº 14 da Avenida de Roma, perto da
piscina municipal, e é conhecido agora como Fórum Lisboa, sendo também sede da
Videoteca Municipal. O auditório funciona, agora, para projecção de filmes,
quando inseridos em festivais, conferências, seminários e para concertos de
música. A sala abriu portas em 1957. Tinha uma capacidade de 1.107 lugares,
sendo um dos cinemas gigantes dos anos 50. Foi concebido com base nas novas
ideias de grandiosidade da arquitectura típica do Estado Novo. Em Setembro de
1963, para promover o filme Summer Holiday / Mocidade em Férias,
com Cliff Richard e os Shadows, a gerência do cinema resolveu por bem organizar
um concurso de bandas a que deu o curioso título Conjuntos Portugueses do
tipo "The Shadows". Inscreveram-se 22 conjuntos e o vencedor foi
o Conjunto Mistério com Fernando Concha. O cinema encerrou em 1988 e durante
algum tempo foi utilizado como armazém até ser comprado pela Câmara Municipal
O Star ficava na Av. Guerra Junqueiro e abriu ao público em
meados dos anos 70, sendo depois uma loja de roupa (primeiro a Marks &
Spencer e depois a C&A). Ficou famoso por ser mais largo do que
comprido, por ter cadeiras enormes e super-confortáveis, onde se podia dormir
uma boa soneca e por ter passado, semanas a fio, um filme de Claude Lelouch, Les
Uns et Les Autres.
O Londres foi o último a terminar, no ano passado.
Curiosamente, nasceu a partir de uma discoteca chamada Tropical, em
1969, e situava-se na Av. de Roma, entre a Praça de Londres e a Av. João XXI. O
grupo português Os Sheiks, que marcaram uma geração, tocaram pela última
vez ao vivo nessa discoteca, no dia 28 de Outubro de 1967; nela existia também
uma pista de automóveis denominada Bólide.
Quando foi inaugurado, em 1972, com o filme Morrer de Amar, de
André Cayatte, o Londres tinha uma só sala, com cadeiras que desciam
quando a pessoa se sentava e eram muito confortáveis. A capacidade era de 460
espectadores e o espaço pensado para três funções: ver cinema, jantar no snack-bar
e conversar no Pub The Flag, que ficava ao lado, anexo ao cinema. A
programação era excelente, variada e cobrindo os vários filmes dos diversos
países. Talvez por isso tenha resistido mais tempo, mesmo que dividido em duas
salas mais pequenas, para rentabilizar o espaço, dada a redução de espectadores.
O Café Magnólia explorou a parte de restauração até ao final.
Lisboa perdeu praticamente todos os cinemas – o que existem, sim, são
múltiplas salas onde se projectam filmes, dentro de centros comerciais.
Curiosamente, isto não acontece em Madrid, Paris, Roma ou Londres… é um
fenómeno quase exclusivo português.
Será que, ao perdermos a mística e a magia de «ir ao cinema» não estaremos
a dar um passo no caminho da banalização de tudo, da perda de rituais e do «ter
tudo na hora, à distância de um click»? Fica a dúvida, se, ao perdermos
estes cinemas – como tantas outras coisas – estaremos a evoluir ou involuir em
termos civilizacionais.
Mário Cordeiro
Pouco tempo antes de o cinema encerrar, as minhas filhas ainda puderam experimentar com espanto as cadeiras mirabolantes do Londres, e isto, parecendo que não, é um argumento decisivo para a questão de saber se, para mim, o universo tem algum sentido.
ResponderEliminarQuanto ao "Les uns et les autres", é pouco afirmar que esteve em exibição no Star "semanas a fio". Na verdade foram séculos, ! Salvo erro, foi o unico filme exibido nesse cinema entre 1796 e 1982...
Boas